Passadas quase duas semanas do início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, somente 22% das doses distribuídas pelo Ministério da Saúde aos Estados foram aplicadas, e os números revelam disparidade nos ritmos de vacinação pelo País. Enquanto Alagoas e Paraná já usaram 34% das doses que receberam, o Amazonas aplicou apenas 8,8% dos imunizantes entregues pelo governo federal.
Com atraso, o Brasil iniciou a campanha em 18 de janeiro, depois de mais de 50 países, e acumula 2 milhões de vacinados (0,95% da população), embora já tenha disponível 8,9 milhões de doses. Entre as nações que começaram em dezembro, as taxas são bem maiores. Israel imunizou 4,3 milhões (50,2%), Reino Unido, 7,9 milhões (11,7%) e os EUA, 24 milhões (7,45%).
Mesmo que metade das 6,9 milhões de doses da Coronavac esteja reservada para a segunda aplicação, o País tem disponível para uso imediato mais de 5 milhões de doses, mas não aplicou nem metade disso. Segundo especialistas, a campanha precisa ser acelerada. Entre os gargalos estão a escassez de doses, o que dificulta o planejamento das cidades, e problemas logísticos.
Nesta primeira fase, o plano prevê vacinar trabalhadores da saúde, idosos em instituições de longa permanência e indígenas. Para Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, a cobertura atual é baixa, mesmo se considerados só grupos prioritários.
Um dos desafios agora é imunizar 410 mil indígenas e 20 mil profissionais de saúde que atendem esses grupos. É difícil chegar até eles – cerca de 6 mil aldeias, 100,6 mil pessoas no Amazonas. Doze áreas precisaram do apoio logístico do Ministério da Defesa. “É preciso agilidade para chegar a locais de difícil acesso”, diz o almirante Carlos Chagas, porta-voz da pasta. Em alguns lugares, só barco e avião, como Tabatinga, a 1,1 mil quilômetros de Manaus. De 10 mil doses, 8,9 mil são para indígenas ticuna e 1,1 mil para profissionais de saúde locais. Ali, a vacinação pode levar até dez dias.
Em Pau Brasil (BA), 4 mil dos 11 mil habitantes são indígenas aldeados. A cidade recebeu 1.731 doses para esse grupo e 132 para os demais. A entrega é feita conforme os agentes de saúde indígenas pedem doses. Mas, segundo a secretária de Saúde, Sirlândia Xavier, a demanda é baixa. Até sexta, o município só bateu 18% da meta.
Em São Miguel das Missões (RS), só foram aplicadas 30 das 113 doses para os tekoa koenjus. “Os profissionais de saúde estão com dificuldade para que os índios aceitem a vacina. Aos poucos, estão aderindo”, afirma o secretário municipal de Saúde, Fabiano Morais.
Em Mato Grosso do Sul, com 48 mil indígenas, a vacinação só ganhou velocidade nos últimos dias. Havia um impasse com os polos indígenas, que queriam ficar com as vacinas – uma reunião na terça definiu que as cidades serão responsáveis por armazenar e distribuir doses. O governo estadual prevê vacinar os indígenas em até 30 dias.
Barreiras
“O que trava a vacinação no Brasil é a inércia do governo federal, que poderia ter comprado mais doses”, diz o médico Gonzalo Vecina Neto, colunista do Estadão. Isabella Ballalai tem opinião semelhante. “Percebemos que a campanha está fragmentada pela questão da oferta de vacinas.”
Coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) de 2011 a 2019, a epidemiologista Carla Domingues destaca a tradição brasileira em campanhas de larga escala. “É um programa reconhecido no mundo. Assim que forem garantidas mais doses, essa estrutura consolidada pode acelerar o ritmo. Mas é fundamental o cadastramento prévio de quem será imunizado”, alerta. “Temos de aproveitar essa fase, quando ainda há tempo, para cadastrar os próximos grupos.”
Secretários dizem que o número limitado de doses e a falta de clareza sobre o tamanho das remessas dificultam. Em São Miguel das Missões, a informação sobre a remessa chega um dia antes, segundo o governo local. Em Itabuna (BA), a secretária de Saúde, Lívia Aguiar, afirma que o número de doses só é conhecido na hora da entrega. A cidade recebeu 4.017 vacinas em dois lotes diferentes. “Esperávamos quantitativo bem maior. Tivemos de refazer todos os planos.” A cidade só vacinou 30% dos profissionais de saúde até agora.
Algumas cidades demoraram para buscar o imunizante. Nova Alvorada (RS) foi a última a recolher sua cota (cinco doses) na Coordenadoria Regional de Saúde em Passo Fundo, no dia 22. O governo local diz que já havia agendado a retirada de outros remédios na regional e, por isso, optou por uma viagem só. A distância é de cerca de 60 km.
Para dificultar o acompanhamento, os números de vacinados também demoram. Natal começou a registrar os dados em formulários impressos, só depois digitados. Até quinta, o ministério apontava que a Paraíba havia imunizado 10,2% dos grupos prioritários, mas o Estado fala em “atraso no registro” por “inconsistência” no sistema. Manaus chegou a parar a vacinação por dois dias após suspeitas de desvios e questionamentos da Justiça sobre a lista de vacinados. Procurado, o ministério não comentou.
Rapidez
Por outro lado, São Gonçalo do Amarante (RN) conseguiu driblar as dificuldades e já aplicou todas as 563 doses recebidas no primeiro lote. Enquanto a maioria dos municípios centraliza a vacinação em hospital ou posto de referência, a cidade criou um grupo itinerante de imunização. Duas equipes visitaram 36 estabelecimentos, entre unidades de saúde, hospitais e instituições de longa permanência. Em quatro dias, vacinaram todo mundo. “Não trouxemos o trabalhador para ser vacinado. Fomos até ele”, diz Jalmir Simões, secretário municipal de Saúde.
Em Lauro de Freitas (BA), a prefeita Moema Gramacho (PT) diz que o ritmo veloz serve para pressionar o governo federal. Em pouco mais de uma semana, as 1.640 doses recebidas foram aplicadas. “Temos nos empenhado para dar agilidade na vacinação e transmitir informações em tempo real ao ministério, mostrar que há necessidade grande de mais vacinas.
Gestores temem parar campanha por falta de imunizante
O início da vacinação do público prioritário é o primeiro passo para o fim da pandemia, mas não significa proteção imediata aos vacinados. Especialistas afirmam que a proteção completa começa, em média, duas semanas após a aplicação da segunda dose no paciente. Nesse contexto, municípios grandes e pequenos mostram preocupação com eventual interrupção da campanha de vacinação por demora de novos lotes. “A preocupação com a falta de imunizantes é de todos os secretários”, diz Cipriano Maia, titular da Saúde do Rio Grande do Norte.
Na primeira semana, foram distribuídas pelo País 6 milhões de unidades da Coronavac. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou o uso emergencial de outro lote, de 4,1 milhões, das quais 900 mil já foram entregues, e chegaram 2 milhões de doses da vacina de Oxford, importadas da Índia. O Instituto Butantan promete novo lote da Coronavac para a última semana de fevereiro. “O receio é real na cabeça de cada um dos gestores. Temos sim essa preocupação”, diz José Helder (MDB), prefeito de Várzea Alegre (CE).
A nota técnica enviada às secretarias estaduais, com base na liberação emergencial da Coronavac pela Anvisa, prevê janela de 14 a 28 dias para a segunda dose. No caso da vacina de Oxford, a recomendação do fabricante é de até 120 dias. No Reino Unido, a estratégia de adiar a dose de reforço já tem sido adotada.
Por causa das incertezas quanto à chegada de imunizantes e seguindo a recomendação dos fabricantes, a maioria dos Estados pretende usar o prazo máximo de 28 dias para a Coronavac. Após cogitar estender o prazo, além dos 28 dias, o Estado de São Paulo recuou na sexta-feira. O governo paulista queria que o Ministério da Saúde desse garantias de que, aplicadas todas as doses disponíveis, haveria novas unidades suficientes para a segunda aplicação. Se não tivesse de reservar parte das doses agora, São Paulo poderia ampliar a base de pessoas que receberam a primeira parte do imunizante.
Diante da escassez das vacinas, os governos estaduais reforçam a necessidade das medidas de prevenção. “Mesmo que a vacina não seja interrompida, receberemos em um quantitativo ainda insuficiente para uma imunização em massa, que atinja uma imunidade de rebanho imediatamente”, afirma Ana Costa, diretora do Departamento de Ações em Saúde do Rio Grande do Sul.
“Esperamos que uma eventual interrupção não ocorra, mas, se ocorrer, é preciso ter maturidade para manter os cuidados, pois são eles que reduzem enormemente os riscos de contrair a covid-19.”
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