Depois de anos à margem do crescimento de setores como o de fintechs, as startups de saúde finalmente estão começando a ganhar espaço no ecossistema brasileiro de inovação, impulsionadas pela perspectiva que a pandemia trouxe para o segmento — e um novo aporte atesta os bons ventos. A “healthtech” carioca Beep Saúde anuncia nesta quarta, 14, que levantou um investimento de R$ 110 milhões, liderado pelo fundo norte-americano Valor Capital Group. Com a rodada, a empresa diz ter atingido valor de mercado de R$ 670 milhões.
Participaram também DNA Capital, Bradesco e Endeavor Catalyst, ao lado de investidores- anjos como David Velez, fundador do Nubank. Segundo a empresa de inovação Distrito, o aporte está entre os dez maiores investimentos já recebidos por uma startup de saúde brasileira — o cheque da Beep Saúde ocupa agora a oitava posição no ranking, que é liderado pela empresa Dr. Consulta, com um investimento de R$ 300 milhões em 2017.
Fundada em 2016 pelo médico Vander Corteze, a Beep Saúde é uma espécie de “Uber de vacinas e exames”. A healthtech ganhou mercado com um serviço de aplicação de vacinas em domicílio e, em setembro do ano passado, passou a realizar também coleta de exames laboratoriais — os serviços são oferecidos atualmente em mais de 100 cidades nos Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e também no Distrito Federal.
“Se você quer se comunicar com alguém, o app que vem à sua cabeça é o WhatsApp. Para pedir comida, é o iFood. Para ouvir música, o Spotify. Existem soluções no celular para as diversas demandas. Queremos ser o serviço referência em saúde”, diz Corteze, fundador e presidente executivo da Beep Saúde, em entrevista ao Estadão. Antes de criar a startup, ele fundou o Grupo BR MED, uma rede de clínicas de medicina do trabalho.
Ainda na época em que a telemedicina não era permitida, o primeiro teste da startup foi na área delivery de atendimento médico, mas o serviço não decolou — segundo Corteze, “as operadoras de saúde não tiveram interesse”. A entrega e aplicação de vacinas virou, então, o filão para a Beep Saúde. A startup compra vacinas diretamente da indústria farmacêutica (das fabricantes GSK, MSD, Pfizer e Sanofi) e conta com sua equipe própria de 200 enfermeiros para realizar as injeções nas casas dos usuários — o atendimento é privado, com pagamento pelo app. Já na parte de exames laboratoriais, há a opção de serviço particular e por planos de saúde.
Logística
Na disputa com clínicas privadas que também oferecem aplicação de vacinas e coletas de exames em casa, a Beep Saúde aposta em eficiência. “Você não precisa ligar para uma central e ficar aguardando”, afirma Corteze.
A inspiração da logística veio da gigante Amazon. A Beep Saúde tem clínicas licenciadas que funcionam como hubs que dão suporte à operação — assim como os centros de distribuição da varejista americana. São desses locais que sai uma dupla de enfermeiro e motorista para atender ao pedido feito via app. A startup tem hoje cerca de 150 motoristas. As solicitações de serviço pela plataforma podem ser feitas de domingo a domingo e em feriados — o atendimento ocorre no dia seguinte ou por agendamento.
A tecnologia por trás da operação funciona roteirizando os pedidos. “Conforme vamos recebendo os pedidos para cada área, existe um trabalho na madrugada que organiza os trajetos, e determina qual enfermeiro fará aquele atendimento”, explica o fundador da empresa. O sistema, batizado de Oswaldo (em homenagem ao sanitarista Oswaldo Cruz), controla o estoque, e otimiza os trajetos dos funcionários. Cada enfermeiro usa um app interno para acompanhar as informações de seus atendimentos.
Novo cheque
Com o aporte, a Beep Saúde quer acelerar o crescimento. Um dos objetivos é expansão geográfica: a meta é dobrar o número de cidades, chegando também ao Espírito Santo e a Minas Gerais. Além disso, a empresa pretende ampliar seu cardápio de serviços, oferecendo entrega de medicamentos e infusões. A startup planeja chegar a 1.000 funcionários até o final de 2021— hoje tem cerca de 500 pessoas, com 250 vagas abertas.
A estratégia de novos serviços foi um dos pontos que atraiu o olhar do fundo Valor Capital Group. “Identificamos que não existia uma plataforma para a saúde nos celulares dos brasileiros. O modelo de hubs logísticos com a mão de obra própria proporciona um modelo de negócio sustentável”, afirmou ao Estadão Michael Niklas, sócio do fundo. A Valor Capital tem em seu portfólio outras seis healthtechs: Sanar, BoaConsulta, IterativeScopes, TNH, XPHealth e Sami.
O momento de pandemia também é oportuno para a aceleração da startup, afirma Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups e colunista do Estadão. “O modelo da Beep Saúde parece perfeito para o momento de pandemia e isolamento social prolongados. E, mesmo com o fim da quarentena, essas modalidades de atendimento tendem a crescer”, diz.
Por conta da pandemia, a Beep começou a oferecer exame de covid-19: o PCR nasal custa R$ 340 pelo app. Como a vacina contra o coronavírus é pública, a Beep não tem permissão para oferecê-la.
Até este novo cheque, a trajetória da Beep foi discreta. Seus últimos dois aportes, que somam R$ 22 milhões, foram pouco divulgados. O nome da startup também não aparecia no mercado como uma promessa entre as healthtechs. Mas a surpresa foi boa: “É um aporte interessante também por ser uma startup do Rio de Janeiro. A cidade vinha perdendo relevância como ecossistema de geração de startups. São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte, por exemplo, já possuem startups que se tornaram unicórnios, mas o Rio ainda não”, afirma Matos.
Onda boa
A Beep Saúde faz parte da geração de healthtechs impulsionadas na pandemia. Segundo a Distrito, nos dois primeiros meses de 2021 foram investidos US$ 90 milhões em startups de saúde no Brasil. Esse valor já representa 85% do total de 2020 e ultrapassa o ano de 2019, quando houve US$ 63,2 milhões investidos.
Outros dois aportes de 2021 também estão entre os dez maiores da história das healthtechs. Em fevereiro, a startup Alice levantou um investimento de R$ 178,8 milhões. No mesmo mês, a healthtech 3778 se uniu a investidores, em um acordo de R$ 200 milhões, para criar um grupo de saúde corporativa — estão entre os investidores Randal Zanetti, criador da Odontoprev, a gestora de investimentos UV e a LTS Investments, de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
É uma virada de chave para o setor. “Colocar um negócio de saúde em pé é complicado, porque tudo o que envolve saúde é sensível e envolve muita regulação. Além disso, do lado do capital de risco, é mais difícil ter investidores preparados para lidar com esse mercado”, explica Gilberto Sarfati, professor da FGV. “Mas o mercado de saúde é gigantesco e tem um potencial enorme”.
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