Desde a desativação, por semanas, de unidades de montagem automobilística devido à escassez de chips até atrasos de remessas e disparada dos custos, a pandemia chamou a atenção para as deficiências da cadeia mundial de suprimentos, mas nem todos esses problemas durarão muito.
Consideremos o transporte marítimo, em que os custos do frete ao longo das rotas mais movimentadas do mundo dispararam devido a paralisações geradas tanto em mar quanto em terra pelas restrições à movimentação determinadas pela pandemia e à escassez de contêineres de aço de 40 pés que movimentam o grosso das exportações mundiais.
Essas pressões sobre os custos deverão se desfazer quando as vacinações e as retomadas de atividade econômica de todos os segmentos desencadearem uma mudança no comportamento dos Estados Unidos e da Europa, a partir dos gastos em produtos de consumo do Leste da Ásia para gastos em serviços.
Embora esteja previsto que os preços do transporte marítimo por contêiner permanecerão mais elevados do que antes da crise, é pouco provável que se mantenham em seus níveis atuais. Atualmente paga-se cerca de US$ 4.000 por um contêiner entre o Leste da Ásia e a costa Oeste dos Estados Unidos, em relação aos US$ 1.500 cobrados no início de 2020.
Mas outros problemas na cadeia mundial de suprimentos têm de ser enfrentados. A escassez de chips de computador, usados nos automóveis atuais em tudo, desde freios até assentos, é o mais recente exemplo do perigo de contar com a produção conhecida como “just in time”.
A indústria de transformação sofreu problema semelhante após o tsunami de 2011 no Japão. Há um argumento claro em favor do acúmulo de estoques de determinados componentes essenciais.
A escassez de chips também chamou a atenção para um problema preexistente com que a indústria se defronta: o risco geopolítico. O nacionalismo das vacinas, o Brexit e as tensões entre Estados Unidos e China refletem um ambiente político que se tornou mais hostil ao comércio mundial.
Um dos motivos de a escassez de chips ter sido tão grave para a indústria automobilística americana é o fato de as tensões entre Estados Unidos e China terem levado empresas americanas a mudar a partir de fornecedores da China continental para a multinacional taiwanesa TSMC, a maior fábrica independente de semicondutores do mundo.
Essa tendência não desaparecerá com a saída de Donald Trump da Casa Branca. Na verdade, pode até se intensificar, com a determinação do novo presidente americano Joe Biden de montar cadeias de suprimentos menos dependentes de chips e outros produtos estrategicamente importantes da China.
Uma das reações tanto ao risco geopolítico quanto às vulnerabilidades postas a nu pela pandemia tem sido pressionar pelo repatriamento da produção, com parlamentares tanto dos Estados Unidos quanto da Alemanha tendo levantado essa perspectiva.
No entanto, muitos economistas acham que transferir a produção de chips mais para perto de casa faz pouco sentido. “As montadoras têm de ter uma estratégia alternativa, mas a escala e a sofisticação necessárias para produzir os chips - que não são de margem muito elevada - são muito altas”, diz Joanna Konings, economista-sênior do ING Bank. “A Europa e os Estados Unidos estão, por enquanto, atrás da Ásia no momento.”
Para se proteger do risco criado pelas cadeias de suprimentos, as principais indústrias de transformação também passaram a ser abastecidas por um número maior de fornecedores. “As empresas de tecnologia têm se diversificado em relação à China - muitas vezes em favor de mercados do sudeste asiático, como Vietnã e Indonésia”, diz EbruPakcan, diretora mundial da divisão de comércio exterior do banco americano Citi.
“Em alguns casos, em que as empresas mantiveram fornecedores lotados na China, eles estão sendo usados para atender a própria China, que não deixa de ser um mercado enorme por si só”, explica ela. A Europa Central e do Leste vão se beneficiar, num momento em que empresas sediadas na Europa tentam produzir mais perto de seus clientes, como também acontecerá com o México, que produzirá para as empresas sediadas nas três Américas, acrescenta Pakcan. As fabricantes também terão de atentar mais para as práticas de seus fornecedores.
Como parte de uma investida mais geral nos cenários financeiro e empresarial para levar em consideração responsabilidades ambientais, sociais e de governança, os governos passaram a insistir mais no cumprimento, pelos fornecedores externos, de normas aceitáveis.
O gabinete da Alemanha aprovou neste mês uma lei que determina que as empresas alemãs protejam as normas de direitos humanos e ambientais em toda a sua cadeia mundial de suprimentos.
A União Europeia (UE), além disso, está determinada a transformar as multinacionais em fiscalizadoras do cumprimento dos direitos dos trabalhadores. “Veremos cada vez mais obrigações com o passar do tempo”, diz Anahita Thoms, sócia do escritório de advocacia Baker McKenzie.
Embora isso possa criar desvantagens competitivas no começo, Thoms acredita que resultará em maior capacidade de superação de problemas das empresas que investem em sustentabilidade e de garantir os fornecedores mais éticos.
No entanto, cumprir os padrões previstos no monitoramento das práticas e diversificar as cadeias de suprimentos vai elevar os preços no curto prazo - o que acontecerá também com o repatriamento para mercados com custos de mão de obra e de produção mais elevados.
A necessidade de se adaptar para corrigir choques como a pandemia e as pressões geopolíticas pode implicar na possibilidade de o comércio mundial deixar de ser a força deflacionária que foi nas últimas décadas. Os ganhos de eficiência proporcionados pela tecnologia e pela logística, juntamente com o baixo custo da mão de obra (principalmente asiática) ajudaram a coibir a alta dos custos dos bens de consumo duráveis. Mas isso está mudando agora.
“As estratégias industriais de Estados Unidos, China e UE dificultarão a vida dos exportadores”, diz Konings. “Estamos vivendo no mundo de quem é mais rápido no gatilho.” Antes da covid as tensões levaram à adoção de mais tarifas e durante a pandemia os subsídios canalizados para setores domésticos favoreceram os produtores internos, acrescenta.
“Devemos esperar que teremos níveis mais baixos de difusão tecnológica e de produtividade com o fechamento provisório do mundo. Essa dinâmica será inflacionária.”. (Tradução de Rachel Warszawski).
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