Como medidas de controle durante pandemia, companhias marítimas cancelaram rotas de viagens, enquanto muitas das atividades portuárias globais tiveram de ser completamente paralisadas, apontou estudo do grupo de trabalho apresentado pela Antaq
A pandemia de Covid-19 trouxe reflexos em diversos setores da economia do Brasil e do mundo, assim como mudou o comportamento da população. O transporte marítimo, o setor portuário e a logística interna e externa não ficaram de fora, em menor ou maior grau, das mazelas causadas pela crise sanitária global. É o que apontou o relatório do “Grupo de Trabalho de Monitoramento dos Impactos da Pandemia da Covid-19 no Transporte Marítimo e no Setor Portuário”, elaborado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e divulgado durante coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (28).
Conforme o estudo, em um primeiro momento, os impactos da pandemia ocorreram mais no cenário internacional, observados a partir dos congestionamentos de caminhões nos acessos aos portos, filas de esperas de navios em grandes terminais, acúmulo de cargas nos pátios, atrasos em embarques e desembarques, omissões de escala, falta de mão de obra, entre outros gargalos.
Em um segundo momento, indicou o relatório, foram identificados novos cenários em relação ao aumento dos valores do frete, falta de contêineres vazios par estufagem de cargas e rolagem de cargas nos portos do país, com um efeito cascata para outras cobranças e serviços, como é o caso da sobrestadia de contêineres, e demais situações.
“Algumas causas iniciais foram atreladas ao desbalanceamento entre a oferta global de navios de contêineres e a demanda mais aquecida, considerando as novas necessidades e oportunidades surgidas com a pandemia. O aumento do valor do bunker no mercado mundial, a quarentena imposta aos tripulantes dos navios, a mudança de cultura mundial, que impulsionou o comércio eletrônico de produtos, e a retirada de navios de algumas rotas de navegação já estabelecidas também foram apontados como geradores do problema”, destacou o estudo da Antaq.
Feita com importadores e exportadores que movimentam suas cargas por meio dos terminais portuários brasileiros, além dos agentes intermediários, a consulta apontou os principais entraves, tais como: omissão de escala, rolagem de cargas, falta de contêineres, aumento de frete, congestionamento nos terminais, cancelamento de embarque/desembarque, suspensão de rotas/escalas, alterações de regras e cobranças indevidas de sobrestadia, seletividade de usuários, alterações de prazos de entrega e comunicação intempestiva.
Fechamentos de portos e cancelamentos
Como medida de controle sanitário, muitas companhias marítimas tiveram de cancelar suas rotas de viagens, enquanto as atividades portuárias de alguns dos importantes portos mundiais foram completamente paralisadas. “Esse processo causou desorganização no transporte de contêineres, ocasionando congestionamento dos portos e consequente desbalanceamento de vazios, principalmente na China, que é um grande exportador de produtos de alto valor agregado e principal produtor de contêineres no mundo”.
A Antaq avaliou que, como causa desse impacto, ainda houve um aumento da demanda de produtos, de forma não vislumbrada por agentes do setor. “O incremento do volume de cargas movimentadas nos portos levou a um acréscimo da ocupação dos pátios de armazenagem dos terminais de contêineres, com consequente perda de produtividade.”
Segundo o relatório, a crise causada pelo fechamento de portos e o congestionamento generalizado trouxe um forte impacto no tempo médio de uso dos contêineres. “Esse aumento de tempo médio, necessário para cada escala, levou a uma escassez no número de contêineres necessários para transportar a mesma quantidade de cargas – situação que também serviu para impulsionar os impactos na cadeia logística mundial no ano de 2020”.
Sistema brasileiro
Ao analisar o mercado portuário nacional, a Antaq ressaltou que o Brasil é o 17º país em tráfego ou movimentação de cargas conteinerizadas no mundo, conforme dados do Banco Mundial. Também foi possível constatar que a configuração dos serviços de transporte aquaviário é fortemente determinada por sua economia e pela geografia, o que explica sua integração com o mercado mundial e a distribuição das atividades ao longo de sua costa.
“Parte dessa avaliação se deve à posição do país no hemisfério sul, naturalmente abastecido com um menor número de rotas de origem e destinos de cargas conteinerizadas, e também à relevância da sua economia em âmbito mundial. Além disso, é sabido que o setor de transporte marítimo apresenta um cenário de grande concentração, sendo certo que no Brasil, atualmente, quatro transportadores concentram a maior parte das cargas, deixando as empresas nacionais expostas a riscos relacionados a esse mercado”, descreveu o estudo.
Outro ponto destacado pela Antaq é que parte das cargas nacionais é direcionada por escalas, ou seja, o desempenho da cadeia logística marítima para os carregadores daqui também depende do desempenho desses portos de transbordo. “As cadeias de transporte em contêineres tornaram-se altamente interconectadas, o que significa que gargalos em um local podem causar interrupções em toda a cadeia, como bem ilustrado no decorrer dos últimos dois anos com o canal de Suez e os problemas nos portos chineses. Isso é relevante, pois o principal país (um ou mais portos), com quem o Brasil faz troca de contêineres, são os Estados Unidos, que teve um forte impacto em sua logística em decorrência da crise mundial”.
Em 2021, o principal porto que fez movimentações de contêineres com o Brasil, em linha direta, foi o de Cingapura, superando países com mercados mais relevantes como Cartagena, Roterdã e Xangai. “Essa conexão denota que Cingapura é reconhecido como um porto de transbordo das cargas nacionais, conforme se observa nas informações do último Anuário da Antaq, que listou os 20 principais portos de exportação de cargas do país”.
Falta de contêineres vai continuar
Após o levantamento de dados do mercado internacional, do mercado doméstico (por meio do anuário da Antaq), da realização de pesquisas de percepção entre relevantes atores do mercado nacional e de reuniões constantes foi possível esboçar uma análise do panorama nacional frente aos efeitos da crise logística.
Foi observado, por exemplo, que o setor de transporte de carga marítima, com destaque para o mercado de contêineres, sofreu uma situação inédita em todo o mundo, durante a pandemia, que envolveu a falta de contêineres e a capacidade logística dos portos, acompanhada do aumento da demanda de movimentação de cargas conteinerizadas, impulsionadas pelo incremento do mercado de e-commerce e pela concentração do mercado de transporte marítimo, que trouxeram um grande problema logístico internacional. “Prognósticos mais prováveis avaliam que essa situação perdurará em um horizonte de médio prazo”, alertou o estudo.
No setor brasileiro, o cenário não foi muito diverso: “Ao avaliar o número de atracações ocorridas nos portos, anualmente, o GT identificou que os dados não se mostraram tão afetados durante o período. É relevante destacar que o número de atracações tem se mantido dentro de uma faixa relativamente constante, na última década, a despeito do grande aumento de operações do país, indicando que essa variável tem uma sensibilidade bastante baixa”.
Ao focar especificamente na movimentação de contêineres, a série histórica demonstrou um crescimento da quantidade transportada em longo prazo. “O transporte de contêineres, de modo geral, não foi afetado negativamente, mantendo seu ritmo de crescimento durante a pandemia e tendo reflexos também das mudanças de perfis dos consumidores”.
Cabotagem
Em relação ao transporte de cabotagem e o longo curso, esse fenômeno se manteve, com crescimento firme da cabotagem e manutenção do crescimento no longo curso. “Efetivamente, houve crescimento da movimentação em ambos os casos, a despeito das limitações logísticas do cenário internacional”, indicou o estudo.
No que se refere à pesquisa com os agentes do setor nacional, foram notados reflexos sobre as operações portuárias com impactos, principalmente, comerciais, mas que também afetaram a logística e as finanças dos consultados. “Os principais impactos observados estão relacionados às omissões de escala, à concentração de movimentação de cargas, à ocupação de pátio, às filas, à credibilidade com clientes diante da falta de previsibilidade da entrega da carga, ao aumento dos fretes e à ocorrências de navios com tripulação positiva para Covid”.
A Antaq ainda apontou que os atrasos dos embarques e as omissões de escala impactaram a eficiência operacional dos terminais portuários que tiveram que reordenar toda a logística de operação para mitigar os eventuais problemas deflagrados.
Conclusões
Conforme a análise da Antaq, pelos achados regulatórios, concluiu-se que o Brasil não ficou isolado em relação aos reflexos da crise mundial, pois, assim como em outros países, houve um aumento das exportações e importações que elevou, consequentemente, a demanda por meios logísticos para sua distribuição. No entanto, seus efeitos desordenados na cadeia logística também foram percebidos.
“Ao mesmo tempo, a concentração do segmento de transporte marítimo (os armadores) propiciou o aumento do tamanho das embarcações com economias de escala. Isso gerou novos desafios à estrutura portuária, para se adaptar à nova realidade do mercado mundial, principalmente no Brasil, dada a sua ordenação porto e cidade”.
A diretora da Antaq, Flavia Takafashi, explicou que o GT foi criado para estabelecer um canal de comunicação com representantes dos setores marítimos e portuários; para monitorar e acompanhar os dados e informações que permitissem avaliar os impactos da crise no transporte marítimo; e avaliar a necessidade de edição de atos normativos e regulatórios para mitigação desses impactos no ambiente regulado. “O trabalho permitiu que a agência conhecesse melhor o setor de contêineres e entendesse as dinâmicas nacionais e internacionais. A partir desse aprofundamento do conhecimento, a agência está consolidando, cada vez mais, seu entendimento sobre a logística portuária”, resumiu Flávia.
Fonte: Portos e Navios