Uma década depois do último superciclo das commodities, em vigor de 2002 a 2011, a bolsa brasileira se prepara para uma nova temporada de alta dos preços dos insumos básicos, antecipando uma forte recuperação econômica global, sustentada pela China. Mas o novo boom de matérias-primas terá características diferentes, devido às “ambições verdes” do país asiático.
O foco de Pequim na agenda ESG (de melhores práticas ambientais, sociais e de governança) tende a provocar efeitos distintos em diferentes segmentos no mercado acionário local. A primeira impressão é a de que a recente alta nos preços do petróleo, do minério de ferro, da soja e do milho, somada à resposta do governo chinês para a retomada da atividade pós-pandemia, resultaria no consumo crescente e prolongado de commodities industriais.
Porém, é preciso antes compreender o novo estágio de desenvolvimento econômico chinês, que deve crescer mais de 6% neste ano, abaixo da previsão de crescimento da economia americana, de 8%, no mesmo período. Para o economista sênior do Rabobank, Raphie Hayat, a China reduziu a importância em relação à meta de expansão do Produto Interno Bruto (PIB).“O crescimento econômico continua sendo importante, mas a velocidade não parece ser tão importante quanto antes”, avalia.
Afinal, a China já não é mais a mesma de dez anos atrás. “Não é aquela que consumia uma insanidade de commodities”, explica o diretor da gestora do banco Fator, Paulo Gala. Ele lembra que, no último superciclo, o PIB chinês crescia mais de 10% ao ano, com forte demanda da metalurgia para a construção de projetos de infraestrutura, de transporte ferroviário e urbanização das cidades. “Isso hoje já está construído e a demanda chinesa \[por matérias-primas] não é mais tão intensiva”, afirma.
Por isso, não deve haver nada parecido com o ciclo de uma década atrás. “Nem ‘super’ nem ‘mini’. Serão outras commodities e não será na mesma proporção”, diz Gala, descartando a possibilidade de um novo “bull market” (mercado altista), tanto nas matérias-primas quanto nas bolsas. E a demanda diferenciada por commodities terá impacto distinto sobre as ações das exportadoras brasileiras de matérias-primas.
De qualquer forma, a China continuará sendo o principal consumidor global de commodities, apesar das promessas dos Estados Unidos e de países da Europa de investimentos em infraestrutura. “Os estímulos \[no Ocidente] vêm de planos fiscais, mas devem se concentrar em reparos e não em novos projetos. São mais focados em transferência de renda”, explica a economista do Itaú, Júlia Passabom, acrescentando que o foco nessas economias desenvolvidas é no consumidor final.
Com a China caminhando em direção ao desenvolvimento sustentável, a pauta de importação tende a privilegiar ativos inseridos na Agenda Verde da Organização das Nações Unidas (ONU), dando preferência por empresas alinhadas aos princípios ESG. Esse quesito tende a ampliar o peso do Brasil enquanto exportador de carnes e componentes vegetais para a maior economia da Ásia.
Trata-se de algo que não aconteceu no passado recente, evidenciando uma das características de diferenciação do esperado ciclo atual de commodities. Segundo o economista da Senso Corretora, João Augusto Frota, as empresas que mais vão se beneficiar da demanda chinesa são aquelas que estão mais atentas aos aspectos ambientais, sociais e de governança.
Nesse sentido, a alta dos preços das commodities agrícolas e o forte consumo chinês por carnes realçam o potencial de valorização das ações de frigoríficos brasileiros. Dentre eles, JBS merece atenção. Apesar de o frigorífico já ter recebido críticas por responsabilidade indireta no desmatamento da Amazônia, a meta da empresa de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2040 representa um compromisso inédito no setor. “O frigorífico age agora de forma a reduzir seus impactos no meio ambiente”, diz o analista da Guide Investimentos, Luís Salles.
Apesar da valorização já elevada de JBS e também de BRF no acumulado do ano até meados deste mês, na casa dos dois dígitos, jogam a favor dessas empresas a ampla gama de produtos oferecidos. Também ganham destaque os frigoríficos reconhecidos pela transparência sobre a emissão de gás carbônico. É o caso da Marfrig, que ingressou neste ano no Índice de Carbono Eficiente (ICO2) da B3, e também da Minerva, que ainda acumula queda nas ações desde o início do ano, enquanto as rivais registram valorização.
Mesmo assim, o agronegócio terá de continuar investindo em métricas de sustentabilidade, esforçando-se no monitoramento e no rastreamento da cadeia de gado e no bem-estar animal, além de fornecedores indiretos, para comercializar seus produtos.
“A pauta verde é importante e tem consequência nos negócios, com muitos países pagando prêmio por causa da origem dos produtos”, explica o chefe da área de commodities de um banco estrangeiro que preferiu não ser identificado, citando os investimentos dos frigoríficos brasileiros para mitigar os impactos ambientais do agronegócio. Ele lembra que no último grande ciclo a proposta era apenas expandir. “Ninguém se importava com sustentabilidade. Hoje não se pode degradar o meio ambiente, pois é preferível pagar mais e saber de onde vem”, explica.
Segundo esse executivo, a preocupação com a sustentabilidade acaba sendo um fator limitante da oferta, a despeito da demanda elevada. Por isso, ele prevê que as cotações por bushel da soja e do milho devem se estabilizar nos níveis atuais, mais altos, mesmo diante da dissipação dos efeitos do fenômeno climático La Niña, que afetou lavouras na América do Sul. “Essa tendência é uma adequação ao ESG”, pondera.
Ainda no quesito sustentabilidade, também entram no radar os papéis da Klabin, única brasileira a integrar o COP26 Business Leaders - iniciativa formada por executivos com o objetivo de difundir as metas de baixo carbono na América Latina. As units da companhia têm ganhos no ano inferiores à alta de quase 30% registrada pela Suzano, por exemplo. A rival, maior produtora global de celulose e líder mundial no mercado de papel, também é beneficiada pelo reflorestamento com certificação, que gera crédito de carbono.
Empresas de outro segmentos que participam da cadeia do agronegócio também despontam. Frota, da Senso Corretora, cita Rumo, CCR e Ecorodovias, nas áreas de logística e transportes; e a Gerdau, entre as siderúrgicas. “São empresas bem vinculadas ao ambiente agrícola”, explica. “A Gerdau é uma tese um pouco mais extensa”, emenda.
Segundo o analista, a empresa de aços planos deve tirar proveito do momento favorável às exportações de commodities devido à ampla linha de produtos destinados ao agronegócio e implementos rodoviários. “Os produtos da Gerdau são muitos e é uma empresa que se movimenta nessa linha do ESG”, afirma. “A valorização do ativo passa por esse racional.”
A transição da China de consumidora intensiva de combustíveis fósseis para outras fontes renováveis deve resultar em cortes de produção nas indústrias de aço e alumínio. Ao mesmo tempo, novas commodities metálicas entram na pauta de importação do país, visando alcançar eficiência de energia.
“O cobre, por exemplo, é um componente importante dos veículos elétricos e dos sistemas de energia solar e eólica”, diz Júlia Passabom, do Itaú. Segundo estimativas do banco, a demanda pelo metal básico pode ultrapassar 2 milhões de toneladas em 2025, de menos de meio milhão de toneladas em 2015.
Outros elementos químicos também usados para projetos de energia limpa - como lítio, níquel e vanádio - podem receber um impulso extra, diante de uma demanda sustentável e cada vez maior no cenário à frente.
Tal dinâmica tende a sustentar preços mais altos dessas commodities. Mas isso não significa que o preço do minério de ferro negociado no mercado internacional tende a recuar. “A Vale ainda não voltou aos níveis de produção pré-Brumadinho. Há um gargalo”, explica a economista. Para o Itaú, a cotação do principal produto exportado pela Vale deve seguir acima de US$ 100 por tonelada, diante do balanço apertado entre oferta e demanda.
Ao mesmo tempo, o compromisso de Pequim em atingir a neutralidade em dióxido de carbono até 2060 faz com que perca apelo no médio prazo o petróleo exportado pela Petrobras à China, que só em 2020 importou mais de 60% do óleo extraído pela petrolífera. Mas a preferência chinesa por combustíveis não fósseis será crescente, principalmente depois de atingir o pico de emissão de carbono até 2030. A partir daí, a tendência para o preço da commodity é de baixa.
A promessa do presidente chinês, Xi Jinping, sobre a redução de carbono, conhecida como “Meta 3060”, está relacionada ao desenvolvimento sustentável do país. “Não é apenas um requisito regulamentar, técnico ou financeiro, mas um requisito político. E não se deve subestimar a resolução de Pequim sobre isso”, afirma o pesquisador e criador da newsletter Pekingnology, Wang Zichen.
Essa perspectiva tende a potencializar o impacto negativo na estatal já advindo de fatores políticos internos, representando um risco adicional às ações da petrolífera. Júlia, do Itaú, lembra que a alta recente nos preços do petróleo foi influenciada pela inesperada decisão da Organização dos Países Exportadores (Opep) e parceiros de prorrogar os os cortes de produção até abril, levando o barril para perto de US$ 60.
“São questões de curto prazo na oferta, que não opera com capacidade total”, explica a economista, referindo-se tanto ao minério de ferro quanto ao petróleo. Com isso, Júlia avalia que os preços dessas commodities devem seguir mais altos até que oferta e demanda se equilibrem, mas dificilmente o petróleo irá voltar aos picos históricos, na casa dos US$ 100.
Segundo a economista, esses fatores pontuais de restrição justificam preços mais altos, mas que não devem durar no longo prazo, à medida que oferta e demanda voltarem aos níveis pré-pandemia. “Não houve uma disrupção da cadeia global. Há um descasamento brutal entre oferta e demanda, que ficou bastante atrapalhada com a covid-19.”
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