Após meses sem avanço, o projeto de lei que cria um programa de incentivo à cabotagem (navegação na costa brasileira), conhecido como BR do Mar, deve ter um novo impulso no Senado. Considerada uma proposta complexa, por mexer com regras de setores como da indústria naval, o BR do Mar recebeu 43 sugestões de emendas de senadores, o que tem exigido do relator, Nelsinho Trad (PSD-MS), e do Ministério da Infraestrutura um esforço grande de conversação para que o texto vá a plenário em consenso. O texto também ficou travado após os trabalhos da CPI da Covid dominarem o dia a dia do Senado.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o Ministério da Infraestrutura já aceitou alterar alguns pontos do texto, para buscar um consenso mais forte em torno do projeto, mas há itens que a pasta tenta blindar ao máximo. Entre eles estão a retirada de amarras da indústria naval e as formas de flexibilização do afretamento de navios.
Nesta semana, os senadores aprovaram a realização de uma audiência pública para debater a proposta, a pedido do relator. O evento ainda não tem data marcada, mas a previsão é de ter a participação de nove representantes de setores envolvidos no projeto, entre eles Ministério da Infraestrutura, Marinha, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore.
Trad evita antecipar pontos do seu relatório, acredita que pode finalizá-lo para ser votado logo após o Congresso voltar do recesso parlamentar, em agosto. "Para poder tramitar um projeto dessa magnitude, complexo, você tem que procurar diminuir as contraditas, e procurar encaixar as ideias e sugestões daqueles que querem participar, da melhor forma possível, desde que não desvirtue a vertente principal do projeto", afirmou Trad.
De autoria do Executivo, o texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados no fim do ano passado, mas há grande chance de voltar para análise dos deputados, em razão de possíveis mudanças a serem aprovadas pelos senadores. O governo espera que, com o projeto, a capacidade da frota marítima dedicada à navegação de cabotagem seja ampliada em 40% nos próximos três anos, excluindo as embarcações dedicadas ao transporte de petróleo e derivados.
O Ministério da Infraestrutura também aposta na ampliação do volume de contêineres transportados por ano até 2022 em 65%, além da expectativa de que esse tipo de navegação cresça 30% ao ano com as mudanças.
O relator tem feito o meio de campo entre senadores que apresentaram emendas ao projeto e o Ministério da Infraestrutura, que liderou a formulação do PL dentro do governo. Na semana passada, por exemplo, o encontro foi entre ele, o ministro da pasta, Tarcísio de Freitas, e o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN).
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, integrantes do ministério planejam passar um dia no Senado para fazer rodadas de conversa com os parlamentares sobre o BR do Mar. A avaliação é de que isso será uma 'mão na roda' para os senadores que, em razão do ritmo de trabalho da CPI da Covid, estão sem tempo de ir à pasta para falar sobre o projeto com o corpo técnico.
"É um trabalho hercúleo, de muita paciência e calma. E estamos fazendo (conversas) senador por senador. Peguei todos os que apresentaram emendas e estou os levando para discutir tecnicamente a emenda deles com a área técnica do Ministério da Infraestrutura", disse Trad.
Discussões sobre abertura de mercado\
A tramitação do BR do Mar é delicada porque, além das tentativas de manter uma proteção à indústria naval, há uma ala no Senado que defende uma abertura do mercado da cabotagem diferente da preconizada pelo Ministério da Infraestrutura.
A senadora Kátia Abreu (PP-TO), por exemplo, propôs uma série de emendas que remontam a um projeto de lei para o setor apresentado por ela no ano passado. As regras de afretamento de embarcação estrangeira (aluguel) elaboradas pela senadora, no entanto, são bastante diferentes das defendidas pelo Ministério da Infraestrutura.
Hoje, uma empresa pode alugar um navio e manter a bandeira estrangeira (a tempo, com menores custos) quando não há embarcação brasileira equivalente disponível. A proposta do governo prevê novas formas de afretamento nesse formato. A ideia é reduzir custos, uma vez que, ao não suspender a bandeira, a embarcação não precisa adaptar-se às regras brasileiras. Para acessar as novas modalidades de afretamento a tempo, por sua vez, a empresa brasileira de navegação só poderá afretar navios que sejam de sua subsidiária integral estrangeira.
"Um grande desafio que o BR do Mar enfrenta é aliar a redução de custos que o afretamento a tempo promove e, ao mesmo tempo, garantir que a cabotagem não fique à mercê da volatilidade do mercado. A principal mudança que o PL nº 4.199, de 2020, propõe é facilitar a expansão das operações de cabotagem e a entrada de novos interessados nesse mercado", disse Trad no requerimento de audiência pública.
No documento, o relator pontua que o PL aumenta a possibilidade de empresas de navegação afretarem embarcações sem a obrigatoriedade de possuírem navios próprios. Por outro lado, a mudança vem acompanhada de incentivos para que essas companhias mantenham e aumentem a frota própria. "O que contribui para um importante aspecto da navegação de cabotagem, que é a disponibilidade de serviço", disse Trad, indicando concordar com a avaliação feita pelo Ministério da Infraestrutura sobre como deve funcionar a abertura do setor. O senador ressalta, por outro lado, que a "solução não é elementar" e que os diversos temas envolvidos na proposta merecem "esclarecimento e debate".
"Nós queremos emitir um juízo do colegiado do Senado, que se debruçou sobre a questão da cabotagem. Caso tenha que voltar para a Câmara, tem que se respeitar a tramitação normal. Não posso querer atropelar isso e deixar uma questão ser tramitada sem a sugestão dos colegas, porque assim corre-se o risco até de sucumbir a sua votação", disse Trad à reportagem sobre as sugestões de emendas dos colegas.\
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Fonte: Estadão
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