A flexibilização de normas brasileiras e o recente episódio do bloqueio do tráfego no Canal de Suez, causado pelo encalhe do cargueiro Ever Given, podem influenciar novos planos de seguros para a cadeia de suprimentos no Brasil. Seguradoras e corretoras acreditam que uma nova resolução para riscos superdimensionados, incluindo no setor de navegação, pode permitir o desenvolvimento de novas soluções para donos de cargas.
A Willis Towers Watson avalia que, por não ser uma rota crítica, o impacto do encalhe em Suez não será sensível para o comércio exterior brasileiro. O líder de Marine da corretora multinacional, Eduardo Michelin, avalia que pode haver atrasos pontuais em rotas para o Brasil ou falta de contêineres. No entanto, Michelin identificou que, a princípio, não estão cobertos atrasos ou perdas de produtos perecíveis que percam a validade decorrente desse atraso.
Michelin observa que o perfil de seguros de transportes no Brasil está mais associado à cobertura de danos físicos decorrentes de causas externas, sendo que atrasos ou perdas na cadeia produtiva não costumam ser contemplados. Ele ponderou que pode haver, eventualmente, apólices dos armadores que poderiam indenizar alguns dos clientes que apresentem perdas decorrentes do encalhe.
A Willis Towers Watson percebe como ponto relevante para esse mercado no Brasil, duas novas normas da Superintendência de Seguros Privados (Susep), dando mais liberdade ao segurador para oferecer novos produtos. A resolução CNSP 407/2021 dispõe sobre princípios e características gerais para a elaboração e comercialização de contratos de seguros para cobertura de grandes riscos. O novo normativo, juntamente com a circular 621/2021, visa segregar a regulação de seguros para cobertura de grandes riscos. De acordo com a Susep, são avanços com o objetivo de desregulamentar o setor, aumentar o número de produtos oferecidos e a cobertura do seguro no país.
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A expectativa é que a simplificação da regulação de seguros de grandes riscos irá possibilitar ao mercado maior liberdade negocial entre as partes, acabando com a necessidade de registro de informações na Susep. A medida pretende dar mais agilidade para as seguradoras na diferenciação de produtos e estimular a inovação. A norma estabelece como grandes riscos: riscos de petróleo, riscos nomeados e operacionais – RNO, global de bancos, marítimos, aeronáuticos e nucleares. A Susep também incluiu o grupo de risco de crédito interno e crédito à exportação, quando os segurados são pessoas jurídicas.
Michelin disse que, antes, todas as seguradoras precisavam definir e aprovar produtos, pois não havia flexibilidade de cobertura para riscos indiretos. “Vai caber ao nosso mercado desenvolver coberturas para esses tipos de cargas que, com certeza, geram perdas para armadores e donos de cargas”, analisou. “Vamos trazer outras soluções que hoje ainda não temos. As seguradoras ficavam em zona de conforto. Quando havia demanda mais sofisticada e o produto não estava cadastrado na Susep, as seguradoras não conseguiam desenhar uma solução particular”, completou.
Ele ressaltou que essas discussões vinham desde o ano passado e passaram por consulta pública. Michelin destacou que as normas devem incentivar a oferta de riscos que não estão nas prateleiras das seguradoras, que devem ficar menos reticentes em soluções novas. O corretor falou que, em contato com outros mercados globais, a Willis Towers Watson acompanha as tendências e novidades que podem ser adaptadas e trazidas de forma a sofisticar o mercado no Brasil.
Para o líder da área marítima da Willis Towers Watson, atrasos são um ponto de preocupação porque a cadeia logística é complexa e amarrada. O atraso de escalas ou problemas logísticos podem gerar perdas efetivas com contratos que precisava entregar dentro de período e cliente teve que buscar outro fornecedor para evitar perda de produção. Michelin acredita que as resoluções da Susep podem permitir o desenvolvimento de novas soluções para a cadeia de suprimentos. “Teremos terra fértil para explorar. Vamos entrar num momento diferente. Isso levará um certo tempo, porque as seguradoras precisam tomar certos riscos de capacidade. Mas não temos mais impeditivos. Vai ser um período bom para o mercado”, projetou.
O diretor regional de Marine da Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS), Daniel Sanches, disse que os riscos envolvidos em incidentes como do Ever Given em Suez não se limitam somente à carga. Além das mercadorias nos navios, é necessário entender quais são os números envolvidos e os prejuízos relacionados ao navio e à própria administração do canal. Ele lembrou que, num primeiro momento, os riscos ambientais são mínimos e que não foram relatados danos ao casco ou ao maquinário. Sanches chamou atenção para as mercadorias perecíveis que ficaram retidas nos navios nos seis dias em que o canal ficou obstruído.
O diretor considera que, na visão dos seguradores, a tendência é haver maior exposição em relação aos mega navios. Sanches disse que as seguradoras partem de uma premissa de que navios maiores agregam novas tecnologias e atualizam seus termos de segurança. “Não vemos com maus olhos. A tendência são navios maiores, com maior capacidade de embarque e transporte. É preciso conseguir colocar a capacidade de prevenção de riscos para poder mitigá-los”, afirmou.
Sanches considera importante empresas, portos e armadores investirem e se preocuparem com planos de gestão de risco. Ele entende que, quanto mais essa tendência de navios gigantes e novas tecnologias, é preciso manter o viés de melhorar a segurança com análises e sugestões, por meio de recomendações periódicas. Para Sanches, é preciso olhar a operação do cliente e dizer onde pode otimizar e melhorar processos. “Vendemos seguros e resseguros, não queremos ser lembrados somente no momento do sinistro”, disse Sanches.
O relatório "Safety and Shipping" sobre segurança e perdas na navegação, publicado pela seguradora Allianz em 2019, mencionou que as seguradoras vêm alertando há anos que o aumento do tamanho dos navios traz maiores perdas e eleva o acúmulo de riscos. “Esses medos agora estão sendo percebidos e evidenciados pelo crescimento do número e custo de incidentes, como incêndios em grandes porta-contêineres; principal perdas nas transportadoras marítimas; falha do motor; e, até mesmo, a perda de carga ao mar. Todos podem ser potencialmente compensados por melhorias na gestão de riscos”, sugere a publicação.
Esses incidentes podem resultar em reivindicações na casa das centenas de milhões de dólares. “No futuro, o pior cenário envolvendo a colisão e encalhe de duas grandes embarcações em um ambiente ecologicamente correto pode resultar em uma perda de até US$ 4 bilhões, considerando o custo de interrupção, salvamento, remoção de destroços e meio ambiente”, apontou o relatório.
A Praticagem do Brasil afirma que manter os canais de navegação nos níveis atuais e o aumento do tamanho dos navios, cada vez mais próximos das margens e do fundo, torna o trabalho da categoria um ‘desafio eterno’. O presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos (Impa), Ricardo Falcão, elenca que a atividade recebe cobranças relacionadas à eficiência operacional, segurança e preservação ambiental, o que reforça a necessidade de treinamentos, simulações operacionais e investimentos em melhorias nas instalações.
Para Falcão, não é qualquer instalação portuária que está preparada para receber um navio com 400 metros de comprimento, 60m de boca e 220 mil toneladas de carga. O prático entende que a discussão não é se a indústria consegue construir um navio desse porte ou maior, mas se os portos continuarão aumentando por conta disso. Segundo Falcão, essa é uma discussão que cada país vai precisar ter. "Se tiver 1 milhão de TEUs a mais no navio, o armador ganha no custo de escala. Em alguns portos na China e na Europa será possível. Mas tem que adaptar o mundo ao tamanho de navio que o armador tem que operar?", indagou.
Uma das principais discussões que deve ser acentuada, segundo Falcão, é a definição de quantos e quais serão os portos concentradores (hub ports) do Brasil em que haverá a maior parte de investimentos em dragagem, canal e infraestrutura. “Há vários portos em que não faz sentido gastar com dragagem, se tem outro próximo com condições de receber carga. Não consigo enxergar que, em algum momento, não entraremos nessa discussão”, projetou.
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