Com a aprovação de uso das primeiras vacinas contra a Covid-19 e o início da imunização no Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, o desafio agora é produzir imunizante em larga escala e distribuir de forma equitativa entre as demais nações para conter a disseminação do novo coronavírus.
Em países em desenvolvimento, como o Brasil, será preciso estabelecer e gerenciar cadeias de suprimentos para produção, envase, transporte e armazenamento das vacinas. Esses insumos, como componentes biológicos, frascos e até mesmo seringas e agulhas, são produzidos em diferentes lugares no mundo e estão sujeitos ao risco de desabastecimento em razão do aumento da demanda mundial e da diminuição da capacidade de transporte aéreo, entre outros fatores.
A avaliação foi feita por participantes do seminário Facing the challenges on vaccine distribution, realizado no dia 14 de dezembro no âmbito da série Fapesp Covid-19 Research Webinars.
“Nenhum país dispõe de todos os recursos para produção e distribuição de vacinas contra a Covid-19 porque os insumos necessários dependem de uma cadeia global de abastecimento em que uma matéria-prima é produzida na Europa e outra no Canadá, por exemplo”, disse Prashant Yadav, especialista em logística de saúde do Centro de Desenvolvimento Global da Escola de Medicina da Universidade Harvard, dos Estados Unidos.
De acordo com Yadav, pelo sistema convencional de fabricação e distribuição de vacinas, insumos como antígenos, adjuvantes, lipídeos, excipientes e frascos, produzidos em diferentes países, são enviados por transporte aéreo para as fábricas de vacinas para formulação final, envase e distribuição.
A diminuição do tráfego aéreo, em razão da pandemia, no entanto, pode afetar essa cadeia de suprimentos das fabricantes de vacinas, avaliou o especialista.
“Uma vez que a cadeia de suprimentos de vacinas é global, está exposta a riscos como o da capacidade de carga aérea. Será necessário assegurar a capacidade de transporte aéreo desses insumos, por meio de operadores de carga especializados, por exemplo, uma vez que os voos de passageiros diminuíram muito durante a pandemia”, disse Yadav.
Outros fatores que tornam o desafio da vacinação ainda mais complexo são o curto período de tempo para inocular um grande número de pessoas, o fato de que a maioria das vacinas contra o coronavírus já disponíveis exigirá duas doses e, em alguns casos, exigem o armazenamento a temperatura muito baixa, apontaram os especialistas.
A vacina desenvolvida pela Pfizer com a farmacêutica alemã BioNTech, que está sendo utilizada nos Estados Unidos e Inglaterra, envolve a chamada cadeia de frio, com temperaturas que podem ir bem abaixo de 0 ºC até -70 ºC, embora a maioria precise ser mantida entre 2 ºC e 8 ºC.
Em algumas regiões do Brasil, como no Norte e no Nordeste, isso pode ser um problema, apontou Tiago Rocca, gerente de parcerias estratégicas e novos negócios do Instituto Butantan.
33 mil salas de vacinação
O Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, está desenvolvendo uma candidata à vacina contra a COVID-19, a Coronavac, que não necessita de temperaturas negativas para armazenamento.
A Fapesp e o Todos pela Saúde (Itaú Unibanco) firmaram parceria com o Instituto Butantan por meio da qual aportará R$ 82,5 milhões no desenvolvimento dos ensaios clínicos de fase 3 da vacina e na adequação de uma fábrica de produção da vacina e de processamento final de imunobiológicos.
A Fundação destinará R$ 32,5 milhões para apoiar ensaios clínicos, estudos sobre a imunogenicidade e a segurança da vacina em pessoas com maior risco da doença, adolescentes e crianças. A iniciativa do Itaú Unibanco investirá R$ 50 milhões na estrutura fabril para produção da vacina.
“A cadeia de frio para o armazenamento de vacinas contra a COVID-19 necessita de uma rede elétrica estável e adequada para manter os imunizantes a uma temperatura entre 2 ºC e 8 ºC, o que representa um desafio em algumas regiões do país. Se pensarmos nas vacinas que dependem de ultracongelamento, o desafio é ainda maior”, afirmou Rocca.
De acordo com o especialista, no Brasil há mais de 33 mil salas de vacinação, distribuídas em mais de 5 mil municípios, onde serão armazenadas as vacinas contra a COVID-19 que vierem a ser aprovadas no país. “Será preciso garantir a estabilidade da rede elétrica nesses milhares de salas de vacinação em todo o país”, disse Rocca.
Para chegar a essas mais de 33 mil salas de vacinação, as ampolas com a vacina contra a COVID-19 precisarão ser transportadas em caminhões refrigerados, que representam outro gargalo no país, apontou Rocca. “Não temos muitas empresas especializadas no Brasil para transportar vacinas de acordo com os requisitos farmacêuticos”, afirmou.
Para manter as condições de temperatura das vacinas durante o transporte, os imunizantes terão que ser acondicionados em contêineres passivos, que requerem gelo seco ou nitrogênio líquido para manter a estabilidade térmica, ou ativo – uma espécie de geladeira portátil com uma bateria que garante a provisão de energia para refrigeração quando o equipamento não está ligado a uma tomada.
Ao começar a usar esse tipo de contêiner em seus sistemas de logística de vacina nos últimos anos, os profissionais da área do Instituto Butantan constataram que alguns aeroportos no Brasil não tinham tomadas suficientes para conectá-los para carregar as baterias, contou Rocca.
“A infraestrutura de alguns aeroportos melhorou muito nos últimos anos. Mas isso pode ser um desafio para outros aeroportos que não tiveram melhorias e não estão preparados para receber muitos desses contêineres”, disse Rocca.
Na opinião de Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), essas condições, contudo, são totalmente superáveis.
“Podemos ter geradores, por exemplo, para garantir o fornecimento de energia elétrica para utilizar vacinas que dependem de cadeia de frio. Isso é perfeitamente administrável se tivermos as vacinas já disponíveis no país, e até agora não temos nenhuma já aprovada”, ponderou.
A Fiocruz assinou um acordo de transferência de tecnologia e produção de uma vacina contra a COVID-19 que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca.
“Devemos receber no início de janeiro o IFA \[Ingrediente Farmacêutico Ativo] da AstraZeneca para iniciar a produção da vacina”, afirmou Dalcolmo.
O encontro contou com a participação de Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, e teve como moderador Victor Wünsh Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
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