Por Martha Seillier, secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia\
A Ferrogrão (EF-170) é hoje o maior projeto de infraestrutura greenfield do governo federal. Uma ferrovia que vai ligar a produção de grãos do norte do Mato Grosso aos portos fluviais de Miritituba, no Pará, onde se integra à hidrovia do Tapajós até chegar ao Oceano Atlântico. Dado o seu potencial transformador para a redução do custo Brasil, é natural - e necessário - que seja alvo de intenso debate por todo o setor.
Me chama a atenção que alguns pontos apresentados parecem ir mais em direção à defesa do projeto e não a um questionamento quanto a sua sustentabilidade. Ao tratar de projetos anteriores executados e financiados pelo Poder Público (Ferrovia Norte-Sul, Transnordestina e Fiol), alegam que “no Brasil, temos um longo histórico de má alocação de recurso , particularmente em obras de infraestrutura física e social”, e completam: “Grandes projetos têm apresentado gastos em excesso e atrasos consideráveis”.
Talvez não tenha sido intencional, mas ao descrever o histórico de insucessos no financiamento público de grandes obras, argumenta-se em favor da escolha da modelagem para Ferrogrão: uma concessão à iniciativa privada. De fato, trata-se de uma ferrovia nova, que não será executada por órgão público e tampouco com aportes de recursos públicos.
Mas os desafios de quem se arrisca a empreender no setor ferroviário são imensos e as resistências são antigas. Saber planejar significa conceber projetos com perspectivas que considerem, de forma realista, o cenário de curto, médio e longo prazo. Significa reconhecer os pontos fortes e fracos e, em relação às externalidades negativas, internalizá-las nos custos dos projetos.
Nesse sentido, o projeto da Ferrogrão passou por aprofundados estudos de viabilidade, além de atender aos mais rigorosos protocolos de sustentabilidade ambiental. O projeto se sustenta sem pecar em nenhum pilar do tripé do desenvolvimento sustentável: pilar econômico, pilar ambiental e pilar social. Explico.
O agronegócio brasileiro cresce a taxas de dois dígitos, respondendo à maior demanda por alimentos no Brasil e no mundo. No início dos anos 2000, a produção nacional de grãos era de apenas 83 milhões de toneladas. A estimativa do Ministério da Agricultura para a produção em 2021 é de 260 milhões, liderada por soja e milho, sendo quase metade para exportação.
O desempenho positivo ocorre a despeito das conhecidas deficiências do sistema logístico do país. A matriz de transportes brasileira é concentrada no modal rodoviário, inclusive no transporte de longa distância de granéis agrícolas, cuja estrutura de custos justificaria a utilização de ferrovias ou hidrovias. Enquanto no Brasil o percentual de carga transportada por ferrovia é de 15%, em países de grande extensão territorial como EUA, Austrália, Canadá e Rússia essa participação vai de 43% a 81%.
A iniciativa de estudar uma saída ferroviária pelos portos do Arco Norte surgiu em 2015. Foi o próprio setor produtivo que, insatisfeito com os fretes e com a ausência de soluções do Estado, custeou os estudos de viabilidade da Ferrogrão. O projeto foi qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) por meio do Decreto 8.916/2016 e recebeu status prioritário e estratégico por todos os órgãos envolvidos.
Os estudos de viabilidade foram revisitados em diversos momentos, em razão de contribuições recebidas em consultas públicas e após novos escrutínios por parte dos técnicos do setor, diálogo com representantes de entidades de proteção ambiental e potenciais investidores e usuários dos serviços.
Sobre a viabilidade econômica, as estimativas de investimentos foram elaboradas a partir de dados concretos de custos de equipamentos e execução de obras comparáveis, bem como pesquisas de sondagens no local. Os valores quilométricos dos investimentos estimados são comparáveis àqueles recentemente aceitos pela Vale S.A. para a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), que atravessa parte do Mato Grosso e enfrenta complexidades semelhantes.
A projeção de demanda indica que, em 3 anos de operação, a ferrovia transportará 45 milhões de toneladas. Para efeito de comparação, hoje já são transportadas anualmente mais de 10 milhões de toneladas de grãos no trecho entre Sinop e Miritituba pela BR-163 ao preço médio de aproximadamente R$ 200 a tonelada (e picos no período de safra).Enquanto a ferrovia não existe, o volume de caminhões aumenta, exigindo contínuo investimento público para manutenção do pavimento da rodovia e ampliação de sua capacidade.
Por outro lado, cerca de 45% da soja e 40% do milho produzidos no Mato Grosso são exportados pelo porto de Santos, em um longo trajeto que percorre cerca de 2.000 km. Quando comparado, o produtor de grãos do Mato Grosso paga 2,8 vezes mais que o seu concorrente argentino e 3,2 vezes mais que o americano.
Já quem destaca o potencial impacto da Ferrogrão no incremento ao desmatamento, fecha os olhos ao impacto histórico causado pela ocupação do território induzida pelo modal rodoviário. A rodovia que já existe provoca mais desmatamento, mata mais animais atropelados, mata mais pessoas e é mais poluente. Mas há quem defenda o status quo, e, naturalmente, há quem ganhe com isso.
A Ferrogrão foi planejada para ser implantada junto à faixa de domínio da BR-163, de forma a reduzir seus impactos, sem interceptar unidades de conservação ou terras indígenas. O projeto prevê uma redução de mais de 800 mil toneladas de CO2 por ano e a recuperação de passivos ambientais, possibilitando a recuperação florestal de áreas de preservação degradadas e a implantação de mais de 260 passagens de fauna.
No pilar social, a ferrovia resultará na geração e diversificação na oferta de empregos, incrementando a economia local. Sem contar com o aumento da arrecadação tributária nos municípios, contribuindo na melhoria dos serviços de saúde, educação, transporte, segurança, habitação e meio ambiente.
E o mais importante: os estudos de viabilidade não pressupõem o comprometimento de orçamento público para a execução de obras. Assim, em vez de justificar a descontinuidade do projeto, deixem o mercado fazer sua matemática e dizer se o projeto é viável ou não. O risco de estarmos equivocados terá o mesmo resultado de não tentarmos. Já os benefícios do sucesso da concessão serão sentidos na geração de renda, empregos, investimentos e, acima de tudo, na transformação da logística nacional.
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