Por Artur Solon, bacharel em Direito, especialista em Direito Internacional Humanitário e diretor da empresa TJSOLON Consultoria de Planejamento e Gestão
Nós, brasileiros, somos um povo resiliente. Pouco antes da pandemia do Covid-19 alcançar o país, em 2020, no ano anterior, estávamos às voltas com o derramamento de óleo que atingiu o litoral de nove estados do Nordeste e dois do Sudeste, afetando 130 municípios costeiros. As tragédias enfrentadas no Brasil têm exigido das instituições públicas medidas capazes de proteger a sociedade, ao mesmo tempo em que são desafiadas a instrumentalizar a modernização em diversos setores produtivos. Em buscar saídas para as crises instaladas, reformas para o setor de transporte e logística podem ser trunfos para a diminuição do custo-Brasil e promoção do desenvolvimento, por meio da geração de emprego e renda. Mas, será que algumas opções, hoje ventiladas no Congresso Nacional ou impostas por regime regulatório interessam mesmo ao país?
Neste sentido, passo a fazer algumas considerações sobre um setor muito específico de transporte, a navegação marítima. Tal tema se caracteriza por ser uma atividade que é tratada, em vários países, de forma muito cuidadosa. Essa atividade traz reflexos na soberania nacional, possui alta relevância para atração de investimentos na indústria, gerando empregos e aprimoramento tecnológico. Por outro lado, se não for executada corretamente, pode trazer graves consequências, entre elas, riscos ao meio ambiente e desarranjos fiscais.
Para esta seara, cabe à Agência Nacional de Transporte Aquaviários (ANTAQ), segundo a Lei 10.233/ 2001, dispor sobre a ordenação dos transportes pelas vias marítimas e fluviais, nos termos do art. 178 da Constituição Federal, para o gerenciamento do Sistema Federal de Viação e a regulação da prestação de serviços de transporte aquaviário. A lei também prevê prerrogativas para as operações logísticas pelas empresas brasileiras de navegação, as EBN, considerando o alcance regulatório, para fins de fiscalização das atividades.
Apesar disso, há quase um ano, uma mudança normativa retirou a exigência para que as operações marítimas para o transporte a granel de petróleo, seus derivados, gás natural e biocombustíveis sejam feitas por empresas genuinamente nacionais. Em 16 de março de 2020, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) emitiu a resolução 811 que modificou a regulamentação vigente há mais de vinte anos, sem qualquer alteração legislativa prévia. A nova regulação passa a permitir o transporte de longo curso do petróleo por empresas com capital estrangeiro, em detrimento das empresas brasileiras de navegação.
A resolução atravessou o fundamento constitucional que estabelece que o transporte de longo curso do petróleo seja realizado, exclusivamente, por empresa nacional, como decorrência lógica da proteção atribuída pelo monopólio conferido à União, combinado com o artigo 5º da Lei 9.432/1997, que expressamente estabelece que a navegação de longo curso é aberta às EBN. Mesmo diante do descumprimento da legislação vigente e dos questionamentos à resolução feitos por representantes do setor náutico às agências reguladoras, incluindo a possibilidade de extrapolação de competência por parte da ANP sobre a Antaq, nenhuma medida foi tomada.
Ao flexibilizar a regulação sobre o setor de navegação de longo curso, para o transporte de petróleo, a ANP também desmobiliza as ações fiscalizatórias destinadas a assegurar proteção aos trabalhadores da marinha mercante, ao meio ambiente e os ganhos fiscais do setor, responsáveis por fazer girar a corrente de comércio brasileiro.
Porém, o setor ainda aguarda uma manifestação oficial da Antaq sobre a resolução, por meio da Superintendência de Regulação da Agência. Fato é que, desde meados do ano passado, a referida superintendência não emitiu sua posição oficial trazendo uma enorme insegurança jurídica ao setor.
Para este segmento, também está sendo tratado no Senado Federal, o programa BR do Mar, cujo Projeto de Lei 4199/2020, proposto pelo Ministério da Infraestrutura. Aprovado pela Câmara dos Deputados em tempo recorde, o projeto também culmina na precariedade normativa, em desfavor das empresas genuinamente brasileiras. Neste caso, o que se propõe é ampliar o acesso da navegação por cabotagem a multinacionais, levando ao desmonte definitivo das Empresas Brasileiras de Navegação.
O descaso da superintendência da Antaq acerca dos riscos levantados, por quem opera no setor, é no mínimo algo a ser considerado para elaboração de novas normas. Este cenário é preocupante, em um país em que são encontradas toneladas de petróleo em suas praias e, mesmo com graves consequências, não se sabe sequer a quem responsabilizar.
Muito mais poderia ser dito, mas esse breve texto é apenas para chamar atenção de um tema tão complexo e que jamais poderá ser tratado de maneira displicente ou escondido em gavetas da burocracia.
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