01/10/2020

Crise terá legado negativo sobre produtividade, diz Scheinkman

 Crise terá legado negativo sobre produtividade, diz Scheinkman


Para professor de Columbia, nova CPMF também prejudicaria eficiência

Já atrasado na agenda de produtividade, o Brasil deve sair da pandemia de covid-19 com eficiência ainda menor da economia, quadro que pode ser agravado pela criação de uma nova CPMF, avalia o economista José Alexandre Scheinkman. Para o professor da Universidade Columbia, há muitas promessas do governo na área de reformas estruturais, mas pouca execução. “A reforma tributária não existe. No lugar, apareceram rumores de uma nova CPMF”, disse Scheinkman em entrevista ao Valor.

Segundo ele, o imposto sobre transações eletrônicas seria um retrocesso que colocaria o país nadando contra a maré mundial de revolução digital. “A CPMF é o único imposto que eu conheço que é três em um: tem impacto negativo na distribuição de renda, distorce a produção e atrasa o desenvolvimento tecnológico”, criticou Scheinkman, também professor emérito da Universidade Princeton.

Na visão do economista, que debate nesta quinta-feira o cenário econômico pós-pandemia no 13º Encontro de Líderes, promovido pela organização social Comunitas, o fechamento de “várias empresas com certo capital organizacional” terá impacto negativo sobre a produtividade, mas o principal desafio está na educação infantil, seriamente afetada pela crise. “No futuro teremos uma força de trabalho menos educada do que seria se isso não tivesse ocorrido.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Como o Brasil tem se saído no processo de recuperação?
José Alexandre Scheinkman: Como outros países, o Brasil fez algo necessário, que é tentar manter a renda das pessoas que perderam empregos e informais. No fim, o país fez um bom colchão do lado da demanda para essas pessoas continuarem a conseguir viver. Isso tinha que ser feito. O que é preciso pensar é como será feita a “aterrissagem” desse programa e como a economia vai lidar com as sequelas da crise, porque o Brasil entrou nela em posição mais fragilizada que outros países. Há um déficit maior do governo e uma série de reformas urgentes que precisam ser feitas e o governo neste um ano e pouco não conseguiu se reorganizar para fazer. Talvez uma maneira de fazer essa “aterrissagem” seja expandindo programas como o Bolsa Família para outros níveis de renda, mas corrigindo um monte de problemas. E eu não vejo o Brasil fazendo isso. Vejo muita promessa, mas pouca execução.

Valor: O Renda Cidadã é a aposta do governo para substituir o Bolsa Família, mas as fontes de financiamento \pagamento de precatórios e recursos do Fundeb] foram muito criticadas. O que achou da proposta?
Scheinkman: Isso é típico do governo: faz um programa, mas não deixa muito claro como vai ser financiado. Fala que vai vender quatro estatais nos próximos 90 dias e nada acontece. Houve a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo e havia a promessa de que seria complementada em 30 dias, que já passaram há muito tempo, e não há nem ideia de reforma tributária. Eu não perco muito tempo com essas propostas. A probabilidade de virarem uma ação concreta é relativamente reduzida. Mas essa ideia de calote de uma parte da dívida não é boa, porque traz certa desconfiança. Sem falar que no Brasil tudo é judicializável. Quando chegar na etapa em que o governo vai ter que escolher quem pagar ou não e em que ordem, pode ter certeza que vai ter judicialização

Valor: Qual seria a estrutura ideal de um programa de renda básica na sua opinião?
Scheinkman: Não sou das pessoas que entendem bem do problema e isso demanda muito estudo. Mas não tenho dúvida de que o Brasil tem condições de fazer um programa desses. A questão de quem será atingido e como fazer o cadastro das pessoas é uma tecnologia que o Brasil mais ou menos domina. É questão de vontade política e dizer quanto quer gastar. A fonte de financiamento tem que ser explicitada e, na hora que ela mudar, algumas pessoas vão perder. Ou vai ter mais imposto, ou corte de despesas. Agora, tem que ter um plano sério. Não pode ser “vou vender quatro estatais”. Isso não é plano. Ainda não há fontes de financiamento claras para esse programa. Se o governo dissesse que iria tirar programas de subsídios, ou parar com isenções fiscais, era algo em que se poderia confiar. Mas acho que colocar precatórios como fonte de recursos é complicado e não me parece solução num país que tem regime democrático.

Valor: Além da transição do auxílio para um programa permanente de renda, outra questão polêmica é a reforma tributária, que como o sr. apontou, ainda não teve a segunda parte da proposta enviada pelo governo.

Scheinkman: Ela não existe. Havia um bom projeto na Câmara, do qual Bernard Appy \[diretor do Centro de Cidadania Fiscal] foi um dos mentores. Aí apareceu um pedaço do projeto do governo, que tinha certa direção e fazia o tal do CBS, mas faltavam outros elementos para que tudo ficasse mais uniforme e menos distorcivo. O resto foi prometido, 30, 60 dias passaram, e nada aparece. No lugar, apareceram rumores de uma nova CPMF, o que seria um retrocesso. Todo imposto, infelizmente, traz dentro dele uma certa quantidade de distorção. Alguns têm impacto negativo na distribuição de renda, outros atrasam o desenvolvimento tecnológico... Existe um termo para uma aposta em corrida de cavalos em que você tem que acertar o primeiro, segundo e terceiro lugares: “trifecta”, que é algo muito difícil de acontecer. A CPMF é o único imposto que eu conheço que é três em um: tem impacto negativo na distribuição de renda, distorce a produção e atrasa o desenvolvimento tecnológico.

Valor: Esse imposto teria impacto negativo sobre a produtividade da economia?
Scheinkman: Sim. A ideia de colocar uma CPMF que afeta transações digitais vai fazer o Brasil remar contra a maré mundial e diminuir a capacidade do país de absorver essas tecnologias. No mundo todo estamos vendo o uso de pagamentos digitais acoplado à verdadeira revolução tecnológica, com o número de coisas criadas para tornar ainda melhor a experiência de pagar digitalmente. E aqui, vamos fazer pagamentos com as notas de R$ 200. Isso é um problema, estamos andando para trás. Não quero dizer que não tenha que cobrar impostos das empresas digitais, mas isso não quer dizer que o seu João quando está comprando algo tenha que tirar dinheiro do bolso. Eu não ando mais com carteira.

Valor: No longo prazo, qual será o legado da pandemia sobre a produtividade no Brasil?
Scheinkman: Tem que ser negativo. Várias firmas em que havia certo capital organizacional estão desaparecendo e isso vai demorar para ser realocado. O segundo problema é que o sistema educacional está sofrendo um baque enorme. Ninguém sabe o efeito final, mas um número grande de crianças vai perder o ano letivo. Isso vai custar para a gente, porque no futuro teremos uma força de trabalho menos educada do que seria se isso não tivesse ocorrido. Claro que podem ocorrer coisas positivas, porque estamos usando muito mais tecnologias. O mundo está ficando mais digital e a covid-19 acelerou isso. Mas o maior impacto será na educação das crianças.

Valor: Passada a pandemia, quais devem ser as prioridades do Brasil para crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado?
Scheinkman: Nosso problema é de produtividade. Estamos nos tornando cada vez menos produtivos. Em meados da década de 80, um trabalhador da Coreia do Sul e um do Brasil produziam um terço do que o trabalhador americano produz. Hoje o coreano produz quase 65% e, no Brasil, fomos de 33% para 23%. É verdade que o Brasil tem uma força de trabalho pouco educada e investimos pouco, mas a principal razão para essa maior defasagem é porque estamos fazendo menos com o mesmo capital e trabalho. É como se estivéssemos esquecendo como produzir.

Valor: Como mudar esse quadro?
Scheinkman: Essa agenda já foi proposta por várias pessoas há muito tempo. Precisamos trabalhar em vários níveis. No sistema tributário, como não é claro o que está se propondo na reforma, há o perigo de andar para trás. Temos problemas na regulação e no ambiente jurídico, e uma infraestrutura muito ruim. O Brasil é um país muito pouco integrado à economia mundial. Temos que trabalhar nisso tudo.

Fonte: [Valor Econômico

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