A dependência de matérias-primas fósseis é o grande desafio para a descarbonização nos transportes: as fontes renováveis de abastecimento de veículos ainda estão na faixa dos 25% de penetração no setor como um todo, não apenas no que diz respeito à logística. Esta é a avaliação de André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “É um percentual relativamente elevado quando se compara com o mundo, mas ainda longe do ideal, considerando que mais da metade do consumo de combustível fóssil do setor vem do transporte de carga”, explica o especialista.
Para Ferreira, reduzir as emissões de carbono provenientes dos caminhões deveria ser uma prioridade no país, com base em duas alternativas: substituição do diesel e opção pelos modais ferroviário ou aquaviário em detrimento do rodoviário. No caso dos trens, há boas saídas. “O mercado ferroviário não tem soluções compatíveis de eletrificação, por ser vocacionado para grandes distâncias e volumes. A tecnologia híbrida pode ser uma boa transição, mas também há estudos que envolvem amônia, hidrogênio e biocombustíveis”, observa Rute Melo Araújo, diretora-executiva de gente, inovação e sustentabilidade da VLI. A companhia – que engloba as ferrovias Centro-Atlântica (FCA) e Norte-Sul (FNS) – tem baseado suas iniciativas sustentáveis em gestão de ativos, inovação e transição energética.
A adoção de energia alternativa também faz parte da estratégia da Rumo. “Nosso modal já conta com vantagens estratégicas frente ao rodoviário”, ressalta Marina Carlini, gerente-executiva de sustentabilidade da companhia. A principal meta relacionada a lançamentos de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera envolve reduzir em 21% as emissões específicas até 2030, com base no volume registrado em 2020, de 14,3g de CO2 por tonelada de km útil (TKU). Uma das medidas é a utilização do trem de 120 vagões para transporte de carga do agronegócio, que, segundo estimativas da companhia, equivale a 480 caminhões circulando no trecho em que opera, entre Rondonópolis (MT) e o Porto de Santos (SP).
O Grupo Simpar tem o compromisso de reduzir em 15% a intensidade de emissões até 2030, por meio de ações diversas das marcas que controla. “Em 2022, pelo segundo ano consecutivo, alcançamos nota B no Carbon Disclosure Project (CDP), maior que a média regional da América do Sul e dos setores de transporte e logística nacionais”, afirma Paula Pedrão, diretora de comunicação corporativa e sustentabilidade da Simpar.
O programa Carbon Free, da Movida, procura neutralizar os gases emitidos, nas locações de veículos, por meio de iniciativas de reflorestamento. Desde que começou, em 2009, mais de 300 mil árvores já foram plantadas, em São Paulo, Minas Gerais e no corredor de biodiversidade do rio Araguaia. Outra empresa do grupo, a Vamos, adota a eletrificação da frota como parte de sua estratégia de descarbonização. Atualmente, tem 130 caminhões eletrificados e investiu R$ 244 milhões na compra de empilhadeiras elétricas em 2022, que representam 63% do total locado pela companhia.
Até mesmo o iFood tem apostado em soluções do gênero, já que o oferecimento de bikes elétricas faz parte do “iFood Pedal”. O projeto surgiu da meta de fazer metade das entregas com modais não poluentes – já alcançada no Rio de Janeiro. “Este ano, atingimos a marca histórica de 40 mil toneladas de CO2 evitadas na atmosfera”, contabiliza Fabiane Carrijo, gerente de vantagens ao entregador do iFood.
Marcella Cunha, diretora-executiva da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), afirma que as empresas associadas têm estabelecido compromissos robustos para entregas de última milha. “Muitos operadores já anunciaram que, nos próximos quatro ou cinco anos, 100% da frota leve será elétrica, além de apostar em outras fontes de energia, já utilizando carretas movidas a gás natural veicular (GNV).
Outros ampliaram o número de armazéns e galpões com placas fotovoltaicas instaladas.” Um dos OLs associados é a Wilson Sons, que tem ampliado a frota de equipamentos portuários elétricos, a exemplo dos 12 novos tratores de pátio da Tecon Salvador, operadora portuária responsável pela maioria dos embarques e desembarques de contêineres na capital baiana. A estimativa é de que a incorporação dessas máquinas à frota atual represente até 341 toneladas de emissões evitadas de CO2 por ano.
Ainda na logística marítima, o Grupo Maersk busca zerar suas emissões até 2040. “Nossos navios de próxima geração vêm com uma configuração de motor bicombustível, podendo navegar com metanol verde e também com combustível convencional, com baixo teor de enxofre”, diz Karin Schöner, presidente da Maersk para a costa leste da América do Sul. A empresa será pioneira na conversão de embarcações porta-contêineres para motores bicombustíveis. O primeiro navio desse tipo está navegando rumo à Dinamarca, onde será oficialmente apresentado, em setembro deste ano. A frota completa será entregue e estará em operação até 2027, mas Schöner já estima que as primeiras 19 gerarão cerca de 2,3 milhões de toneladas de economia anual de emissões de GEE, após substituírem antigas embarcações.
Presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Pedro Moreira pondera que equilibrar os altos custos de práticas sustentáveis com benefícios a longo prazo é fundamental. “O cálculo do retorno sobre o investimento nem sempre é imediato, mas os ganhos ambientais e de reputação também têm valor econômico.”
Apesar dos avanços, as ações no segmento de logística e transporte para a descarbonização têm sido “praticamente nulas”, de acordo com o professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, especialista em mudanças climáticas globais. “Temos no governo setores com visão atrasada de continuidade de uso do petróleo”, diz. Segundo o docente, porém, há oportunidades valiosas, com enorme potencial para geração de energia barata e sustentável. “O Brasil tem que olhar para suas vantagens estratégicas com inteligência.”
Fonte: Valor Econômico