O ataque de 7 de outubro do Hamas contra Israel desencadeou não só um sangrento conflito no Oriente Médio, mas também uma ruptura no comércio global, com o virtual bloqueio de uma das vias mais cruciais do transporte marítimo que liga a Ásia a Europa. Um ano depois do início do conflito, que a cada dia se alarga na região, as empresas de logística e navegação não veem a menor perspectiva de um retorno à normalidade de antes da guerra Israel-Hamas.
Os houthis do Iêmen, outro grupo aliado e financiado pelo Irã, tornaram o Mar Vermelho uma das frentes de batalha da guerra, atacando navios de países que considera aliados de Israel em solidariedade à causa palestina, afetando o trânsito pelo Canal de Suez.
O ataque de 7 de outubro do Hamas contra Israel desencadeou não só um sangrento conflito no Oriente Médio, mas também uma ruptura no comércio global, com o virtual bloqueio de uma das vias mais cruciais do transporte marítimo que liga a Ásia a Europa. Um ano depois do início do conflito, que a cada dia se alarga na região, as empresas de logística e navegação não veem a menor perspectiva de um retorno à normalidade de antes da guerra Israel-Hamas.
Os houthis do Iêmen, outro grupo aliado e financiado pelo Irã, tornaram o Mar Vermelho uma das frentes de batalha da guerra, atacando navios de países que considera aliados de Israel em solidariedade à causa palestina, afetando o trânsito pelo Canal de Suez.
O grupo controla o Estreito Bab El Mandeb, na outra ponta do Mar Vermelho. O primeiro ataque, de 19 de novembro, envolveu uma embarcação de transporte de carvão, afundada por drones carregados com explosivos.
Desde então, cerca de 80 embarcações comerciais foram atacadas. Em resposta, os Estados Unidos e o Reino Unido realizaram operações de retaliação, ampliando ainda mais a tensão nas águas estratégicas do Mar Vermelho.
O inesperado papel dos houthis na guerra em Gaza atingiu as cadeias de suprimentos globais justo quando se recuperavam das interrupções causadas pela pandemia de covid-19. Em 2021, a alta nos custos de envio do transporte contribuiu com um aumento de 1,5 ponto percentual na inflação global de 2022, segundo o FMI.
Embora a crise atual no Mar Vermelho não tenha alcançado a gravidade das interrupções da pandemia, especialistas alertam que a tensão crescente continua sendo uma ameaça significativa.
Contando apenas o período entre os primeiros ataques com drones dos houthis no Estreito de Bab el-Mandeb, em novembro, e fim fevereiro, o comércio através do Canal de Suez caiu pela metade, de 38 milhões de toneladas para 16 milhões de toneladas, informou o FMI, naquela que é a principal rota comercial entre a Ásia e a Europa.
“Normalmente se tinha em média 60 navios por dia passado pelo Canal de Suez e cerca de 30 navios no máximo passando pelo Canal do Panamá”, afirma Jan Hoffmann, especialista em comércio na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). “Mas agora pela primeira vez desde que temos dados, pelo menos neste século, tivemos dias com mais trânsitos pelo Panamá do que pelo Suez por conta da crise causada pelos houthis.”
Como resultado, a grande maioria das transportadoras tiveram que redirecionar seus navios para evitar o Mar Vermelho, usando como rota alternativa o Cabo da Boa Esperança, no sul da África, que adiciona até duas semanas de viagem e entre 5.556 e 11.112 km na rota até a Europa.
O FMI estima que países que têm regiões costeiras no Mar Vermelho, como Jordânia, Arábia Saudita, Sudão e Iêmen, devem sofrer com uma queda de 10% em média nas exportações neste ano.
A situação é ainda pior no Egito, país onde fica o Canal de Suez, cuja receita com tarifas de trânsito representou 1,2% de seu PIB no ano fiscal 2022/23. O FMI reduziu a previsão de crescimento econômicos do Egito em 0,6 ponto percentual desde outubro do ano passado devido ao conflito na região. Além da perda de arrecadação, o Egito deverá sofrer com escassez de moeda estrangeira, o que deverá pressionar a inflação local, segundo o Banco Mundial.
Segundo Vincent Clerc, CEO da Maersk, uma das maiores transportadoras do mundo, enviar navios pelo Cabo da Boa Esperança requer de dois a três navios adicionais em cada rede de serviço, reduzindo a capacidade de transporte.
“Hoje, todos os navios que podem navegar e todos os navios que antes estavam subutilizados em outras partes do mundo foram enviados para tentar preencher as lacunas”, afirma Clerc. “Isso aliviou parte do problema, mas não o solucionou completamente.”
“Atualmente, a distância percorrida pelos navios de contêineres é 9% maior do que era há dois anos”, disse Hoffmann. “O que significa que existe 9% menos capacidade para atender a demanda global”.
Esse cenário fez com que as tarifas de frete de transporte de contêineres saltassem até 200% desde meados de dezembro de 2023, a partir de um nível já elevado em virtude dos anos da covid-19, de acordo com o rastreador do mercado de frete Xeneta.
“Soluções para resolver o problema com distâncias de navegação muito mais longas causaram uma enorme congestão em torno dos portos de transbordo essenciais, fazendo com que as tarifas subissem ainda mais no segundo trimestre”, explica o analista-chefe do Xeneta, Peter Sand.
Embora os aumentos nas taxas de frete tenham sido relativamente maiores em rotas que cruzam o Canal Suez, os impactos não se limitam apenas ao trajeto entre Ásia e Europa e atingiram toda a rede global, incluindo rotas que ligam a Ásia e a Costa Oeste dos EUA.
“Sem a possibilidade de passar pelo Canal de Suez, após sair de Xangai e passar por Cingapura, a segunda alternativa dos navios para chegar a Nova York seria cruzar pelo Pacífico e passar pelo Canal do Panamá”, afirma Hoffmann, com a ressalva que as fortes secas por conta das mudanças climáticas que atingiram o Panamá no início do ano reduziram capacidade do canal, limitando ainda mais opções alternativas.
“Dessa forma, as combinações de riscos que tivemos neste ano no Mar Negro, Mar Vermelho, as greves nos portos dos EUA e a capacidade limitada no Canal do Panamá, todas essas coisas levaram ao aumento global das tarifas de frete em todos os lugares, não apenas nas rotas que passam pelo Suez”, completa o especialista da Unctad. “Isso mostra o quão globalizado é esse negócio”.
Até fevereiro deste ano, as taxas de frete na rota que liga a Ásia até a Costa Oeste dos EUA aumentaram 130% desde o início de novembro, segundo a Unctad.
As obstruções na rede do comércio global também causaram impactos para as transportadoras, como no aumento do consumo de combustível, custos operacionais mais altos, escassez de navios, gargalos nos portos e inflação nas taxas de frete.
A equipe de pesquisa de petróleo e transporte marítimo do London Stock Exchange Group (LSEG) calcula que custa 35% a mais para um grande navio porta-contêineres viajar de Xangai para Roterdã, na Holanda, via Cabo da Boa Esperança, em comparação com o Mar Vermelho.
Atualmente, as tarifas dos fretes continuam elevadas, mas os analistas projetam que elas tendem a cair à medida que navios comprados durante a pandemia começarem a entrar em operação.
“Durante a covid-19, e logo após, as empresas de navegação obtiveram enormes lucros e começaram a encomendar novos navios”, diz Hoffmann. “Esses novos navios estão entrando em operação agora, o que é bom, pois todos estavam com medo que tivesse um excesso de oferta de navios. Então, agora, é ‘bom’ para os donos de navios que eles tenham que viajar distâncias mais longas, porque isso retira capacidade do mercado e leva a tarifas de frete mais altas”.
Embora o setor tenha conseguido se adaptar até o momento, a capacidade de transporte de contêineres disponível permanece limitada devido às distâncias mais longas de navegação, segundo o analista-chefe do Xeneta.
“É uma situação complexa que requer uma solução política - algo que não esperamos ver em breve”, diz Peter. “Todo o mercado global de transporte de contêineres foi afetado por isso, e continuará assim até que a reconfiguração das rotas termine”.