O mundo atingiu em 2024, pela primeira vez, um investimento de US$ 2,1 trilhões em tecnologias ligadas à transição energética. O volume de recursos mais do que dobrou desde 2020, quando alcançou a marca de US$ 929 bilhões, segundo o estudo “Energy Transition Trends 2025”, da BloombergNEF, publicado no fim de janeiro. O relatório, que analisou dez setores diferentes, aponta uma distinção clara: a maior parte dos investimentos está indo para segmentos onde a tecnologia é madura, tem escala comercial e modelos de negócios estabelecidos, como a eletrificação dos transportes e energias renováveis (US$ 757 bilhões e US$ 728 bilhões, respectivamente).
Em contraste, as tecnologias emergentes, como calor eletrificado, hidrogênio verde, captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) e indústria e transporte limpos, ainda enfrentam alguns desafios de maturidade tecnológica e escala, de modo que atraíram US$ 154 bilhões em 2024, ou 7% do total.
O relatório alerta que o aporte ainda está aquém do necessário para atingir a neutralidade de carbono - o chamado “net zero” - até 2050. Para isso, os investimentos precisam triplicar entre 2025 e 2030, chegando a US$ 5,6 trilhões/ano no período.
“A questão é que, apesar de avanços, a transição energética não está se desenvolvendo na velocidade necessária”, diz Terje Pilskog, CEO global da Scatec, empresa norueguesa de energia renovável com operações nos cinco continentes. Para ele, é necessário investir em soluções híbridas inovadoras e estabelecer parcerias com governos e comunidades para acelerar o progresso.
O Brasil está entre os dez países que mais investiram nestas tecnologias ligadas à transição energética, ocupando a sétima posição, à frente de Canadá, Itália e Japão. Mas em 2024 os recursos aplicados recuaram 4,3% frente ao ano anterior, para US$ 37,1 bilhões. “O país vem expandindo a produção de energia eólica, solar e biocombustíveis, mas ainda precisa avançar na descarbonização de segmentos da indústria e dos transportes”, diz Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
“A indústria responde por cerca de 6% das emissões no Brasil, sendo que 85% dessas emissões estão concentradas nos segmentos de cimento, papel e celulose, alumínio, aço, química e vidro”, afirma. O Cebds faz parte de um grupo de trabalho criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) para desenvolver um plano setorial de mitigação, com metas para os diferentes segmentos da indústria.
Em transportes, a organização está trabalhando com o grupo CCR e o Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, do Insper, na elaboração de uma proposta de recomendações para a descarbonização em seis verticais: infraestrutura e interseccionalidades; mobilidade urbana; transporte rodoviário; transporte ferroviário; e transporte aquaviário e de cabotagem. A intenção é contribuir com o governo federal na definição das metas que serão estabelecidas no novo Plano Clima, que será apresentado ainda neste ano.
Historicamente o maior emissor de gases de efeito estufa (GEE), o setor de óleo e gás também se movimenta para dar conta do desafio de reduzir as emissões da produção de energia fóssil. O aumento projetado da produção de petróleo - o setor espera alcançar 4,6 milhões de barris/dia até o fim da década - deve vir acompanhado de um investimento crescente em tecnologias de mitigação.
Segundo o Radar de Tendências em Descarbonização, guia formulado pelo Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP) com a BIP Consulting, as tecnologias de mitigação mais promissoras são biocombustíveis, eólicas offshore, mudanças nos processos produtivos (gêmeos digitais, eletrificação de plataformas offshore e captura e armazenamento de carbono.
Atualmente, uma fatia de cerca de 30% dos investimentos realizados em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), no âmbito da cláusula da Agência Natural do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), onde 1% das receitas do setor vão para inovação, tem sido destinada para tecnologias ligadas à descarbonização do setor. Entre 1998 e 2024, a cláusula superou R$ 40 bilhões, sendo R$ 3,1 bilhões aportados até o terceiro trimestre do ano passado.
A maioria dos projetos estão ligados a biocombustíveis, energia eólica, hidrogênio verde e CCS. “. “Os valores desembolsados em projetos de PD&I tendem a ser cada vez mais direcionados para convergir com a evolução energética, ou seja, tecnologias que vão ajudar a descarbonizar processos”, afirma Melissa Fernandez, gerente de tecnologia e inovação do IBP.
Maior produtora privada de gás natural do país, a Eneva tem apostado na diversificação das frentes de negócios, com investimentos em energia solar e no fornecimento de gás natural liquefeito (GNL) como opção menos poluente ao diesel no transporte rodoviário de longa distância. Em fevereiro, a empresa ampliou o contrato com a VirtuGNL, quintuplicando a oferta de GNL, que passa de 35 Nm3 /dia para 150 Nm3 /dia na rota do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
De acordo com Flavia Heller, diretora executiva de estratégia e sustentabilidade da Eneva, a iniciativa vai possibilitar a criação do primeiro corredor verde do Brasil, com uma infraestrutura dedicada ao abastecimento de GNL para o setor de cargas. Para atender a essa demanda, a Eneva avalia a expansão da planta de liquefação de gás no Complexo Parnaíba, parque térmico de geração de energia localizado em Santo Antônio dos Lopes, no Maranhão.
“A estratégia de crescimento da companhia prevê a instalação de novos terminais de liquefação, reforçando o nosso apoio para as empresas na jornada de diminuição das emissões de gases de efeito estufa”, diz Heller. No transporte rodoviário, setor dependente do diesel, a substituição por GNL permite uma redução de 20% a 30% nas emissões de CO2.
Com metas de reduzir as emissões de escopo 1 e 2 (diretas e indiretas) em 33% até 2030 e as de escopo 3 (na cadeia produtiva) em 15% até 2035, a Vale tem investido no desenvolvimento de novos produtos voltados à siderurgia com menor emissão de carbono e acordos para o desenvolvimento conjunto de soluções de descarbonização com 50 clientes. Um dos destaques é a produção de briquete de minério de ferro, um aglomerado desenvolvido após 20 anos de pesquisa, que permite a redução de cerca de 10% nas emissões pela rota dos altos-fornos siderúrgicos, substituindo o processo de sinterização.
A primeira planta de briquete para alto-forno já está em operação na unidade Tubarão, em Vitória (ES), e a segunda está prevista para ser inaugurada ainda neste ano. Ao todo, serão 6 milhões de toneladas por ano de produção, com investimentos de cerca de R$ 2,6 bilhões.
Segundo Sérgio Fernandes, diretor de desenvolvimento de mega hubs da Vale, a produção dos briquetes deverá suprir a demanda atual para realização de testes, com boas perspectivas no futuro. “Se houver soluções de menor emissão que sejam competitivas, a indústria irá adotar. Estamos focados em seguir trabalhando nelas.”
Fonte: Valor Econômico