O acordo fechado em Londres sobre transporte marítimo internacional tem potencial de alterar a rota do comércio mundial. Além disso, definirá investimentos em combustíveis alternativos, deve afetar a estrutura dos portos e a logística do setor. Está sendo considerado um acordo histórico pelos governos, embora não ambicioso o suficiente na visão dos ambientalistas. Pode ser o maior pacto climático de 2023.
“O acordo terá medidas de grande impacto na economia global e na forma de usar os nossos mares”, traduz um negociador. “O texto foi aclamado. É um acordo extraordinário porque manteve todos ‘no mesmo barco’”.
“Todos” inclui o Brasil, a China, os Estados Unidos, a União Europeia, a Índia, o Japão, o Reino Unido, o México, o Canadá, a Noruega e as pequenas ilhas do Pacífico, por exemplo.
Ontem, último dia da rodada de negociação dos 173 países-membros da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), concordaram com um texto em que o pico das emissões do transporte marítimo internacional aconteça o mais rápido possível e que se alcance o net-zero “perto de 2050”.
O transporte marítimo é a espinha dorsal do comércio global. Entre 80% e 90% de todas as mercadorias, incluindo alimentos e remédios, são levadas por navios. O setor é responsável por 3% das emissões globais de gases-estufa, algo equivalente às da Alemanha, a maior economia da zona do euro.
Da mesma forma que a aviação, o transporte marítimo internacional ficou fora do Acordo de Paris, porque as emissões dos navios não acontecem apenas dentro de jurisdições nacionais.
O acordo de descarbonização do setor marítimo internacional recebeu críticas dos ambientalistas, que esperavam algo mais forte e em sintonia com limitar o aquecimento da temperatura em 1,5°C.
O impasse ocorreu principalmente no que acontece até 2050 e como se chegará lá. Alguns países queriam metas para 2030 e 2040. “O que adianta ter metas super rígidas que não podem ser cumpridas?”, questiona um diplomata.
O acordo tem linguagem flexível, o que permite múltiplas interpretações e é o alvo das críticas. Os termos vagos possibilitaram, contudo, que países como a China e a Índia aceitassem os compromissos.
Ficou acordado ter “indicative checkpoints” para 2030 e 2040, o que quer dizer pontos de referência. A redução seria de 20% tentando chegar a 30% em 2030 e 70% tentando chegar a 80% em 2040.
Para o Brasil, distante de seus principais mercados, era fundamental ter todos os países com os mesmos objetivos e evitar que a distância aos mercados compradores possa representar uma desvantagem competitiva.
As decisões que vêm pela frente são fundamentais. A IMO define que qualquer medida adotada tem que passar antes por uma análise abrangente de impactos.
Há vários cenários a serem analisados para que o setor alcance emissões líquidas-zero em 2050. A base dos cenários são as diferentes propostas dos países.
As ilhas do Pacífico, por exemplo, defendem uma taxa universal para a emissão de carbono. O Japão colocou sobre a mesa algo diferente – uma taxa, mas com possibilidade de retorno sob certos critérios.
Brasil no acordo
O Brasil defende incentivos econômicos para medidas técnicas. A proposta brasileira é que se estabeleça um nível obrigatório de redução de emissões para todos - de 35% até 2030, por exemplo. Para incentivar os que investirem primeiro estabelece-se um “benchmark”.
O país que conseguir cumprir a exigência, ganha unidades excedentes que pode vender a quem tiver mais dificuldade ou permanecer com o crédito para o futuro.
Trata-se da combinação de elementos técnicos, que reduzam ao máximo a emissão dos navios, junto a uma diretriz econômica, como um sistema de precificação de carbono, por exemplo.
A intenção é estimular a descarbonização do setor incentivando os países a investirem em medidas de redução de emissões e em combustíveis mais limpos. A estratégia busca, ao mesmo tempo, que se evite penalizar os mais distantes.
A ideia é reduzir efeitos desproporcionais entre países, principalmente os em desenvolvimento. Se o impacto resultar, por exemplo, em um aumento abrupto do frete, o comércio e a segurança alimentar global podem ser impactados. Um imposto universal poderia ser sinônimo de “uma taxa sobre a distância”, diz um negociador.
Combustíveis alternativos aos fósseis, como metanol ou amônia serão analisados.
Em Londres, os países acertaram um cronograma de adoção das medidas. Na primeira reunião de 2024, na primavera do hemisfério Norte, os países examinarão os impactos do estudo da IMO. Na segunda reunião, no segundo semestre, definirão as melhores opções.
As medidas serão adotadas em 2025, com um período de carência de 16 meses. Passarão a ser normas internacionais a partir de 2027.
O acordo fechado ontem em Londres é um avanço sobre o pacto anterior, de 2018. Ali, os países definiram 40% de redução na intensidade das emissões em 2030 e net-zero até o fim do século. O esforço, agora, é por uma meta absoluta. O acordo definido ontem às margens do Tâmisa acelerou em 50 anos a descarbonização do transporte marítimo internacional.
Fonte: Valor Econômico