Paulo Roberto Guedes, conselheiro consultivo da ABOL
Não há qualquer dúvida quanto ao fato de que o mundo sofre e ainda continuará sofrendo as consequências dos últimos acontecimentos: problemas climáticos, cujos efeitos são cada vez mais danosos e frequentes, resquícios da pandemia da COVID.19, conflitos entre países (Ucrânia e Rússia) e entre países e facções terroristas (Israel, Hamas e Hezbollah), baixo crescimento econômico e riscos concretos de aumento da inflação, cadeias de abastecimento ainda em reestruturação, rearmamento mundial (e o consequente desvio de recursos para a produção bélica e a formação e a manutenção de exércitos cada vez maiores), e questionamentos significativos com relação ao regime democrático e as instituições mundiais existentes.
Há que se destacar, sem quaisquer dúvidas, os problemas na Europa e, mais especificamente, nos Estados Unidos, cujos problemas políticos eleitorais são extremamente sérios.
Portanto, não bastassem esses fatos, a expectativa de um aumento extraordinário da demanda é muito possível, considerando as altas taxas de crescimento populacional dos países mais pobres que, além da falta de recursos, são caracterizados por um crescimento no consumo de alimentos em proporções maiores do que aquilo que ocorre nos países mais desenvolvidos. Os países mais pobres, como se sabe, têm uma “Função Consumo” que se comporta bem diferentemente, posto que quaisquer melhorias no processo de distribuição de renda, implicam em aumentos significativos no consumo.
E se esse aumento na demanda por alimentos e produtos agrícolas pode se traduzir como uma oportunidade para os principais países produtores, também se converterá em riscos, pois a necessidade de investimentos, tanto para a melhoria como para a expansão de infraestrutura logística e a adequação das cadeias de abastecimento e distribuição, será cada vez maior. Isto quer dizer que a falta de investimentos em infraestrutura, principalmente logística, nos países pobres ou emergentes, incluindo-se aí o Brasil, é problema para todo o mundo.
Eu já abordei esse assunto em diversos artigos, sendo que em um dos últimos (“No setor logístico e de transportes, assim como em todo o mundo empresarial, é imprescindível estar a favor da sustentabilidade e do meio ambiente”), publicado em outubro do ano passado, procurei ressaltar, além da necessidade de se observar atenta e criteriosamente os impactos que as transformações nas cadeias de valor geram junto aos diversos interesses regionais e globais já consolidados, a importância de quatro outros aspectos que considero fundamentais:
a) que as cadeias de valor sejam mais resistentes que as anteriores;
b) com estilos de gerenciamento que aumentem a rapidez na tomada de decisões;
c) que dê maior flexibilidade operacional, assim como nos investimentos;
d) que levem em conta a proteção do meio ambiente, com medidas concretas para se combater a poluição, realizar a transição para as energias renováveis e a ‘descarbonização”.
Vale, também, relembrar um pequeno texto do que foi escrito, em 13 de novembro do ano passado, em artigo específico da McKinsey (“Rumo a um futuro sustentável, inclusivo e crescente: o papel das empresas”), a respeito de uma pesquisa realizada, que além de um crescimento econômico sólido e sustentado, o mundo precisa adotar duas providências:
1ª) manter intervenção governamental como forma de se “direcionar incentivos e recursos públicos para a sustentabilidade e a inclusão”;
2ª) participação concreta das empresas no quesito inovação, como forma de “acelerar o crescimento para “tornar a inclusão e a sustentabilidade mais ‘acessíveis’, reduzindo o custo de produtos e serviços que promovem esses objetivos”.
Fato importante: as economias que quiserem crescer de forma sustentável, com inclusão e operando em condições de “baixo carbono”, precisarão envolver, de forma concreta e direta, todo o mundo empresarial. E de todos os segmentos econômicos. Embarcadores, transportadores e operadores logísticos, com certeza, constituem parte obrigatória desse universo.
Desde sempre aqui no Brasil, e assim confirmam as pesquisas, do total de gastos logísticos realizados, a maior parte é com transporte, que chega a ter uma participação acima dos 60%, segundo levantamento feito pelo ILOS (Instituto de Logística). Vale ressaltar que os custos logísticos como um todo, em 2022, representaram cerca de 16,1% do PIB nacional, enquanto a média mundial próxima dos 11,5%.
Dentre os diversos modos de transporte, o rodoviário é preponderante, chegando a alcançar, em termos de TKU (tonelada transportada por quilometro útil), 62,7% do total no ano de 2022. A estimativa do ILOS para 2023 foi de um custo logístico equivalente a 15,8% do PIB.
Portanto, a matriz de transportes brasileira tem, como seu principal modal, a via rodoviária, e os motivos para a explicação desse fato são “históricos” e os mais diversos possíveis. Duas principais consequências:
1ª) Alto custo operacional, posto que por TKU (tonelagem por quilômetro útil), depois do transporte aéreo, é o modal rodoviário aquele de maior custo;
2ª) Níveis maiores de emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa), posto que é o rodoviário aquele que mais polui. As estatísticas indicam que depois da “Agropecuária e Mudanças do Uso da Terra” e a “Energia”, o Transporte é o terceiro maior “poluidor” e já representa cerca de 10% do total. Vale ressaltar que o modal rodoviário é responsável por mais de 84% das emissões de CO² relativas às operações de transporte.
Nesse cenário o País se vê obrigado a conviver com custos logísticos e índices de poluição razoavelmente ‘desconfortáveis’, principalmente quando comparados com países que disputam, diretamente com o Brasil, o mercado mundial.
A busca de uma matriz de transporte mais equilibrada, na qual os demais modais também tenham participações importantes e a “multimodalidade” possa de fato ser realizada, deveria transformar-se em objetivo prioritário. Providência que, sem dúvida, exigiria volumes de investimentos muito maiores do que aqueles que se tem notado nos últimos trinta ou quarenta anos. Além, é claro, de muito planejamento, esforço e disciplina. Aliás, é o que, se corretamente realizado, se espera do PAC 2023.
Imperioso, consequentemente, que as políticas públicas voltadas à expansão, à melhoria e ao desenvolvimento da infraestrutura de transporte tenham prioridade e sejam elaboradas de forma integrada e sistêmica, sendo certo que elas, além de contribuírem para a redução de grande parte do “custo” Brasil, ainda possibilitarão que se trilhe um caminho mais curto para a diminuição das emissões de CO².
Entretanto, por reconhecer que essa realidade não poderá ser mudada no curto prazo, uma vez que os níveis de investimentos, principalmente públicos, têm ficado muito abaixo das reais necessidades brasileiras, notadamente quando se busca expandir as redes dos demais modais, a participação do setor privado, que já era fundamental, passa também a ser essencial.
O que se depreende é que enquanto ‘essa retomada de investimentos’ direcionadas à infraestrutura de transportes não vem, outras providências poderão e precisarão ser tomadas.
Há que se compreender, entretanto, que o tema “proteção ao meio ambiente”, ainda não está devidamente enraizado na cultura nacional, inclusive no setor de logística e de transportes. Em recente pesquisa realizada pela Associação Brasileira dos Operadores Logísticos (ABOL), apenas 39% dos operadores pesquisados possuem Área de Sustentabilidade com metas e orçamentos definidos (44% medem emissões do escopo 1, 23% do escopo 3, e 43% realizam ações de redução de emissão).
Não é um assunto de ‘trânsito fácil’, assim como não é simples a inclusão, nas atividades dos prestadores de serviços de transporte e logística, técnicas mais modernas de combate, controle e diminuição dos níveis de poluição.
Parece claro, como demonstram diversas pesquisas e estudos, além dos próprios noticiários a respeito, é que mesmo com muito comentário sobre o assunto, e muito propaganda, notadamente das grandes empresas, que perceberam a “importância comercial” correspondente, a correta compreensão e as concretas providências voltadas ao combate dos efeitos da crise climática, ainda são muito poucos e tímidos. Há, ao que parece, muito mais investimentos em propaganda do que em realização.
Felizmente, em setores empresariais específicos, há pesquisas que indicam esforços concretos para a implementação de práticas que tornem suas respectivas cadeias de suprimentos mais sustentáveis. Não à toa, as vendas de produtos com rótulos relacionados à sustentabilidade cresceram sete vezes mais rápido do que os níveis registrados anteriormente e a quantidade de engajamento nas mídias sociais em torno das questões de mudanças climáticas triplicou”.
Está ficando razoavelmente comum as empresas estamparem, nos rótulos de seus produtos, compromissos com o meio-ambiente e a sustentabilidade, bem como informações a respeito para que seus clientes, através de instrumentos de monitoramento específicos, monitorem os impactos de suas ações em toda a cadeia de abastecimento.
Aliás, aqui no Brasil, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) tem orientado as empresas no sentido de adotarem, em seus planos de crescimento e desenvolvimento, políticas específicas de “aprimoramento de suas práticas de governança”, mesmo considerando que muitos dos executivos tenham pouca percepção com relação aos benefícios obtidos. Considere-se, inclusive, estímulos para que haja, por parte do setor empresarial, maior participação nos assuntos que tratam das mudanças climáticas e dos conflitos geopolíticos.
E enquanto na agenda de muitas empresas começa a fazer sentido políticas que busquem a maior produtividade via adoção de boas práticas e promoção da sustentabilidade, a CNI (Confederação Nacional da Indústria), estabeleceu sua “Missão Descarbonização” com quatro programas fundamentais: mercado de carbono, transição energética, economia circular e conservação florestal e bioeconomia.
Empresarialmente isso significa: maior utilização de fontes de energia limpa, busca pela regulamentação do mercado de carbono, maior utilização das práticas de economia circular, esforços para que se conservem as florestas, estímulos e apoio à bioeconomia e às políticas ambientais transversais. Como se vê, estratégicas específicas para que se pratique uma economia de baixo carbono e com diminuição efetiva da emissão do GEE (Gases de Efeito Estufa).
A própria CNT (Confederação Nacional de Transportes), quando da publicação de sua pesquisa sobre riscos no transporte (Análise de Grandes Riscos do Setor de Transportes), destaca, entre outros tão importantes eventos, a percepção de que alguns dos maiores riscos para o transporte estão diretamente ligados às ocorrências climáticas extremas, cada vez mais frequentes e de impactos maiores.
Nesse processo contínuo de conscientização a respeito dos impactos gerados pela ‘crise climática’, o correto tratamento das questões ligadas ao meio-ambiente e à sustentabilidade tem sido considerado, infelizmente não por muitos, volto a insistir, como fundamentais para a geração de valores. São empresas que compreendem claramente que suas responsabilidades com relação a esses temas estão diretamente ligadas à evolução e ao desempenho dos investimentos de longo prazo, bem como à satisfação das suas redes de ‘stakeholders’.