Ao lidar com transporte de carga pesada, operações de portos e ferrovias e outras demandas para escoar a produção, o setor de logística é um mundo tradicionalmente masculino. Chegar a postos da alta liderança, no caso das mulheres, parecia algo distante da realidade - até que surgiram referências mostrando que a competência nesse mercado, e sua interface com atividades estratégicas como o agronegócio e a mineração, não é uma questão de gênero. “Muitas não sabiam que isso é possível no universo portuário e agora quem nos vê nesta posição começa a sonhar”, afirma Gleize Geahl, executiva da Hidrovias do Brasil que assumiu o recém-criado cargo de vice-presidente de operações.
Natural de Campo Grande (MS) e criada em uma casa só de mulheres depois do falecimento do pai, a administradora de empresas teve desde cedo a inspiração da persistência feminina. Aos 14 anos, começou a trabalhar dando aulas de piano. Depois, ajudou a mãe na empresa da família e, de lá, formou-se na universidade para então descobrir novos caminhos. São 15 anos de carreira em logística, grande parte na Hidrovias do Brasil. Agora, como VP da empresa, Geahl comanda as operações do Norte, Sul e Santos. “O desafio está na credibilidade conquistada com a qualificação técnica, mais do que levantar a voz e gritar para ser escutada”, ressalta a executiva.
Na visão de Geahl, “o autoconhecimento é elemento ímpar para a gestão, no âmbito da liderança feminina”. Ela enfatiza a necessidade de estímulo à formação profissional e promoção na carreira de modo que mais mulheres cheguem ao topo do negócio. E conclui que “a representatividade no dia a dia faz toda a diferença para que essa presença seja vista de maneira natural".
Para Andrea França, sócia da PwC, a tendência é esse cenário de naturalidade ocorrer quando a participação feminina nos postos de liderança supera os 30% na empresa. Abaixo disso, diz, é preciso o remédio das ações afirmativas, como treinamento, canal de denúncia e outras medidas.
“Quanto mais mulheres na liderança, mais portas se abrem para outras”, lembra a analista. Ela aponta a necessidade de avanços em pontos relevantes, como regime de trabalho flexível, apoio para mães e licença paternidade, conforme desafios apontados em pesquisa realizada pela PwC nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE).
De acordo com o estudo, em 2020, o Women in Work Index caiu pela primeira vez em sua história devido aos impactos da covid-19. Após uma década de melhoria lenta, mas constante, o progresso rumo à igualdade de gênero no trabalho foi atrasado em pelo menos dois anos nos 33 países avaliados. As perdas de emprego das mulheres, em consequência da pandemia, foram piores do que a dos homens.
Segundo analistas, não bastam estudos que comprovam os benefícios dessa equidade para os negócios. “É importante atrelar a bonificação de lideranças a metas de inclusão”, destaca Luciana Medeiros, também sócia da PwC, para quem a agenda global ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês), com a pressão de investidores e clientes, puxa a temática como um caminho sem volta.
“O principal desafio foi conquistar o espaço de fala”, conta Isabella Wanderley, vice-presidente e gerente geral da Novo Nordisk Brasil, indústria farmacêutica com meta de equidade de gênero em cargos de liderança sênior até 2030. Ela diz que muitas vezes as mulheres não querem pular de gerente a diretora com receio do domínio masculino. “Há o estigma de que precisam estar muito bem preparadas para dar um próximo passo”.
De acordo com a executiva, o trabalho deve ser contínuo, construído com pipeline de desenvolvimento, de modo que a base feminina da pirâmide se veja apoiada pelas lideranças. “Dessa forma, as empresas se tornam mais próximas dos clientes e mais conectadas à realidade”, observa Wanderley, dedicada a mentorias externas para empresárias com o propósit de transmitir confiança.
Daniela Brites, sócia-líder de consultoria para diversidade e inclusão na EY, concorda. Além de programas internos de treinamento e sensibilização sobre igualdade de gênero, é preciso, na visão dela, trabalhar a dinâmica pessoal e familiar. “Não adianta estabelecer metas sobre liderança feminina para divulgar nos reportes de sustentabilidade, sem a existência de uma rede de apoio e ajuda”, adverte a executiva. Ela reforça que é necessário um arcabouço de ações não apenas para que os números sejam cumpridos, mas para permitir o efetivo sucesso das mulheres na liderança e evitar retrocesso com a insatisfação pessoal devido a objetivos operacionais não alcançados.
Fonte: Valor Econômico