A pressão para reduzir emissões no transporte marítimo pode acelerar uma das demandas do setor agrícola brasileiro em discussão nos últimos seis anos, especialmente pelo complexo da soja. A alternativa em foco é a substituição dos navios usados atualmente para as exportações do grão, com capacidade de até 85 mil toneladas, por embarcações maiores, com capacidade para 200 mil ou 220 mil toneladas.
Os supernavios do tipo Capesize são utilizados em várias rotas internacionais no transporte de diferentes produtos. No caso da soja, reduziria as emissões de CO2 em 31% e o custo logístico em 12,5% na comparação com os navios mais utilizados no País nessas operações, os Panamax, conforme estudo feito pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log).
O estudo leva em conta o transporte da fazenda do produtor no Centro-Oeste, região que concentra a maior parte do cultivo da soja, até a China, maior importador do grão brasileiro. O problema é que, no Brasil, as grandes embarcações não conseguem atracar porque os portos comerciais não têm profundidade suficiente e há riscos de encalhe.
O principal gargalo para a mudança, afirma Thiago Péra, coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Esalq-Log, é a logística.
Para receber esse tipo de navio, os portos precisam ter profundidade acima de 14 metros. “Alguns portos tradicionais até recebem navios do tipo Capesize, só que não são carregados na sua totalidade, para evitar encalhes, e com isso não conseguem gerar economia de escala”, explica Péra.
Corredores verdes
O transporte marítimo responde por cerca de 3% do lançamento global de gases poluentes na atmosfera e, embora pareça, “não é pouco”, ressalta Tiago Buss, da EC Consultoria, que atua nas áreas de transporte e logística. Segundo ele, além de novos portos em locais de maior profundidade, o País precisa de corredores logísticos que integrem os transportes rodoviário, ferroviário e marítimo.
Como maior exportar de produtos agrícolas do mundo, o Brasil começa a ser pressionado pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), que estabeleceu, durante a Cop 26, meta global de reduzir em pelo menos 50% a emissão de poluentes nessa atividade até 2050.
“Trabalhamos sobre a questão do uso de navios maiores há seis anos ou mais com a Marinha Brasileira, que é a representante do País na IMO, pois, além da questão ambiental, aumentaria a competitividade brasileira com a redução de custos”, diz Fábio Meirelles, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Minas Gerais (Aprosoja-MG). Ao transportar mais, o custo do frete por tonelada cai aproximadamente 40%.
Segundo Meirelles, o País já deveria estar trabalhando nessa alternativa, como fazem outros países, para não perder sua competitividade. “Talvez agora, com a forte pressão ambiental, essa transformação ocorra, pois estamos muito longe do sistema portuário de outros países.”
Combustível alternativo
Pelas simulações da Esalq-Log, para colocar a soja do Centro-Oeste brasileiro até a China, 74,1% das emissões de CO2 no transporte vêm da parte marítima, 21,7% da rodoviária (no transporte do grão ao porto por caminhões), 3,7% do ferroviário (no trecho em que há linhas férreas) e 0,5% no hidroviário (quando é usada a cabotagem).
Levando-se em conta que a parte marítima é feita por um navio Panamax, as emissões chegam a 130 quilos de CO2. Se a viagem fosse feita por um Capesize, seriam 89 quilos, ou seja, 31,5% a menos. Além de maior, esse tipo de navio tem novas tecnologias e utiliza combustíveis alternativos que também ajudam no controle das emissões.
Na questão dos custos gerais, são US$ 63 por tonelada transportada com o navio menor e US$ 55 com o maior, uma diferença de 12,5%. Nesse caso, a parte mais significativa do custo é a rodoviária (56%), seguida pela marítima (31,7%), ferroviária (11,4%) e hidroviária (0,9%).
Para reduzir ainda mais esse custo, é importante investir em ferrovias, ampliar a malha atual e adequá-la ao padrão internacional, o que também levaria a uma redução significativa de emissões de poluentes, afirma Buss.
O consultor ressalta que, segundo projeções recentes feitas pelo Ministério da Agricultura, as exportações de soja e milho devem aumentar em 92 milhões de toneladas até 2030. Se forem utilizados navios Panamax com capacidade de 66 mil toneladas, serão necessárias 13.630 viagens à China. Se forem usados os Capesize de 120 mil toneladas seriam menos da metade das viagens (7.760). “São muito menos navios indo e voltando.”
Porto Aracruz
O País já tem ao menos uma grande iniciativa de um porto em condições de receber supernavios. Com obras iniciadas em junho e expectativa de entrar em operação em 2024, o Imetame Porto Aracruz, no Espírito Santo, terá calado com 17 metros de profundidade, e poderá receber os maiores navios do mercado global.
O complexo portuário é privado, mas vai operar também comercialmente. Com investimento de R$ 1,7 bilhão, terá inicialmente três terminais, um focado em contêineres, um em cargas gerais e outro em granéis sólidos, especialmente soja, com capacidade para movimentar 10 milhões de toneladas anualmente.
No Brasil, o uso de supernavios teve início com a Vale que, em 2012, lançou o Valemax, com capacidade de 400 mil toneladas e usado no transporte de minério de ferro. Só os cinco portos privados da Vale no País têm condições de receber o “gigante do mar”, como é chamado pela companhia. Os navios da primeira geração emitiam 35% menos poluentes se comparados a um Capesize de 2011, que tinha capacidade para 180 mil toneladas, informa a empresa.
A segunda geração do Valemax, em operação a partir de 2018, consegue reduzir as emissões de CO2 em até 41% comparado ao Capesize. No ano seguinte, a Vale passou a usar também o Guaibamax, com capacidade de 325 mil a 400 mil toneladas. A Petrobras também tem navios desse tipo, que atracam apenas nos portos da companhia.
Fonte: Estadão
27/11/2024
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