O Brasil conta com pelo menos 66 projetos de hidrogênio de baixa ou zero emissão de carbono (o hidrogênio “verde”) que somam investimentos de R$ 188,7 bilhões, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Parte importante desse investimento será dedicada a “hubs” de produção de hidrogênio - centros que promovem a integração da cadeia de produção, transporte e uso final dessa energia. A maior parte dos investimentos vai para plantas posicionadas em portos marítimos.
Grande parte das iniciativas está concentrada no Nordeste, com 44 projetos, seguida do Sudeste, com outros 16. No Ceará, o Porto de Pecém reúne o maior investimento: R$ 110,6 bilhões. Outros portos também deverão contar com aportes expressivos no setor, como o de Parnaíba (PI), com R$ 20,4 bilhões; Suape (PE), com R$ 19,6 bilhões, e também Açu (RJ), com R$ 16,5 bilhões.
O perfil dos projetos, com hubs de produção em portos, indica a tendência de que grande parte dos investidores está mirando clientes no exterior, o que deve ser confirmado se a demanda interna não florescer. O estudo “Hidrogênio Sustentável: Perspectivas para o Desenvolvimento e Potencial para a Indústria Brasileira”, que será divulgado nesta segunda-feira (26) pela CNI, confirma que a maioria das iniciativas (42 projetos) é liderada por empresas do setor elétrico com enfoque na exportação.
A possibilidade de o hidrogênio verde no Brasil priorizar a venda no exterior, em vez de atender o setor produtivo no país, é uma hipótese levantada por especialistas ligados à indústria.
A Europa, por exemplo, tem sinalizado que será um grande consumidor do novo combustível, considerado estratégico para derrubar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de sua indústria.
No Brasil, setores da indústria, porém, tentam trilhar a própria rota de descarbonização por meio do hidrogênio. Os ramos de químico e de gases industriais respondem por cinco projetos cada. Já siderurgia e petróleo contam com três projetos cada. O setor de mineração tem duas iniciativas. Outros segmentos registram, ao menos, uma planta: distribuição de gás natural, cimento, eficiência energética, tecnologias de geração de hidrogênio, fabricação de aerogeradores e um centro de pesquisa.
Fernanda Delgado, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (Abihv), considera natural recorrer às vendas internacionais, em um primeiro momento, para “ganhar maturidade e escala”, e, só depois, atender a demanda interna, com preços até mais atraentes.
O presidente da Abrace Energia, Paulo Pedrosa, representante da indústria eletrointensiva, defende que “a vocação do hidrogênio brasileiro está na indústria nacional”, na descarbonização do aço, por exemplo. Ressalta que, a rigor, o hidrogênio não é uma “fonte energética, como muitas vezes é visto”, mas uma “maneira de armazenar e transportar energia”, o que permite a venda no exterior, além de explicar o fato de a eletricidade não ter se tornado uma commodity. “Sua exportação faz muito menos sentido, econômico e climático, do que levar aço ‘verde’ produzido aqui. Precisamos estar atentos, para não sermos reduzidos a um apêndice da política industrial de outros países”, alerta Pedrosa.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) ressalta que a estratégia para o setor “também está voltada para fortalecer a indústria nacional, promovendo a transferência de tecnologia, incentivando o desenvolvimento de capacidades locais e atraindo investimentos para a criação de uma infraestrutura que não apenas produza hidrogênio para exportação, mas também forneça para o mercado interno”.
De acordo com o estudo, “não restam dúvidas de que [a exportação de hidrogênio e derivados] representa uma oportunidade para o país”, mas que “o entusiasmo com a exportação (...) não pode ofuscar aquela que é a oportunidade mais viável no curto prazo para a cadeia de hidrogênio no Brasil: a descarbonização de setores e empresas industriais brasileiras”.
A análise técnica lista uma série de vantagens da absorção do produto pelo mercado interno: evita custos com o transporte do hidrogênio; energia elétrica disponível para produzir H2 já é basicamente descarbonizada, com 92% de fontes renováveis; economia de escala ainda é modesta, pois os equipamentos usados para extrair o hidrogênio (os eletrolisadores) ainda estão limitados à potência de 20 megawatts (MW), entre outras.
“A grande questão é como transformar vantagens comparativas que o Brasil tem em competitividade. Até porque o investidor não olha só isso. A indústria, que pode querer se deslocar para esses países, vai olhar se tem segurança jurídica, regras claras, burocracia, mão de obra, que vão servir para balizar a decisão do investidor”, diz o superintendente de meio ambiente e sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
Para o Mdic, o objetivo do governo é que o Brasil seja “reconhecido não apenas como um grande exportador de hidrogênio de baixo carbono, mas também como um líder na produção de bens industrializados sustentáveis, o que ampliaria significativamente a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional”.
Fonte: Valor Econômico