Encaminhado na quarta-feira à noite ao Congresso Nacional, o projeto de lei que viabiliza a privatização dos Correios também abre brechas para o Estado impor regras e condições ao funcionamento dos serviços de encomendas expressas, incluindo a entrega de produtos vendidos em plataformas digitais. Isso poderia ter impacto nas operações de empresas como Amazon e Mercado Livre, que têm investido em estruturas próprias de logística para concorrer com a (ainda) estatal.
Para dar mais clareza jurídica ao funcionamento do mercado, o PL 591/21 classifica as atividades do setor em vários grupos diferentes. Um dos dispositivos do projeto estabelece que “encomendas e mercadorias adquiridas por comércio eletrônico e por venda direta” serão consideradas objetos postais.
Caberá à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que terá suas responsabilidades expandidas para esse setor, definir “pesos e dimensões” para caracterizá-los. A agência reguladora também poderá editar normas sobre as “condições obrigatórias de aceitação, encaminhamento e entrega” dos objetos postais.
A presença do dispositivo chamou a atenção de especialistas, que apontaram aparente conflito com o discurso pró-desregulamentação e liberdade econômica do governo. O Valor apurou que houve manifestações contrárias do Ministério da Economia, uma das pastas envolvidas na redação do projeto, a esse ponto específico.
Sem considerar necessariamente ruim a existência de uma regulação para serviços de entrega do comércio eletrônico, o vice-presidente da Associação de Profissionais dos Correios (ADCAP), Marcos César Silva, afirma que o dispositivo evidencia como a proposta enviada ao Congresso careceu de discussões prévias com os atores diretamente envolvidos.
Para ele, dependendo da redação final do projeto, a Anatel ganhará poderes para definir indicadores de qualidade dos serviços já realizados por operadores privados, expedir autos de infração, penalidades e até mesmo encarecer a prestação dos serviços.
Apesar do forte crescimento do comércio eletrônico, principalmente a partir da pandemia de covid-19, o único mecanismo de proteção dos usuários contra violações ou atrasos na entrega de produtos por falha logística é o Código de Defesa do Consumidor.
Guilherme Campos, ex-presidente dos Correios (governo Michel Temer) e atual diretor do Sebrae-SP, avalia que o projeto, à primeira vista, realmente abre espaço para a regulação de entregas do e-commerce. Ele acredita, porém, que isso tem um caráter positivo. “Onde as privatizações que não deram certo, como na Argentina e em Portugal, não houve a criação de uma agência reguladora”, observa Campos.
Em sua visão, a logística do comércio eletrônico representa o futuro do setor postal. Os concorrentes dos Correios, por não terem nenhuma obrigação de atender localidades deficitárias, têm vantagem relativa. Ele lembra que pouco mais de 300 municípios são lucrativos hoje nas operações da estatal.
Silva, da ADCAP, é crítico da privatização e vê o e-commerce como trampolim para a prosperidade dos Correios. Ele diz que a empresa terá lucro superior a R$ 1 bilhão em 2020 (o resultado ainda não foi divulgado) - patamar não atingido desde 2012. Até setembro, o superávit foi de R$ 836 milhões.
20/12/2024
Vagas no setor de logística crescem 94,7% de janeiro a outubro, segundo BNE
O setor de logística tem registrado um ritmo acelerado de contratações no Brasil. Entre janeiro e outubro de 2024, o número de vagas abertas cresceu 94,7% em relação ao mesmo período de (...)