O governo deu mais um passo para privatizar os Correios com a entrega do relatório do projeto de lei que trata da desestatização ao ministro Fábio Faria, das Comunicações, na quinta-feira (8). Ele afirmou pelas redes sociais que já avalia o texto junto a líderes no Congresso.
O projeto quebra o monopólio dos Correios para a entrega de cartas, telegramas e malotes, que ainda respondem por grande parte da receita da estatal —antes da pandemia, superavam 40%. As encomendas representam o restante e já competem com o setor privado.
Um estudo da consultoria Accenture para o BNDES constatou que 10 de 11 países analisados têm leis claras para a universalização (a exceção são os Estados Unidos). A maioria também prevê aspectos da universalização em lei federal.
O estudo se baseou nos melhores sistemas postais, segundo a União Postal Universal, e priorizou países com dimensões, experiências de desestatização e outros fatores considerados relevantes pelo BNDES para o projeto no Brasil.
De modo geral, é possível dividi-los entre os que possuem mercado liberalizado e os que mantêm monopólio do Estado para correspondências regulares, caso do Brasil hoje.
Entram no primeiro grupo Alemanha, Áustria, Reino Unido, Portugal e Bélgica, e no segundo, Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália. A Argentina, cuja empresa postal privada decretou falência no início deste mês, não está na amostra.
Com exceção do Canadá, todos os países têm previsão em lei para uma agência reguladora designada a assegurar o cumprimento do serviço universal. No projeto brasileiro, a caberia à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) essa vigilância.
Normas técnicas para o desempenho do operador responsável pela universalização também aparecem em todas as jurisdições, menos nos Estados Unidos, onde essa obrigação é do USPS (sigla para United States Postal Service, serviço postal público). A lei americana não é muito clara em relação aos preços e penalidades à sua estatal, segundo o estudo do BNDES.
Entre os modelos privatizados, o da Alemanha é considerado o mais bem-sucedido entre especialistas. No país europeu, o operador universal é privado, mas com participação estatal, que supervisiona o serviço. A privatização foi gradual, com início em 1989. O país decidiu que não era necessário ter reserva de mercado, mas mesmo assim a estatal Deutsche Bundespost, hoje a potência logística DHL (privada), recebeu subsídios até meados dos anos 2000.
Em Portugal, o preço das tarifas foi limitado pelo governo, caso considerado mau gerido e de baixa atração a investidores.
Na Argentina, o serviço postal foi privatizado em 1997 em uma concessão de três décadas para uma empresa da família do ex-presidente Maurício Macri, que não honrou todas as dívidas com o Estado. A empresa foi reestatizada em 2003 e quebrada na semana passada para que o passivo seja pago ao governo.
Já os Estados Unidos decidiram não tirar o monopólio do USPS, fundada em 1775. As competidoras privadas podem ofertar os serviços básicos, mas somente com preço superior ao da estatal. Elas ganham ao ofertar mais rapidez e confiabilidade. A estimativa é que a estatal americana detenha 20% do mercado de entregas.
Ainda não está claro como o governo pretende lidar com a universalização. Uma das maiores críticas da ala contrária à privatização é a falta de interesse de grupos privados em áreas remotas e com baixo retorno financeiro.
Diogo Mac Cord, secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, afirmou na semana passada que esse argumento é uma “lenda urbana” porque, segundo ele, os Correios deixaram de operar em várias cidades.
O projeto de lei para a privatização diz que a União fica obrigada a manter o serviço postal universal e com modicidade de preços. Considera nesse grupo cartas, impressos, objetos postais com dimensões e pesos definidos pelo órgão regulador e telegramas.
Para Eduardo Gaban, sócio de Nishioka & Gaban Advogados, essas definições ainda não são suficientemente claras e representam um "cheque em branco para o governo da vez".
"Seja o governo ou o setor privado, tendem a abusar do poder se não houver uma delimitação clara sobre a reserva legal", diz. Ele se refere à entrega de cartões de crédito, por exemplo, que entraram no grupo de cartas, portanto do monopólio.
Gaban defende a privatização para tornar o serviço postal mais eficiente nos próximos anos e estimular o mercado adjacente de entregas de encomendas. Segundo ele, os Correios "não provaram até hoje que é preciso monopólio para universalizar".
Para a ala crítica à privatização, a estatal brasileira, com 98 mil funcionários, consegue segurar seu caixa e gerou lucro de R$ 1,5 bilhão em 2020, mesmo que grande parte de sua receita não seja feita de encomendas, área de atividade das transportadoras.
Marcos César Alves Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios, afirma que o prejuízo de 2013 a 2016 não foi por roubo ou má gestão. Ele atribui o resultado a ações do Ministério da Economia no período, como congelamento de tarifas, retirada de dividendos do caixa da empresa e uma mudança contábil exigida no relatório financeiro.
"Os Correios são o grande troféu ideológico do governo, que só fala mal da empresa, o que tende a baixar seu preço. Não precisamos do Tesouro. É quase criminoso fazer isso", diz.
Fonte: Folha
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