Entre tantos efeitos indesejados, a pandemia expôs uma fragilidade da economia globalizada: as cadeias de suprimento azeitadas — ou just-in-time — soçobraram diante da volatilidade na demanda. Ao colapso repentino das encomendas no primeiro semestre de 2020, seguiu-se uma recuperação inesperada. “As redes intrincadas de produção e logística eram uma virtude em tempos normais, mas se tornaram um propagador de choque durante a pandemia”, constatou a última Revisão do Transporte Marítimo publicada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
A capacidade de transporte, que vinha em queda desde 2011, despencou 16% em 2020. A ociosidade nos contêineres bateu em 12%, um recorde. De repente, a demanda explodiu, e não havia como atendê-la. Em maio de 2020, 75% das entregas globais por via marítima chegavam no prazo. Um ano depois, só 39%. O atraso médio nos portos chegou a uma semana, gerando um efeito dominó que prejudicou diversas indústrias (a produção de carros novos parou por falta de chips).
Na tentativa de atender ao movimento, que crescerá 10% neste ano, houve corrida por investimentos em novos navios. Mas eles demoram a ficar prontos e, enquanto não chegam, o preço do frete disparou. Em julho de 2020, transportar um contêiner da China ao Porto de Santos custava US$ 959. Em julho deste ano, dez vezes isso: US$ 9.720. Está aí uma das causas da atual maré inflacionária. Pelas simulações da Unctad, até 2023 os solavancos logísticos elevarão o preço de produtos importados em 11% e a inflação global em 1,5% na média de 198 economias (1,2% no Brasil). O maior impacto será sentido nos produtos mais afetados pelo transporte marítimo: computadores (11%); móveis e têxteis (10%); farmacêuticos (7,5%).
A reação de diversas empresas e governos tem sido tentar reduzir a dependência dos fornecedores externos, ainda que isso encareça os produtos. Tentam reerguer as cadeias de suprimento com base não na eficiência do modelo just-in-time, mas na resiliência de um novo modelo, apelidado just-in-case. O solavanco na logística também forneceu argumentos convenientes ao protecionismo que já se espalhava.
Apesar desse recuo, é difícil crer que o mundo volte a funcionar sem as cadeias globais. Pode ser até fácil deslocar indústrias que dependem sobretudo de mão de obra, como vestuário ou têxteis. Mas é inviável no caso dos produtos baseados em tecnologia. O relatório da Unctad cita uma estimativa de que apenas entre 9% e 19% dos fluxos poderia se mover para chips, entre 15% e 20% para carros e entre 38% e 60% para produtos farmacêuticos. E não seria necessariamente um movimento para fora dos centros de produção asiáticos. Quando os Estados Unidos impuseram tarifas a produtos chineses em 2018, boa parte da produção se deslocou para Camboja e Taiwan.
Também é improvável que o movimento resista à recuperação da fluidez na logística global e alívio nos preços. “O efeito inflacionário direto dos gargalos provavelmente será limitado depois que os preços relativos se ajustarem”, diz boletim do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Não quer dizer que as fragilidades devam ser esquecidas, mas que as novas cadeias precisam ter a redundância necessária para resistir a choques e manter-se confiáveis até nas crises repentinas.
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Fonte: O Globo
27/11/2024
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