A pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia deixaram ainda mais evidentes as vulnerabilidades das cadeias globais de produção e da própria globalização econômica. Mas é preciso evitar a tentação da autossuficiência exacerbada que pode levar à fragmentação da ordem logística internacional e ao fechamento de economias.
Este foi um dos temas discutidos por Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) e vice-presidente executivo de Assuntos Corporativos da PepsiCo, e Tatiana Prazeres, analista internacional e professora na Universidade de Economia e Negócios Internacionais em Pequim na Live do Valor — a primeira de série especial em comemoração aos 22 anos do jornal e que tem os rumos da globalização como eixo.
A professora Tatiana Prazeres também vê as tensões atuais como um risco substancial à globalização. “A ideia central da globalização é a de que todos possam ter a oportunidade de crescer em conjunto, mas as transformações dos últimos anos estão agora colocando essa visão em xeque”, disse. “Primeiro, a pandemia de covid-19 e, depois, a invasão da Rússia à Ucrânia deixaram claras as vulnerabilidades da globalização e ampliaram as pressões em vários lugares por mais autossuficiência, por mais controles de exportações e importações, por mais protecionismo, pelo reforço dos conceitos nacionais de setores estratégicos, etc. Essa tendência ao fechamento ocorre à custa de crescimento econômico e desenvolvimento.”
Tanto na visão de Tatiana quanto na de Azevêdo, no entanto, o mundo ainda não chegou ao ponto de estar dividido em dois grandes blocos, como ocorria na época da Guerra Fria — e essa é a situação que os líderes mundiais devem se esforçar para evitar a todo custo.
“Política externa nunca foi uma atividade fácil e está ainda mais difícil exercê-la hoje”, afirmou Azevêdo. “Fico assustado quando ouço políticos dizerem, principalmente nos EUA, que ‘não há espaço para a neutralidade’, praticamente numa imposição para que países se alinhem automaticamente a um lado ou a outro. O que se vê é que há muitos países que não estão prontos para essa opção por um lado ou outro. Mesmo a relação entre a China e a Rússia é cheia de matizes, por sinal uma grande quantidade de matizes”, pontuou.
Azevêdo afirmou que, para os países, imagina-se que o fechamento de economias nacionais seria a resposta mais fácil para pôr fim às vulnerabilidades que a pandemia e a guerra trouxeram. “Seria mais simples dizer ‘não vamos mais depender de ninguém’, mas isso seria autodestrutivo, seria caro, não traria a segurança de novas rupturas — por razões climáticas, por exemplo. Seria um autêntico tiro no pé”, analisou. “O grande desafio para as economias é ter alternativas de fluxo de cadeias e se tornar cada vez mais eficientes e mais competitivos”, afirmou.
Para Prazeres, ainda há muita incerteza sobre como superar os gargalos energéticos apresentados principalmente pela evidência da dependência da Europa em relação ao gás e petróleo da Rússia. “A questão da energia tomou outra importância na agenda da segurança nacional. É um tema que ganha hoje outra dimensão, principalmente quando levamos em conta a emergência climática. O carvão, por exemplo, voltará a ser rei na geração de energia? São respostas que ainda não temos.”
Fonte: Valor Econômico