A Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol) entrou na Justiça contra uma regra federal que favorece os Correios nas contratações públicas. A ação, protocolada no fim de junho, questiona trechos de uma lei de 2023 e de seu decreto regulamentador, publicado em julho do ano passado, que basicamente determinam que órgãos e entidades públicas deem preferência à estatal na contratação de diversos serviços postais e logísticos.
No processo, a entidade pede que a Justiça reconheça a inconstitucionalidade e a ilegalidade das cláusulas, e solicita uma liminar que suspenda os efeitos da regra até que o tema seja julgado.
Embora a norma já esteja vigente há quase um ano, só recentemente as empresas começaram a sentir seus efeitos e, por isso, decidiram recorrer à Justiça, afirmou Marcella Cunha, diretora-presidente da associação.
“A princípio, as operações estavam indo bem. Mas, quando começamos a ver iniciativas de contratação direta de forma mais frequente, algumas após o vencimento dos contratos, as empresas começaram a sentir um impacto maior”, disse.
“Fora que, não raro, os Correios subcontratam operadores logísticos para algumas etapas. Isso vem acontecendo. Faz sentido os Correios terem essa prerrogativa de contratação direta e depois subcontratarem?”
Um dos segmentos que mais têm gerado preocupação no mercado é o de logística ligada a medicamentos e insumos relacionados à saúde — uma das áreas em que as contratações públicas têm peso maior para empresas privadas, devido às regras específicas de transporte, que geram um diferencial. Nessa área, alguns operadores dependem quase exclusivamente de licitações públicas, segundo Cunha.
“Os Correios não têm expertise histórica nessa área e grande parte dos associados se especializou nisso, por exemplo, desenvolvendo soluções para controle de temperatura e umidade de medicamentos e insumos, equipamentos preparados para transporte de produtos médico-hospitalares sensíveis”, disse.
Hoje, 53% dos operadores logísticos do país atuam no segmento farmacêutico e cerca de 30%, na área hospitalar, de acordo com dados da entidade.
“Faz sentido os Correios terem essa prerrogativa de contratação direta e depois subcontratarem? — Marcella Cunha
A reportagem questionou os Correios e a União, que responderam via nota da Advocacia-Geral da União (AGU), na qual o órgão diz que “apresentará manifestação pela legalidade do decreto no prazo estipulado pela Justiça”.
Na ação judicial, a Abol afirma que a lei extrapola os serviços que os Correios podem prestar de forma direta, sem necessidade de licitação. A entidade argumenta que esse direito é garantido apenas a serviços postais, mas não a operações logísticas mais amplas.
A associação também diz que contratações recentes da estatal feitas por órgãos públicos não seguiram as regras de pesquisa prévia de mercado para avaliar a compatibilidade dos preços cobrados.
Segundo a petição inicial, com a lei, “fragiliza-se a competitividade, compromete-se a isonomia entre fornecedores e se prejudica o interesse público” e “restringe-se indevidamente a liberdade administrativa de optar por empresas que efetivamente demonstrem maior capacidade técnica, estrutura e preparo adequados para atender às exigências regulatórias”. Com isso, a entidade diz que a regra pode gerar “elevação de preços, redução da qualidade e inibição da inovação”.
Os Correios vivem hoje uma crise que deverá levar à saída do presidente da estatal, Fabiano Silva. A empresa registrou prejuízo recorde em 2024, de R$ 2,6 bilhões, e, no primeiro trimestre deste ano, resultado negativo de R$ 1,72 bilhão. Os rombos são causados por queda de receita, aliada a aumento de custos.
Fonte: Valor Econômico
Crédito da foto: Gesival Nogueira Kebec/Valor