A interrupção do Canal de Suez pelo encalhe do navio Ever Given, na última semana, ainda deve gerar muitos processos em diferentes esferas judiciais e arbitrais em diversos países para ressarcimento de prejuízos. Especialistas ouvidos pela Portos e Navios identificam uma série de possíveis reclamações contratuais, diretas e indiretas, que podem vir a ser apresentadas formalmente por donos de cargas, armadores e demais agentes impactados pelo incidente. A tendência é que o episódio gere uma enxurrada de pleitos a seguradoras e clubes de P&I, considerando os mais de 300 navios que precisaram aguardar o navio voltar a flutuar. Alguns, inclusive, decidiram alterar suas rotas, desviando-nas pela costa africana. As próprias autoridades locais podem cobrar prejuízo ao causador do dano devido aos gastos e à redução das operações no canal.
O especialista em Direito Marítimo e Portuário, Osvaldo Agripino de Castro Junior, explica que existem três principais tipos de prejuízo nesses episódios. A responsabilidade civil extracontratual em relação aos demais navios que forem afetados, além da carga do navio — que tem prazos para entrega e pode gerar ações de indenização da carga contra o navio — e das seguradoras contra o navio.
O terceiro aspecto é o prejuízo ao canal, cuja administração pode entrar com ação contra o armador do navio. Agripino lembra que esse navio especificamente é fonte de grande receita para a autoridade do canal. Cada navio que transita pela via marítima paga até 807 mil dólares por passagem, o equivalente a R$ 4 milhões. Para o advogado, o risco e a responsabilidade civil nesses casos costuma ser exclusiva do armador, mesmo a praticagem ser obrigatória no canal de 195 quilômetros de extensão. “A responsabilidade por qualquer acidente é do navio, não do prático”, ressaltou Agripino, sob a ótica do Direito Marítimo Internacional.
Quando se fala em sinistros como esse em Suez, donos de cargas e os operadores dos outros navios, principalmente os impossibilitados de navegar, recorrem às seguradoras. Independente de quem indenizar a cobertura securitária, a avaliação é que haverá, posteriormente, pleitos do agente para ser ressarcido pelo real causador do dano. Com isso, o volume de demandas das centenas de navios impactados tende a se acumular no causador do dano.
Num primeiro momento, as responsabilidades são apuradas pelas autoridades competentes. As partes prejudicadas poderão vir a utilizar mecanismos de vistorias para apresentar suas demandas. As primeiras demandas previstas são de aspectos contratuais das partes com carga a bordo e das empresas que afretam navios e estão impossibilitadas de operá-los. “Quem se sentir prejudicado, vai buscar mitigar com sua seguradora. No transporte de carga, a cobertura de P&I pode ser efetiva. Já questões envolvendo, por exemplo, os contratos de afretamento e a paralisação do navio dependem de demandas específicas”, analisou o advogado Lucas Leite Marques, sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna.
Leite acredita que os processos do caso em Suez podem durar mais de uma década, considerando os reflexos gerados na cadeia logística mundial. “Este incidente será conversado pela comunidade marítima em diversos fóruns e as lições serão refletidas para futuras normas — primeiro locais e, em maior escala, em convenções internacionais ou recomendações de operação do navio em vias navegáveis estreitas”, explicou Leite.
O julgamento terá repercussão na esfera cível, na medida em que os prejuízos serão buscados no causador do dano. O seguro da cobertura P&I costuma cobrir o prejuízo com a carga a bordo. Os mais de 300 navios que aguardam a normalização do tráfego na via poderão recorrer aos clubes de P&I, desde que associados a eles, para minimizar eventuais perdas. Muitos navios terão custos adicionais de operação devido aos regimes de afretamento dos navios.
Os prejuízos econômicos e de não exploração do navio ou lucros cessantes não são vistos como uma cobertura comum do mercado. Estima-se que mais de 90% das embarcações não têm esse tipo de cobertura. Existe, porém, uma série de produtos que as seguradoras oferecem e que as empresas de navegação decidem contratar ou não. “Esse tipo de demanda vai tomar o judiciário e instituições arbitrais do globo inteiro. É provável uma enxurrada de ações”, projetou Leite.
Rodolfo Bokel, sócio da Globus Seguros, acredita que esse caso é bastante complexo porque os seguros envolvem uma série de apólices. “Entendemos que haverá um chamamento muito grande, principalmente para materiais perecíveis e insumos da indústria. Os clubes de P&I serão bastante afetados”, analisou Bokel. Ele ressaltou que os primeiros custos são da operação de salvamento e desencalhe do navio, que deve ficar por conta dos responsáveis pela embarcação.
Para Bokel, o número de ações será proporcional ao tempo em que o navio estiver obstruindo a passagem do canal. Ele acredita que ainda haverá grandes discussões para apurar as responsabilidades e os reais danos causados pelo atraso, podendo ser levado para câmaras de arbitragem. Bokel disse que, normalmente, os seguros cobrem as cargas perecíveis, porém outros custos dependem das apurações e de cada uma das apólices, devendo ser avaliado caso a caso. “As apólices que vão ressarcir o dano. Provavelmente, a seguradora vai correr atrás do direito de ressarcimento desse culpado. Isso vai se arrastar bastante”, comentou.
Para se ter uma avaliação mais precisa do que vai ser coberto ou não, é preciso ter acesso às apólices e condições gerais. Pelas declarações dos envolvidos, a percepção é que as seguradoras terão bastante trabalho. A dona da embarcação Shoei Kisen (Japão) e a Evergreen (Taiwan), operadora que afretou a embarcação, deverão ser acionadas. O seguro da embarcação e da operação é administrado pela UK P&I Club, que já declarou que tem cobertura de danos próprios e poluição causado pelo navio.
No entanto, a avaliação é que nenhuma dessas apólices será acionada para este sinistro. Agências internacionais afirmam que os riscos da carga, casco e maquinário estão segurados no mercado japonês, com limites em torno de 100 a 140 milhões de dólares. O gerente comercial da Galcorr, Bruno Borghetti, observa que as seguradoras devem seguir em silêncio sobre responsabilidade civil e danos terceiros, que seria o principal aspecto nesse caso, até a devida apuração.
“Se vai ter cobertura ou não,depende das condições contratadas, mas os terceiros envolvidos já falam a mídia em acionar os responsáveis sobre: perda de receita associadas às cargas do navio, prejuízo de outros navios afetados, além do custo de salvamento/desencalhe”, comentou Borghetti. Ele avalia que o momento é de acompanhar as próximas etapas para ver quem vai acionar os prejuízos, se vão ser pagos e por quem serão pagos: seguradora ou operador/cliente.
Nesta segunda-feira (29), a autoridade do Canal de Suez informou sobre a reflutuação do navio Ever Given. A operação teve êxito com as manobras dos rebocadores e a embarcação foi redirecionada em 80%. O almirante Osama Rabie, presidente e diretor executivo da Autoridade do Canal do Suez (SCA), anunciou que as manobras seguem durante a maré alta, permitindo a restauração total da direção da embarcação para que ela se posicione no meio da hidrovia navegável. A rota que passa pelo canal de Suez afeta o tráfego principal entre Europa e Ásia/Oriente Médio, que representa cerca de 12% do transporte mundial passa nesse canal.
O porta-contêineres de 400 metros de comprimento, 60 metros de coca e 200 mil toneladas de porte bruto, encalhou no Canal de Suez, no Egito, na última terça-feira ( 23). A autoridade local informou que o incidente ocorreu devido a uma tempestade de areia e a ventos muito fortes. O cargueiro encalhou diagonalmente no canal, impedindo o fluxo de navios e o transporte marítimo naquela passagem. Com 195 quilômetros de extensão, o Canal de Suez é responsável por conectar o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho e representa a rota mais curta do comércio marítimo internacional entre a Ásia e a Europa.
14/11/2024
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