Com a guerra no leste europeu entrando em uma nova fase, após novos ataques ofensivos – até então, atribuídos aos ucranianos –, que culminaram na recente explosão da ponte inaugurada em 2018 e que conectava a Rússia à Crimeia, os embarques de grãos da Ucrânia correm o risco de mais atrasos. Mas esse cenário pode continuar favorecendo o Brasil, principalmente em relação às vendas externas de milho.
Depois que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Turquia intermediaram um acordo com os russos, que permitiram a navegação das commodities agrícolas do país visto como inimigo, dados da plataforma Project44 indicaram um aumento no número de navios de cargas que saem dos portos da Ucrânia. Apesar de bem inferior aos níveis pré-guerra, o fluxo mensal de embarcações deixando aquele país, em setembro, foi 291% maior do que em julho – um salto de 58 para 227. No entanto, a escalada do conflito ameaça inviabilizar essa trajetória de crescimento em outubro.
Falta aproximadamente um mês para o término do acordo entre Ucrânia e Rússia, para a retomada das exportações de grãos pelo Corredor do Mar Negro, e isso tem gerado bastante apreensão em todo o mundo. Afinal, a Ucrânia é uma importante fonte de produtos agrícolas como sementes de girassol, milho e trigo, sendo o último consumido expressivamente pelo mercado brasileiro”, comentou o vice-presidente de Supply Chain Insights da project44, Josh Brazil, à Portos e Navios.
Ele ainda citou outros produtos agrícolas ucranianos com importantes volumes de exportação: canola, cevada e farelo de girassol, que são utilizados em rações animais. “Esse último também é providencial para o Brasil, por ser uma potência em proteína animal e que tem demanda reprimida por subprodutos similares, como o DDG (grãos secos de destilaria), para a indústria de nutrição animal”, salientou Brazil.
De acordo com ele, as 20 milhões de toneladas de grãos, aproximadamente, que ficaram retidas na Ucrânia após o início da guerra, que começou em 24 de fevereiro, tiveram efeitos sérios: “Em junho, segundo dados da FAO-ONU, os preços dos alimentos no mundo haviam subido 17%, e 21%, no caso dos grãos. O Corredor do Mar Negro, intermediado pela Turquia e a ONU, fez os preços caírem cinco meses seguidos”.
"Os efeitos foram positivos, mas naturalmente não resolveram tudo, pois houve congestionamentos nos portos romenos do Mar Negro. Em agosto, a Project44 registrou um pico de mais de 120 navios à espera para atracar e nem sempre foi possível contar com os grandes graneleiros para o escoamento. Além disso, a porcentagem de navios graneleiros – entre todos os demais navios, como os transportadores de minério e navios-tanque – é baixa, correspondendo por menos de 10%. Por fim, a capacidade no rio Danúbio e em seus portos, para lidar com o volume de grãos da Ucrânia, é insuficiente”, informou Brazil.
Segundo o executivo da Project44, antes do acordo intermediado pela ONU e Turquia em julho, a Ucrânia dependia quase inteiramente de transbordos através dos portos do rio Danúbio, na Romênia. “No entanto, isso provou ser um grande gargalo, devido à falta de infraestrutura e capacidade dos portos ao longo do rio”, acrescentou.
Milho
Na visão do especialista em agronegócios Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, o Brasil soube aproveitar o gargalo deixado pela Ucrânia, quando foi impedida de exportar seus grãos, principalmente o milho. “A única situação que pode impactar o agro brasileiro, envolvendo a questão de Ucrânia conseguir ou não dar maior tração aos seus embarques de grãos, está relacionada basicamente ao milho. Isso porque nós não concorremos com a Ucrânia em exportação de trigo, até porque também somos um importador. Os ucranianos exportam algo em torno de três milhões de toneladas por ano e isso vai para vários países, é bem diluído e não tem grandes implicações para nosso país”, analisou Cogo.
No caso do milho, ele reforçou que o Brasil – como segundo maior exportador mundial dessa commodity agrícola – aproveitou o vácuo deixado pela Ucrânia no mercado global desse tipo de grão, assim como a Argentina, até então, o terceiro maior exportador do mundo, enquanto o mercado ucraniano ainda ocupa o quarto lugar.
“O Brasil tinha, durante esse tempo todo, aproveitado bastante a ausência da Ucrânia no mercado de milho, além do fator que envolve a quebra da safra da Argentina. Resultado de todo esse cenário é que as exportações do milho brasileiro, entre janeiro e a parcial de outubro, cresceram 111% em volume, em relação ao mesmo período do ano passado”, informou o especialista.
Cogo também destacou que o Brasil está próximo do fim do período das exportações de milho, que deve seguir até o mês de janeiro do ano que vem, quando deve ser totalmente embarcado. Depois disso, os portos e terminais portuários ficarão ocupados com a soja. Mas o país ainda deve embarcar o grão em novembro e dezembro.
“Não creio que isso [a nova fase da guerra entre Rússia e Ucrânia] terá um grande impacto na exportação de milho do Brasil, ainda em 2022. Para o ano que vem, temos de avaliar se a Ucrânia realmente irá se posicionar, de novo, como um grande ofertante – principalmente de milho – no mercado internacional. Isso até poderia trazer algum impacto para nossas exportações, porém, a partir do final deste ano e início de 2023, o Brasil exportará milho para China, um país que não está em nossa carteira de portfólio de compradores desse grão”, contou Cogo, acrescentando que esse novo cenário poderia compensar alguma perda eventual de algum mercado, que possa ter o Brasil, para a Ucrânia.
"Estamos estimando entre 38 milhões e 40 milhões de toneladas de milho exportadas pelo Brasil, em 2022, e 48 milhões de toneladas estimadas para 2023. E isso independe da questão da Ucrânia”, analisou o especialista em agronegócio.
Fonte: Portos e Navios