Por Irina Cezar e Marcella Cunha
Tão cedo, não nos aproximaremos da equidade entre homens e mulheres, especialmente em cargos de alta liderança, inclusive no setor de logística. Apostas são feitas, mas ninguém sabe exatamente quando isso vai mudar. O Fórum Econômico Mundial divulgou dados atualizados no Global Gender Gap Report, que mede avanços e retrocessos de 146 países na equidade de gênero. O relatório revela que só alcançaremos a paridade geral em 134 anos. Isso significa esperar cinco gerações para resolver essa questão, que provoca debates acalorados.
O documento analisa quatro macroáreas: participação econômica e oportunidades, educação, saúde e empoderamento político. As áreas de saúde e educação têm pontuações altas, 96% e 94,9%, respectivamente. Isso indica que muitos países já implementaram ações de universalização para as mulheres. No entanto, a participação econômica e o empoderamento político ainda apresentam grandes desafios.
Neste artigo, focamos na macroárea de participação econômica e oportunidades. Nela, vemos o percentual global de apenas 60,5% de equidade entre mulheres e homens. Será necessário cerca de 152 anos para alcançarmos a igualdade salarial, oportunidades de carreira, um ambiente livre de assédio e acesso a cargos de decisão.
Nós, autoras deste artigo e parte da Geração Y (“Millennials”)[1], desejamos ver mudanças na composição de lideranças nas empresas ainda em nossas vidas. Poderíamos, inclusive, ser parte ativa dessa mudança, ocupando cargos de liderança na logística quando formos “jovens idosas”. Isso, claro, se não desistirmos da carreira, optarmos pela aposentadoria ou trocarmos de profissão no meio do caminho.
Vale lembrar que as pessoas estão vivendo mais e dedicando mais anos à vida produtiva. Ter duas ou mais profissões é uma realidade cada vez mais comum. Marci Alboher, autora do livro Uma pessoa/múltiplas carreiras: um novo modelo para o sucesso no trabalho/vida, cunhou o termo “Slash Career”, ou “carreira em barras”. Ela se refere à forma como muitos profissionais comunicam suas várias ocupações no currículo ou no LinkedIn. É cada vez mais comum ver perfis como “médica/atriz”.
A relação com a carreira hoje é muito diferente das gerações passadas. A Geração Z está menos preocupada com a estabilidade e mais disposta a experimentar novos caminhos, baseando-se em seus próprios interesses. Os “motivos particulares” nunca foram tão determinantes na escolha por permanecer em um ambiente profissional. Para o senso comum, é uma geração menos comprometida, mas também mais ágil e digital. “É ela quem escolhe a empresa e não o contrário” é uma frase comum no setor de logística.
Mas, voltando ao tema deste texto, conversamos com profissionais estratégicos de Operadores Logísticos nacionais e multinacionais, incluindo CEOs e heads de RH, ESG e Operações. Suas respostas nos levaram às seguintes conclusões:
Apesar da paridade numérica entre funcionários, as mulheres ainda estão longe da igualdade em cargos de alta liderança;
Em média, as gerações predominantes nas empresas, em ordem decrescente, são: Y (nascidos entre 1981 e 1996), Z (1997 e 2012), X (1965 e 1980) e Baby Boomer (1946 e 1964);
Considerando os grupos Alta Liderança, Operação/Inovação, Back Office em geral, e o que chamamos de “Chão de Fábrica”[2], as mulheres estão mais alocadas nas atividades de back office. Há uma desconfiança em relação às mulheres no chão de fábrica devido à natureza física do trabalho, mas isso vem mudando com o avanço da tecnologia e da robotização;
Entre as empresas entrevistadas, apenas duas possuem CEOs (Chief Executive Officers) e CFOs (Chief Financial Officers) mulheres. São um ponto fora da curva, representando menos de 10% da amostra. Este percentual provavelmente reflete o setor como um todo;
Sobre a postura de homens e mulheres da Geração Z durante entrevistas e contratações, ambos priorizam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal – ainda que nem sempre na logística, a depender da área, isso será possível. Porém, enquanto os homens negociam salários maiores, as mulheres buscam flexibilidade no trabalho, refletindo a desigualdade familiar e a sobrecarga das atividades domésticas. Ainda há uma tendência nas mulheres da Geração Z de ceder mais nas negociações, ao contrário dos homens, que se posicionam prontamente.
Felizmente, as mulheres vêm se destacando na área de inovação dentro do setor de logística, que inclui tecnologia. Dado bastante animador quando verificamos que apenas 1% das mulheres no Brasil trabalham com tecnologia, segundo pesquisa da Serasa Experian de março. Outra pesquisa indica que, embora 60% dos concluintes do ensino superior no Brasil sejam mulheres, nas áreas de TI, esse percentual caiu de 17,5% em 2012 para 15% em 2022.
Esses resultados corroboram os achados do Global Gender Gap Report, conforme as figuras abaixo. A primeira mostra que a participação global das mulheres na Cadeia de Suprimentos e Transportes caiu para cerca de 31,6% entre 2016 e 2024. No que se refere às lideranças, houve um leve aumento, atingindo aproximadamente 31,7%, ainda longe da equidade.
A segunda figura mostra o percentual de mulheres na Cadeia de Suprimentos e Transportes por grau de senioridade. A média global é de cerca de 15% de mulheres ocupando cargos C-suite, como CEO e CFO, um percentual superior ao que acreditamos ser a realidade brasileira.
Um último elemento a ser considerado é a cultura do “tempo de casa” e o percurso da liderança nas empresas de logística. A maioria dos homens que alcançam a presidência ou diretoria de operações tem mais de 40 anos e uma longa trajetória na empresa, geralmente de pelo menos uma década. Ainda que tenhamos evoluído consideravelmente em pesquisas mercadológicas e na construção de índices que medem a diversidade de gênero na logística, existe um verdadeiro deserto acadêmico quando debatemos o tema.
Embora muitas empresas do setor afirmem que têm tomado ações para promover mulheres, as principais iniciativas identificadas são a paridade de contratação percentual e as políticas de combate ao assédio, que se tornaram obrigatórias a partir da lei que instituiu o Programa Emprega + Mulheres e determinou que a maioria das empresas instaurasse ações de prevenção e combate ao assédio sexual. Isso representa um avanço importante, especialmente considerando que, em 2019, o mercado de logística e tecnologia era composto por 80% de homens, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua).
Desconhecemos um índice brasileiro que meça o nível de equidade no setor de logística, ainda que muitas empresas estejam realizando seus próprios mapeamentos e censos internos. Há índices isolados, como o Índice de Equidade do Setor de Transporte Rodoviário de Cargas 2024, que foca apenas no modal rodoviário e mostra que as empresas ainda precisam fazer muito para aumentar o percentual de mulheres na liderança, atualmente em 3%.
Apesar deste cenário adverso, no setor de logística, assim como em outros segmentos, há profissionais femininas que estão se tornando líderes. No entanto, raríssimas chegam ao cargo de CEO e, certamente, ainda temos um número insuficiente de diretoras nas áreas estratégicas. A maioria está majoritariamente no back office geral, de onde normalmente não surgem os próximos ou próximas CEOs, salvo raras exceções.
Com isso, resta a pergunta: o que pode ser feito para acelerar a presença das mulheres nos cargos de alta liderança da logística? A maioria das empresas exalta a abertura em promover mais mulheres. No entanto, se ações de empoderamento feminino e incentivo à liderança não estão ocorrendo, e a escolha de cargos de gestão se dá em moldes que as prejudicam, como o setor pretende resolver essa questão? A aposta deve ser no presente e nas profissionais de todas as gerações que ainda estão ativas, não apenas na Geração Z, cuja retenção e desenvolvimento são desafiadores. É preciso agir agora para garantir que a liderança na logística seja mais justa, representativa e não dependa da sorte.
Fonte: Jota