05/10/2021

Menos de 2% dos recursos arrecadados em concessões de transportes voltam Menos de 2% dos recursos arrecadados em concessões de transportes voltam

 Menos de 2% dos recursos arrecadados em concessões de transportes voltam Menos de 2% dos recursos arrecadados em concessões de transportes voltam


O setor de infraestrutura de transportes está entre aqueles que mais geraram arrecadações para os cofres públicos, por meio de leilões de concessão de aeroportos, ferrovias, portos e estradas realizados nas últimas décadas. Parte esmagadora desses recursos, porém, está longe de ser aplicada no próprio setor, cada vez mais estrangulado por falta de dinheiro que financie sua manutenção e ampliação.

Em vez de direcionar parte dessas arrecadações para a malha logística nacional, o governo usa o dinheiro para pagar aposentadorias, dívida pública federal, financiar órgãos de defesa nacional e saúde. No fim das contas, o que sobra é um valor irrisório para o transporte, se comparado a tudo que ele arrecadou.

O Estadão teve acesso a um estudo realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que avaliou as arrecadações das últimas duas décadas no segmento e verificou onde os recursos foram empregados. O levantamento “Infraestrutura de Transporte - Investimento e Financiamento de Longo Prazo” foi feito a partir de dados oficiais colhidos no sistema Siga Brasil, referente ao Orçamento federal, e órgãos como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) e a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR); e de bases de dados internacionais do Banco Mundial.

Entre janeiro de 2001 e junho de 2021, considerado o valor total de contas pagas pelo governo com recursos obtidos com concessões e permissões de uso na área de transporte, chega-se a um desembolso total de R$ 233,57 bilhões, em preços corrigidos pela inflação. Desse total, apenas 1,8% (R$ 4,10 bilhões) foram destinados para o setor de transporte.

Ao seguir a trilha dos recursos das concessões das duas últimas décadas, o levantamento revela que a maior parte dessa fortuna - 69,5%, o equivalente a mais de R$ 162 bilhões - foi sacada para pagar dívidas públicas do governo federal e demais encargos, como indenizações e restituições. A segunda atividade que mais sugou recursos das concessões logísticas é a Previdência Social. Foram R$ 29,6 bilhões (12,7%) para quitar contas de aposentadorias, mais de sete vezes o repasse destinado aos transportes.

A saúde ficou com uma fatia de 5,6% do bolo. Para a educação, foram outros 2,4%. O setor de energia ficou com 1,8%. De forma geral, os gastos com infraestrutura logística só superam aqueles destinados às áreas de comércio e serviços associados, que retiveram 1,5% do total.

Vander Costa, presidente da CNT, critica o forte desequilíbrio na destinação dos recursos, já que grande parte está voltada ao pagamento de contas e dívidas, em vez de serem aplicadas em ações efetivas de investimento que melhorem a infraestrutura nacional, dentro ou fora do setor logístico.

Em 2021, até o momento, praticamente toda a despesa dos valores oriundos de concessões e permissões foi alocada para pagamento da dívida.

“Descompassos de investimento prejudicam empresas e o crescimento do País. Garantir múltiplas formas de financiamento é essencial”, diz Costa. “A infraestrutura de transporte é a base para o funcionamento da economia. Dessa forma, quanto mais ela for desenvolvida, maior será a interação entre pessoas e mercados e, consequentemente, melhor será o desempenho socioeconômico.”

Caixa vazio
A falta de recursos da União para o setor de transportes agrava a situação já crítica e limitada da logística nacional, uma vez que as concessões para o setor privado estão longe de ser a resposta para todos os problemas. A viabilidade financeira das concessões é limitada, porque está diretamente associada à capacidade financeira de determinada estrada, terminal portuário, ferrovia, aeroporto ou hidrovia de gerar lucro. Grande parte dessa estrutura, portanto, sempre estará nas mãos do poder público que, por dever de Estado, deve mantê-la e ampliá-la, sempre que possível.

Uma parcela desse problema tem sido sanada com a emissão das chamadas “debêntures incentivadas” de infraestrutura, que prevê a venda desses papéis a investidores e alocação direta dos recursos exclusivamente no setor. O volume de negociação desses papéis, voltados especificamente para o transporte, teve um pico de R$ 6,5 bilhões em 2019. Entre janeiro e junho deste ano, já chegou a um montante de R$ 5 bilhões, mas ainda está longe de fazer frente a todas as necessidades do setor.

“Como se pode observar, as destinações dos recursos de concessões e permissões são as mais diversas, tanto entre funções orçamentárias quanto nos elementos dentro destas funções. Apesar disto, existe uma clara predominância para o uso desses recursos com a amortização do principal da dívida pública em detrimento de outras áreas, como é o caso do setor de transportes, este que já observou no passado cifras mais volumosas de recursos advindas dessa fonte”, afirma o relatório.

Segundo a CNT, os dados do levantamento apontam ainda que, como política pública, o processo de ampliação da malha nacional foi colocado em segundo plano. Instituições públicas que, nos últimos anos, tiveram papel crucial para financiar a expansão do setor - como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) -, seguem a mesma tendência de baixa no investimento promovido pelo governo em infraestrutura. O desembolso total do BNDES para a infraestrutura no transporte, em 2020, foi de apenas 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), uma fração mínima se comparada ao volume de 0,9% registrado em 2010.

A CNT alerta para a necessidade de que seja adotado um plano de longo prazo no segmento e que este tenha como objetivo não apenas a manutenção, mas também a expansão da infraestrutura em todos os modais de transporte.



Fonte: Valor Econômico

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