29/10/2021

Inovação é fator chave para os negócios

 Inovação é fator chave para os negócios


A década de 2020 será marcada pela forte influência da tecnologia na reestruturação da economia e dos negócios. Avanços técnicos e científicos em diversas áreas do conhecimento colocam à disposição das empresas um poderoso arsenal para o desenvolvimento de produtos e serviços, reestruturação de processos e reinvenção dos modelos de operação e atendimento ao consumidor.

A lista inclui recursos de ciências da computação, biotecnologia, nanotecnologia, novos materiais, química verde, entre outros. “Houve um aumento sem precedentes na adoção de tecnologias emergentes. É um momento de ruptura”, define Gerson Charchat, sócio da Strategy&, braço de consultoria estratégica da PwC.

Lidar com um cenário pautado pelo conhecimento exigirá mais disciplina e investimentos em inovação – garantindo, não só a competitividade, mas a sobrevivência das corporações. Em pesquisa realizada para o anuário Valor Inovação Brasil 2021, a Strategy& apurou dados que confirmam o ganho de relevância da inovação.

Do total de empresas entrevistadas, 50% declararam que a inovação é a principal estratégia da empresa – um crescimento de 13 pontos percentuais em comparação ao ano passado. “Esse dado retrata uma guinada das empresas instaladas no país”, comenta Charchat.

A “virada de chave” é confirmada por mudanças culturais, que devem fomentar ideias e projetos. Na amostra analisada, 73,6% das empresas afirmaram que são tolerantes a erros e possuem políticas para estimular e reconhecer funcionários que inovam. No orçamento destinado à inovação, Charchat também aponta evoluções.“Ao computar os dados das 20 empresas mais inovadoras do país, identificamos que 33% delas investem mais de 5% da receita líquida em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, diz. No total da amostra, 22% das empresas aplicam este percentual.

A pesquisa ouviu 226 empresas, de 23 setores da economia, e ao todo avaliou 954 casos de inovação. Da amostra, 57 empresas fazem parte do grupo das 100 maiores companhias em faturamento do país. A receita líquida somada das participantes é de R$ 3,1 trilhões e, juntas, essas companhias aportaram R$ 51 bilhões em inovação no passado. “É um grupo representativo e que dá o tom dos aportes em P&D no país”, salienta Charchat.

De acordo com o executivo, as grandes tendências podem ser divididas em três grupos: a adoção tecnológica (utilização de ferramentas ou soluções capazes de transformar a operação), a incorporação técnica (para mudar o modelo de negócios e desenvolver produtos e serviços) e a busca por métricas e soluções capazes de responder às demandas ambientais, , sociais e de governança, ou ESG na sigla inglesa. “As estratégias são amplas, englobam desde P&D dentro da empresa até parcerias internacionais e aquisição de startups”, explica.

No universo das mais inovadoras do país, está clara a necessidade de investir para adaptar o negócio aos desafios de mercado. No grupo entrevistado, 21% das empresas afirmaram que mais de 30% da receita líquida do ano passado foi obtida por meio de inovações. É o caso da Embraer, que afirma que 43% das receitas de 2020 vieram de inovações desenvolvidas nos últimos cinco anos. “O setor de aviação foi um dos mais impactados pela pandemia e teve de impulsionar os planos”, comenta Charchat.

No grupo pesquisado, manter ou aumentar os aportes em inovação é considerado estratégia anticíclica. Na Vale, a visão de longo prazo tem espalhado a névoa provocada pelo cenário atual. Segundo a companhia, os investimentos em P&D vão crescer em 2022. Saltando dos atuais US$ 600 milhões para algo entre US$ 750 milhões e US$ 800 milhões.

Já na ponta do custo, a adoção de tecnologias e novos processos respondeu, em 28% das empresas, por reduções entre 20% e 30%. No mesmo quesito, 10% delas computaram reduções acima dos 30%. O desempenho foi impulsionado pela automação e reestruturação de processos, movimento seguido por empresas da economia tradicional e nativas digitais.No Mercado Livre, o aumento da demanda no e-commerce, exigiu aportes em tecnologia, inovação e infraestrutura. A meta é fazer entregas cada vez mais rápidas e fortalecer a empresa no ramo de marketplace. Para isso, anunciou investimentos de R$ 10 bilhões no Brasil, que darão sequência à expansão da malha logística e dos serviços financeiros do Mercado Pago.

Rafael Navarro, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) – entidade parceira do anuário Valor Inovação Brasil 2021 –, confirma que a pandemia do novo coronavírus acelerou, e muito, o ritmo dos projetos. “As empresas tiveram de reavaliar as iniciativas”, comenta. Segundo ele, para as companhias. Segundo ele, para as companhias que já investiam constantemente em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&DI), foi mais fácil adaptar o negócio às medidas sanitárias necessárias e ao novo cenário econômico. Entre as estratégias, ele destaca saltos na transformação digital, que muda a dinâmica dos ecossistemas de inovação e promove o avanço científico com base em dados. Ainda de acordo com ele, o uso de ferramentas como big data e inteligência artificial é um passaporte para a indústria 4.0 e tem promovido um processo abrangente de inovação nas empresas.

Na Dow, afirma Claudia Rueda, diretora de pesquisa e desenvolvimento e serviços técnicos para a América Latina, a constância na inovação permitiu reação rápida às demandas urgentes da crise sanitária. “Em tempo recorde desenvolvemos novas formulações de álcool em gel e conseguimos nacionalizar insumos utilizados, aumentando a capacidade de produção local”, diz. A estratégia envolveu adaptações na fábrica de Hortolândia (SP). “Investimos ainda na fabricação de filmes plásticos aplicados em roupas de proteção para equipes médicas”, complementa.

A diferença na atuação e na capacidade de reação das empresas inovadoras frente ao observado em companhias que não investem em inovação escancarou a necessidade de estimular a redução da lacuna tecnológica existente no país. “No Brasil, os avanços acontecem a passos lentos, quando comparados com Estados Unidos, Europa e Ásia. Temos de superar este gap para melhorar o ciclo de inovação e a produtividade”, comenta Navarro. Ele ressalta que apoiar P&D dentro das empresas é a melhor forma de posicionar o Brasil entre as grandes potências mundiais, na economia e na promoção da qualidade de vida da população.

É um grande desafio. Fernanda De Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que, fora do seleto grupo de empresas inovadoras, a realidade tem sido bem diferente. “Nós observamos queda nos investimentos públicos e privados em inovação, o que é bastante preocupante”, alerta. Para ela, a crise econômica que afeta o país desde 2014, aliada ao esvaziamento das políticas públicas para ciência e tecnologia, tem desestimulado as empresas. “É o investimento público que puxa o privado.”

Os dados da última pesquisa de inovação tecnológica (Pintec), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, já davam sinais de arrefecimento nos gastos com atividades de inovação nas empresas brasileiras. Os dispêndios caíram de R$ 80 bilhões \2014] para R$ 67 bilhões \[2017]. Os investimentos em P&D também registraram queda, saindo de R$ 33,6 bilhões para R$ 32,6 bilhões, nos anos comparados. Como resultado, o investimento em P&D em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 0,61% para 0,5%. A regressão representou um banho de água fria nas ambições do país de se posicionar nas cadeias globais de valor. “A nova Pintec, que está para sair, deve trazer números ainda piores”, adianta Fernanda.

A economista ainda observa que o incentivo à inovação deve permear a agenda econômica. Sem enfrentar os problemas estruturais, será difícil promover a ciência, a tecnologia e a inovação”, diz. Entre eles, ela cita a baixa competitividade da economia (interna e externa), ambiente de negócios complexo e sistema tributário regressivo. “As tecnologias novas são mais tributadas, o que implica custo maior de adoção”, comenta. Um exemplo está no carro elétrico, que paga mais imposto que o automóvel com motor a combustão. O subsídio ao carvão como fonte energética também é citado por Fernanda. “Vamos premiar as tecnologias verdes e ampliar o acesso à inovação ou continuar a beneficiar o que está ultrapassado?”, questiona.

Rodrigo de Araújo Teixeira, superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e membro da secretaria executiva do movimento capixaba pela inovação, afirma que a agenda ESG é imperativa em todos os setores, da mineração à energia verde.“Muda a dinâmica da pesquisa e desenvolvimento, criando uma pauta integrada entre inovação e sustentabilidade.” De acordo com ele, a pandemia trouxe urgência para um pensamento sistêmico sobre o uso racional de recursos naturais, a necessidade de desenvolvimento social e de estabelecer transparência nas relações de negócios.

Na seara das startups, ele vê oportunidades para quem se dedicar a negócios de impacto, aqueles dedicados a solucionar os desafios ESG. “Os objetivos do milênio, listados da agenda da Organização das Nações Unidas, são responsabilidade de todos, não só dos governos”, comenta, lembrando que, para alcançá-los, será preciso articulação e investimento em pesquisa e desenvolvimento. “Sem inovação, não há ESG”, afirma.

A Braskem, segundo Antonio Queiroz, vice-presidente de inovação, tecnologia e desenvolvimento sustentável, estabeleceu um índice de sustentabilidade para os projetos de inovação. Hoje, 80% das iniciativas devem estar comprometidas com o tema. Em 2030, serão 90%. “Todos os projetos devem trazer alguma contribuição positiva para a reciclagem do plástico, segurança química, redução de emissões de CO2 e diminuição do consumo de energia e água”, comenta.

Jorge Guimarães, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), lamenta que a inovação não é prioridade para o governo. “Se fosse, nós teríamos maior nível de financiamento”, diz. Como exemplo, ele aponta os Tigres Asiáticos, que apostaram na via da pesquisa e do desenvolvimento, aportando recursos públicos para criar uma cultura inovadora.

A receita é testada pela própria Embrapii, cujo modelo é dividir os riscos dos projetos com as empresas. Com o orçamento atual, já foram realizados 1,3 mil projetos em parceria com institutos de pesquisa e empresas – 70% deles geraram patentes. Em sete anos, foram aplicados R$ 1,8 bilhão. “Temos projetos muito ousados em áreas como mineração, energia e manufatura. Quando há coordenação e recursos, é possível unir o melhor da academia e das empresas, criando soluções engajadas com o desenvolvimento econômico e social do país”, afirma Guimarães.

Ele destaca o reconhecimento internacional do meio acadêmico brasileiro e da criatividade. “As unidades Embrapii têm acordos de cooperação com instituições em centros importantes como Canadá, Reino Unido e Israel”, diz. A relação facilita a transferência de tecnologia entre os países e a cooperação técnico-científica, além de encorpar a carteira de financiamento. A cooperação internacional é uma das estratégias apontadas por 84,6% das empresas ouvidas na pesquisa para este anuário. “Há uma busca pela inserção internacional das inovações brasileiras, o que é muito positivo”, complementa Charchat, da Strategy&.

Em outra ponta, a inovação aberta tem crescido com o fortalecimento do ecossistema, irrigado por um número crescente de startups. Alessandro Rizzato, diretor do IPT Open, explica que, pela lógica da inovação aberta, a empresa identifica, primeiro, o potencial de mercado para seu projeto de inovação e, a partir daí, busca as competências técnicas para a execução. Entre as estratégias estão programas de incubação e aceleração de startups. “Na área de tecnologia digital, vemos uma quantidade relevante de ambientes de inovação, e isso mudou a relação das empresas com as novatas”, explica Rizzato.

O IPT Open se tornou um hub científico, com infraestrutura capaz de abrigar e testar projetos cujo objeto está no desenvolvimento de produtos que dependem da ciência. São iniciativas mais ousadas, caras e arriscadas. “Aqui temos laboratórios acessíveis a startups da área de biotecnologia, nanotecnologia, energia e materiais”, comenta Rizzato.

Segundo ele, encurtar o caminho da aplicação do conhecimento científico no mercado é essencial para a inovação brasileira. “Temos cadeias produtivas, como a mineral e o agronegócio, que demandam esse tipo de projeto”, completa.

Pedro Prates, cofundador do Cubo Itaú, confirma que o ecossistema digital brasileiro já ganhou musculatura suficiente para brigar por recursos. “Está na hora de avançar na agenda e colocar mais startups na bolsa”, diz. Segundo ele, nos últimos cinco anos, as grandes corporações aprenderam a trabalhar com as startups e o Brasil viu o surgimento de empresas unicórnio (avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), entrando para o mapa global de inovação. “Há muita tecnologia pronta para ser aplicada. Vimos startups crescerem de forma exponencial por atenderem, prontamente, à demanda de aceleração digital”, comenta.

As grandes empresas já estão conectadas e apoiam o ecossistema. Deixaram de observar para atuar nele. “É uma estratégia de sobrevivência. Inovação significa crescimento sustentável a longo prazo”, comenta. Do ponto de vista de atração de capital, Prates afirma que bons projetos têm facilidade para encontrar investidores e é preciso aproveitar a onda de liquidez internacional, que aumenta o apetite ao risco, para impulsionar projetos inovadores. “O Brasil é um país grande e com muitas ineficiências para resolver nas cadeias produtivas”, explica. Para as nativas digitais, isso significa um mercado fértil e lucrativo. “O dinheiro vai fluir para os bons projetos.”



Fonte: [Valor

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