As turbulências no comércio marítimo global e nos portos brasileiros elevaram os fretes da navegação de contêineres a um patamar próximo ao da pandemia nos últimos meses. Com o início da temporada de pico, os preços devem seguir pressionados ao menos até o fim do ano, segundo especialistas.
A principal rota de importação do país, da Ásia para o Brasil, que no auge da crise logística gerada pela pandemia em 2021 superou os US$ 10 mil por contêiner, hoje está em cerca de US$ 7.250, no mercado de curto prazo, segundo a consultoria Solve Shipping. Em julho, o preço chegou a bater US$ 9.350, mas recuou após empresas de navegação reforçarem a rota nas últimas semanas.
Há um conjunto de fatores que tem pressionado os preços. O principal deles são os ataques a navios no Mar Vermelho, por parte do grupo houthi do Iêmen, em resposta à guerra de Israel. O conflito, que tem desestabilizado o comércio marítimo global, na prática impede que os navios maiores atravessem o Canal de Suez, o que significa que as embarcações que vão da Ásia para Europa e Estados Unidos precisam dar a volta pelo sul da África - trajeto mais demorado e caro.
Para o Brasil também há efeitos, porque parte da carga que vem da Ásia passa pela Europa. Além disso, como as cadeias logísticas são globais, o impacto de falta de espaço nos navios e de contêineres é generalizado. “O conflito drenou todos os navios disponíveis, hoje a frota ociosa no mundo é de menos de 1%, sendo que a taxa costuma oscilar entre 5% e 8%”, diz Leandro Barreto, sócio da Solve Shipping.
Para além do cenário global, analistas apontam gargalos nos terminais de contêineres brasileiros, que estão com demanda alta e enfrentam filas. Nos últimos meses, o setor sofreu uma redução da capacidade: houve uma interdição temporária de um berço do terminal da BTP em Santos (SP); o porto de Itajaí (SC) ficou sem operador, após o fim do contrato da Maersk; e se iniciou uma reforma em Navegantes (SC).
Segundo os dados da Solve Shipping, hoje, duas rotas no Brasil sofrem mais com o aumento de preços: além das viagens de importação da Ásia para o Brasil, o trajeto de exportação do Brasil para os Estados Unidos teve aumento recente dos fretes, em grande medida pelo congestionamento dos portos locais, na avaliação de Barreto.
Ele explica que, no trajeto até a costa americana, há apenas dois serviços, então se um deles sofre atraso, o efeito é ainda maior do que na rota da Ásia, em que há ao menos cinco viagens por semana. Além disso, um dos serviços para os EUA atraca justamente nos terminais da BTP e Navegantes, dois portos que estiveram com lotação alta nas últimas semanas.
Segundo Andrew Lorimer, presidente da consultoria Datamar, há ainda outra rota impactada pela crise no Mar Vermelho, das exportações do Brasil para o Oriente Médio, em especial de carnes. “Neste caso, o problema é o ‘transit time’ [tempo da viagem], que dobrou. O que era 30 dias, agora é mais de 60”, diz.
Além dos problemas logísticos, a demanda de importação no Brasil aumentou nos últimos meses, afirma Rafael Dantas, diretor comercial da empresa de logística Asia Shipping. “Houve uma alta surpreendente em diversos segmentos. O mercado automobilístico ficou aquecido, teve o fator da alta de importações da BYD, mas outras áreas também estão fortes, como a importação de polímeros de plástico, de placas solares, de pneumáticos, entre outros”, afirma. “Estamos vivendo uma situação crítica nos portos brasileiros. Houve redução na capacidade portuária e aumento de volumes. Foram vários problemas que pressionaram a logística”, diz ele.
Dantas vê com preocupação o cenário para a temporada de pico, neste terceiro trimestre. “Acredito que haverá atraso de mercadoria para o Natal. Mesmo os importadores precavidos, que anteciparam os pedidos no Sudeste, tiveram tempo de trânsito aumentado em 50% pelos problemas no Mar Vermelho e congestionamento nos portos.”
Um fator adicional que se soma aos diversos entraves é a demanda por combustíveis menos poluentes, segundo Lorimer. Hoje, o abastecimento é feito basicamente em Cingapura, onde há um grande congestionamento.
Para ele, não há perspectiva de melhora, e inclusive existe um risco de piora nos próximos meses. “O frete pode aumentar um pouco, porque o pico do ano é entre agosto e setembro. Mas não deve chegar ao nível da pandemia.”
Barreto avalia que alguns fatores devem aliviar a situação, em especial nos portos brasileiros, dado que o berço da BTP já foi reparado e voltou a operar, e que Itajaí deve retomar a operação de contêineres. Porém, ele tampouco acredita em um avanço da situação. “Vamos ter de esperar. Até Navegantes voltar à capacidade total, em 2026, a coisa vai andar pressionada. Também vão entrar agora as safras de algodão, café, açúcar, então não vai dar para perceber melhora.”
Fonte: Valor Econômico