Os operadores de ferrovias se preparam para adotar o sistema de autorregulação, uma inovação incluída no novo marco legal do setor, aprovado no fim do ano passado. A ideia é que regras operacionais e técnicas sejam transferidas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para uma entidade privada, criada pelas próprias empresas.
Os atuais operadores defendem que esse papel seja assumido pela ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários). Porém, essa decisão e os termos de como será a transição terão que passar por regulamentação adicional (o que deverá vir por decreto) e por discussões entre empresas e órgão regulador.
A autorregulação deverá se aplicar apenas a temas de padronização técnico-operacional. Por exemplo: a idade máxima para o uso de material rodante; a velocidade que trens podem imprimir em determinada curvatura; regras específicas de segurança no transporte de cargas perigosas.
Também terá a função de conciliar conflitos entre empresas, exceto quando estes forem de natureza comercial e concorrencial. A ANTT, que segue como reguladora de assuntos econômicos, também atuará como supervisora da entidade autorreguladora.
“A ideia é deixar a ANTT focar na regulação econômica e delegar a parte técnica às empresas, que conhecem o dia a dia da operação. Hoje, há temas específicos que são regulados de forma inadequada porque a agência federal não tem essa vivência e acaba muitas vezes assumindo uma postura excessivamente cautelosa”, avalia Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF.
Ele cita como exemplo o transporte de combustíveis. Hoje, ferrovias como a Transnordestina e a Norte-Sul já têm operações relevantes desse tipo de carga, porém, a avaliação é que o potencial de expansão do segmento é muito grande, a partir da autorregulação. “Hoje as normas da ANTT trazem muita dificuldade e inibem o transporte de combustíveis por ferrovias. Com a nova lei, isso poderá mudar”, diz.
Questionada sobre o novo modelo, a ANTT afirma que sua interferência nos temas que forem repassados à entidade de autorregulação será exceção. Porém, caso as normas afetem a competitividade do mercado, deverá haver atuação de “órgãos de defesa da concorrência e do regulador ferroviário”. A agência diz que ainda está estudando de que forma será feita essa fiscalização do autorregulador ferroviário.
O órgão também afirma que a edição de regras pelo autorregulador não impede que a ANTT também tenha normas sobre o mesmo tema, porém, sob outra ótica, por exemplo, do acompanhamento da prestação do serviço. Portanto, a agência irá analisar caso a caso a necessidade de revogar suas resoluções em vigor.
Para analistas, o modelo de autorregulação é uma novidade no segmento de concessões de transportes, mas já é bastante conhecido em outros setores. Um caso de referência é o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Outro exemplo citado é o do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que tem uma atuação semelhante, avalia Patrícia Sampaio, professora da FGV Direito Rio.
Para ela, o modelo de autorregulação no geral traz benefícios e riscos. O lado positivo é que as normas são feitas com mais conhecimento técnico, tendem a ter mais adesão e menos questionamentos e judicialização. Por outro lado, há alguns pontos de atenção. Por exemplo, o risco de criação de barreiras de entrada a novos entrantes, por meio de normas que só os grandes grupos são capazes de cumprir, ou o risco de uma coordenação de operadores que, eventualmente, possa gerar boicote a outros atores do mercado, explica.
No caso específico do setor ferroviário, Sampaio avalia que, o fato de as normas serem direcionadas a temas técnico-operacionais, e não econômicos, esses riscos são mitigados. “Ainda há alguma possibilidade de se criarem barreiras de entrada, mas que ainda pode ser dirimido a depender da regulamentação da lei”, diz.
“É importante que haja muita transparência na elaboração de regras, com consultas públicas, além de um estatuto que garanta representatividade a operadores grandes e menores, autorizatários e concessionários, federais e subnacionais”, afirma.
Para Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer, o risco de uma captura da entidade autorreguladora é mitigado pela atuação que a agência federal deverá seguir exercendo. “Em caso de conflitos sobre as regras, a palavra final continua da ANTT, do Cade Conselho Administrativo de Defesa Econômica]”, diz.
Ele avalia que o modelo traz muitas vantagens, não só pela qualidade das normas editadas, mas também por desafogar a ANTT. Porém, o advogado afirma que ainda há muitas dúvidas sobre como o modelo irá evoluir. “É uma novidade, uma mudança em fase muito embrionária.”
Fonte: [Valor Econômico
27/11/2024
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