Entre a Serra da Mantiqueira e o corredor rodoviário da Fernão Dias, Extrema seria apenas mais uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais, bem servida de histórias e pontos turísticos. Seria, não fosse a abundância de indústrias e galpões logísticos espalhados pelas duas margens da rodovia que liga São Paulo a Belo Horizonte.
Esses quatro polos industriais garantem ao município cerca de 25% da movimentação do ecommerce brasileiro e geram um desequilíbrio em outras frentes: sobram vagas de emprego e faltam imóveis para quem chega para trabalhar. Para quem vive lá, o custo de vida também fica maior.
A cerca de cem quilômetros dali, Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, vive situação similar. Com 142 empresas do setor logístico funcionando em seu entorno, a cidade vê faltar moradia, reduzindo as chances de reverter o papel de cidade dormitório, como são chamados os municípios cuja população só retorna para dormir.
O governo municipal de Cajamar calcula que 4 em 10 compras feitas online no Brasil sejam despachadas de centros de distribuição instalados no município.
Também em comum, as duas têm políticas fiscais para tornar a instalação mais atraente. Em Cajamar, a legislação permite redução no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), mas as empresas precisam cumprir duas contrapartidas: garantir 50% de contratações entre moradores da cidade e investir de 2% a 5% do custo da obra em infraestrutura municipal.
Em Extrema, a política mais agressiva é a estadual. O governo mineiro tem um regime especial de tributação para o ecommerce que dá redução de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), podendo chegar a alíquotas efetivas de 1% sobre as vendas.
Fernando Passalio, secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, diz que o município fez a lição de casa. "Investiu em distritos industriais e, desde 2019 tem uma atração mais robusta de indústrias centros de distribuição", afirma.
Ele calcula que os condomínios logísticos empreguem cerca de 20 mil pessoas na região e diz que o crescimento de Extrema está se espalhando para outros municípios, puxando mão de obra também do entorno. O município também concede benesses, como isenção de ISS (Imposto Sobre Serviços) da obra e desconto nos alvarás, que são estudadas caso a caso.
Segundo a agência Invest Minas, 27 projetos de logística e centros de distribuição estão instalados em Extrema, sete dos quais ainda em implantação. A projeção do governo é que eles gerem 2.400 empregos diretos.
Mônica Vieira, da secretaria de Desenvolvimento Econômico, diz que diariamente é abordada por empresas interessadas em discutir benefícios para instalação na cidade.
O maior empreendimento em construção é o complexo logístico BWP Business Park, que terá, quando estiver pronto, cerca de 170 mil metros quadrados de área bruta locável instalados em um terreno de 691 mil metros quadrados. A primeira parte, de 72 mil metros quadrados foi entregue no fim do ano passado e está locada para a Via (antiga Via Varejo). O investimento total é de R$ 350 milhões.
Vieira, do Desenvolvimento Econômico, diz considerar o condomínio a consolidação da expansão da rede logística do município, que agora quer olhar em outra direção. "Nós fortalecemos o topo, agora é hora de fazer as médias e pequenas indústrias e empresas crescerem, para que elas também sejam parte desse crescimento."
Em outra frente, o município diz ter em estudo projetos para a construção de 10 mil imóveis. A falta de moradias inflaciona os aluguéis. Maria Regina Luz, 44, "nascida e criada" em Extrema, diz que esse é o único defeito da cidade.
"Quem quiser trabalho pode vir que tem, mas é difícil achar aluguel de [imóvel] de dois quartos por menos de R$ 1.600 por mês."
Dionísia Gomes, 28, deixou a região norte de Minas há pouco mais de nove anos e foi para a Extrema em busca de trabalho. Lá, foi funcionária da Bauducco até 2020 e cogitou viver na cidade, mas acabou se instalando no município vizinho, Itapeva, onde os aluguéis eram mais baratos.
Para José Cícero, 36, que trabalha no comércio, o fluxo de novos trabalhadores dificulta as negociações de aluguéis. "Um vai embora, vem dez interessados."
O aluguel de um apto de 53 metros quadrados na região central fica na faixa de R$ 1.400. Quitinetes em regiões próximas aos distritos industriais já são alugadas por R$ 1.500.
Pedro Vieira da Silva Neto, 34, sai todos os dias de Bragança Paulista (SP) e vai para Extrema vender capas protetoras para bancos de carros. "Aqui vende rápido porque o pessoal tem dinheiro", diz. Em uma tarde de trabalho, vendeu seis protetores, que negocia por preços entre R$ 100 e R$ 200, a depender do quanto o comprador estiver disposto a pechinchar.
Segundo o IBGE, a remuneração média mensal no município era de 2,4 salários mínimos em 2019. Em 2022, o piso salarial no município é de R$ 1.600, mas o empresário Valdemir Grespan, 52, diz que por menos de R$ 2.000 não consegue contratar vendedor para a loja de materiais de construção que administra às margens da Fernão Dias.
De janeiro de 2020 a janeiro de 2022, Extrema abriu 8.066 novos postos de emprego. O estoque de vagas de trabalho é de 57,1 mil posições. Simone Couto, da consultoria de RH Minas Perfil, diz que Extrema vive hoje duas urgências: mais capacitação de mão de obra e salários mais altos. "O pessoal troca de emprego por R$ 50 a mais, e isso é ruim também para as empresas", diz.
A preocupação com a qualificação profissional é compartilhada também com Cajamar, que começou a construir um centro de capacitação voltado para atender o setor logístico. A ideia, segundo o prefeito Danilo Joan, é criar programas customizados às empresas. Desde janeiro de 2020, Cajamar abriu 7.381 vagas formais.
A chegada de tantos condomínios de galpões também levou a uma mudança legislativa importante para a cidade, que passou a cobrar ISS pelo estoque mantido na cidade. Chamada de lei do estoque, a norma fez dobrar a arrecadação do governo de Cajamar com ISS —de cerca de R$ 60 milhões para R$ 120 milhões anuais.
A cidade acumula cerca de 2 milhões de metros quadrados em galpões e outros 25 milhões livres. Entretanto, Joan diz que a prioridade para essas áreas ainda não exploradas é outra. "Precisamos criar uma cidade nova. Falta moradia hoje na cidade, e o que tem disponível, vende rápido."
José Augusto Viana, do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de SP, diz que as condições econômicas atuais fizeram incorporadores adiarem projetos. A combinação de Selic (taxa básica de juros) e inflação em alta mais as oscilações de preços dos materiais de construção tornaram altos demais os riscos das obras.
"Se lançar hoje, vende tudo em um fim de semana, mas há muita dúvida quanto à capacidade de esse comprador aprovar financiamento bancário daqui dois ou três anos", diz. O efeito dessa hesitação aparece sobre o mercado secundário, onde sobram apenas os usados para serem negociados.
Para locação, apartamentos de dois quartos e metragem entre 50 e 55 metros quadrados, na região central, são encontrados por cerca de R$ 1.400.
Em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza (CE), a expansão da rede logística a partir dos galpões é uma aposta para conseguir reter moradores. Segundo a prefeitura, somente 10% de sua população trabalha no município.
"Com o crescimento desses setores, milhares de novos empregos serão gerados, o que possibilitará ao Caucaiense não se ver obrigado a se deslocar para a capital", diz o governo municipal.
Desde o ano passado, a gestão oferece incentivos fiscais para empresas sob o compromisso de que ao menos 80% das contratações serão entre moradores do município. As empresas também têm de assumir a capacitação desses trabalhadores.
Atualmente, governo municipal diz estar em fase final de negociação com um grupo do setor logístico para a construção de um condomínio de 150 mil metros quadrados e com a previsão de abertura de 6.000 vagas formais (o saldo de posições com carteira assinada mantidas na cidade desde janeiro de 2020 é de 4.569 postos, segundo o Caged).
A localização do estado do Ceará é vista como uma vantagem competitiva para transformar a região em um conector da região Nordeste, diz Julio Cavalcante, secretário de Desenvolvimento Econômico do Ceará.
O Brasil é muito extenso, e não tem por que concentrar os centros de distribuição todos no Sudeste. O PIB dos estados do Nordeste só perde para Argentina e Chile na América do Sul", afirma. Fica na região metropolitana de Fortaleza o porto de Pecém, que em 2021 chegou a 22 milhões de toneladas em cargas movimentadas, um recorde em 20 anos de atividade.
MERCADO DE GALPÕES ATINGIU PICO DE CRESCIMENTO
O avanço do setor logístico nos municípios —e no país, como um todo— não começou com a pandemia, mas foi potencializado por ela. O período de distanciamento social acelerou o crescimento do ecommerce, incluindo milhões de novos consumidores nesse tipo de compra.
Em 2019, a consultoria Ebit|Nielsen calculava que 10,7 milhões de compradores tinham feito suas primeiras compras online. No ano seguinte, foram 13,1 milhões de novos consumidores, e em 2021, 12,9 milhões, chegando a um total de 87,7 milhões de compradores online.
Foi essa massa de consumidores que deu tração para o mercado de galpões, tanto para a instalação de centros de distribuição de varejistas quanto para garantir estoques. A manutenção de insumos e produtos prontos foi retomada por diversos setores a partir da pandemia como forma de evitar atrasos em entregas e oscilações de preços de matérias-primas.
Em 2021, o setor bateu recordes de entregas, com 2,2 milhões de novos metros quadrados, melhor resultado desde 2013, segundo a consultoria imobiliária SiiLA. Agora, as empresas que monitoram o setor veem chegar um momento de consolidação e alguma preocupação com excesso de oferta.
André Romano, da consultoria JLL, diz que municípios como Cajamar e Jundiaí ainda são os polos mais importantes para o setor, pois atendem a concentração de consumidores do estado de São Paulo.
"O que trouxe descentralização da logística é o fenômeno do ecommerce e as questões tributárias", diz. Depois de Extrema, Romano vê chances de crescimento nas regiões metropolitanas de Recife e Fortaleza.
Para Abiner Oliveira, coordenador do comitê de Real State da Abralog (Associação Brasileira de Logística) e diretor da consultoria Colliers, os entornos de Vitória (ES) e de Itajaí (SC) também têm potencial de absorção para logística nos próximos anos. "A pandemia trouxe gargalos evidentes, gerando movimentos de descentralização industrial."
Dados da consultoria Binswanger apontam 2 milhões de metros quadrados em construção atualmente, o que deve elevar a taxa de vacância em 2022 e 2023. Em 2021, o percentual de galpões vagos estava em 11,5% e pode ficar entre 16,7% e 18,6%, segundo projeções da consultoria.
Os preços médios de locação têm tido pouca variação, apesar da vacância ainda baixa o que, na avaliação do diretor da Binswanger, Nilton Molina Neto, indica que o mercado está se antecipando às novas entregas previstas para os próximos 18 meses.
Fonte: Folha de SP