Embora 10 milhões de brasileiros ainda estejam desempregados, dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que o Brasil precisará formar 4,2 milhões de trabalhadores para a economia digital até 2025. Levantamento do Senai mostra que os oito setores mais necessitados são: mineração e metalmecânica, logística e transporte, infraestrutura e urbanismo, tecnologia da informação, eletroeletrônica, automotivo, telecomunicações e energia.
Diante do desafio, especialistas em educação ouvidos pelo Valor apontam que o país precisa aprimorar um modelo de ensino que prepare os jovens para o mundo do trabalho desde o ensino fundamental e médio, preferencialmente com a parceria de empresas durante o processo. Isso, porém, não deve vir em detrimento do ensino superior, que bem ou mal se apresenta como a opção real de profissionalização existente no país atualmente.
“Apesar da Constituição, no artigo 205, dizer que é responsabilidade da educação básica formar para o mundo do trabalho, o país nunca se preocupou devidamente com a profissionalização dos nossos jovens”, diz Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.
A entidade defende a ampliação e o fortalecimento das políticas públicas de educação profissional e tecnológica. “A grande avenida de profissionalização realmente constituída no Brasil é a universidade, e os cursos técnicos existem como se fossem uma coisa de segunda categoria por erros do passado. Mas a gente precisa repensar todo sistema educacional.”
Segundo Inoue, os cursos técnicos do passado para profissões muito específicas da indústria deixaram a impressão equivocada de que o ensino profissionalizante é voltado para funções que oferecem poucas perspectivas de carreira para o futuro e salários mais baixos. Contudo, a transformação da economia para profissões cada vez mais tecnológicas e digitais exige que o sistema educacional se modernize justamente para aumentar a possibilidade de os jovens encontrarem suas vocações ainda na escola e melhorarem as suas perspectivas.
Ela avalia que o Novo Ensino Médio, que propõe rotas em que os estudantes podem priorizar disciplinas nas áreas em que têm mais interesse, abre uma oportunidade, mas existe um grande desafio até que gere resultados.
“A lei em si não faz nada. Ela abre a possibilidade das redes estaduais, que têm a maior parte das matrículas, se organizarem para oferecer educação profissional”, afirma Inoue. “Isso é bom, mas temos que saber, na educação e na formação de pessoas, isso leva tempo. É necessário reorganizar todo o sistema e saber bem como vamos colocar os jovens para pensar, se relacionar e ocupar espaços no mundo do trabalho.”
A especialista explica que o ideal é incentivar, desde a educação infantil, a formação de pessoas acostumadas a articular conhecimentos, lidar com atividades práticas e com resolução de problemas que vão gradualmente ser apresentados de maneira mais complexa ao longo da educação básica.
“Isso vai servir para todo o tipo de profissional depois, seja da área de humanas, seja de exatas”, defende Inoue. “Saber que existe um mundo do trabalho é algo natural inclusive para as crianças, pois elas brincam disso. O objetivo é construir um caminho que entendam desde sempre e aproximá-las da prática do fazer.” Segundo ela, todo o cuidado é válido para que isso não seja interpretado como incentivo ao trabalho infantil, um “fantasma que realmente está presente em países como o Brasil” e que exige atenção.
“O que estou falando é formar e falar sobre o trabalho de forma a fazer os jovens entenderem que não é uma coisa menor do que o estudo e a vida acadêmica. E que tampouco será um obstáculo para quem desejar ocupar profissões acadêmicas e intelectuais”, explica Inoue.
Essa ideia de educação já tem ganhado mais aderência entre os jovens. Segundo uma pesquisa da plataforma Atlas das Juventudes, 5 a cada 10 jovens consideram que os conteúdos mais importantes para a escola estão relacionados a preparação ao mundo do trabalho e atividades que exercitam a inteligência emocional.
Além disso, embora seja natural pensar na juventude quando se fala em uma reorganização educacional, existe um contingente grande de brasileiros que já saíram das escolas e precisarão se requalificar para ganharem espaço no mercado de trabalho nas funções que estão sendo demandadas. Esse público precisará ser assistido por iniciativas da sociedade civil em parceria direta com as empresas que enfrentam dificuldades para preencher vagas.
A edtech SoulCode Academy atua nessa linha com a missão autodeclarada de transformar desempregados em profissionais de tecnologia. “De um lado a gente tem mais de 30 milhões de invisíveis e do outro há milhares de oportunidades em startups e empresas que demandam um tipo de qualificação diferente hoje”, observa a CEO, Carmela Borst.
Ela explica que os cursos chegam a ter carga horária de 800 horas e são oferecidos on-line de forma gratuita para os interessados de qualquer idade. Muitos deles são planejados previamente em parceria com empresas, que financiam os cursos, o que contribui para que 90% dos alunos saiam empregos ao fim dos estudos.
Patricia Alves, de 39 anos, é uma das alunas da SoulCode que usou o curso técnico da edtech como oportunidade para encontrar a sua trajetória profissional. Ela terminou o ensino médio em 2001 e chegou a ingressar em uma faculdade de desenvolvimento de sistemas em 2008, mas não conseguiu concluir o ensino superior. Passou uma década se virando em diversas ocupações. “Quando ia preencher um formulário, nunca sabia o que colocar no campo profissão. Isso me dava um desconforto”, diz. “Hoje posso dizer com orgulho que sou engenheira de dados.”
Mãe de três filhos e com a experiência de quem se formou em magistério e chegou a dar aulas para crianças, Patricia sugere que um modelo de ensino básico mais voltado a encontrar as vocações de cada aluno, em vez de exigir excelência em todas as disciplinas, poderia tê-la ajudado a planejar melhor a sua vida profissional. “Uma das filhas se cobra demais para ser nota 10 em tudo e estou tentando ajudá-la a identificar o que ela mais tem afinidade para que tenha um desenvolvimento mais natural que o meu”, revela.
Fonte: Valor Econômico