Não há, no curto e no médio prazos, perspectivas de solução para eletrificar veículos pesados, inclusive pela ausência, em âmbito nacional, de políticas claras capazes de estimular essa indústria a se tornar economicamente sustentável, diz Marcella Cunha, diretora Executiva da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol). Enquanto a eletrificação encontra inúmeras barreiras, empresas que dependem do modal rodoviário têm investido em alternativas por meio de tecnologia e inovação para diminuir as emissões de gases de efeito estufa.
Um dos caminhos pode ser a inovação aberta. A startup TRAiLAR, do Reino Unido, venceu o programa de inovação aberta da DHL Supply Chain e desenvolveu um projeto para instalar placas solares superfinas, de três milímetros, em caminhões refrigerados que transportam carga para a indústria de saúde. Por conta do sistema de refrigeração, o consumo de combustível nesses veículos é maior.
Segundo Marcos Cerqueira, vice-presidente de Saúde da DHL Supply Chain, a tecnologia pode reduzir em 5% o consumo de combustível. Com a instalação das placas solares, cada caminhão pode deixar de emitir quatro toneladas de gases anualmente.
No Brasil, o sistema de placas solares foi instalado em 16 caminhões refrigerados da Polar. A transportadora especializada em cadeia fria para indústria da saúde pertence ao grupo DHL e tem uma frota de aproximadamente 350 veículos. Cerqueira ressalta que o projeto se traduz em um casamento perfeito para reduzir custos e emissões com uma tecnologia economicamente viável e que se adaptou bem à realidade brasileira.
Mesmo em dias mais nublados, as placas que são resistentes à chuva, captam energia. A eficiência energética chega até 960 Watts por dia. O sistema de placas solares é fixado no teto dos caminhões e tem uma conexão direta com o motor e a bateria, auxiliando na alimentação de ambos. A instalação do sistema não implica procedimentos adicionais para os motoristas. Por enquanto, a DHL Supply Chain trabalha com a instalação de uma placa por veículo, mas há a previsão de, no futuro, instalar mais placas em cada caminhão.
A inteligência artificial (IA) e o aprendizado de máquina (machine learning), também são aliados da DHL no dia a dia para reduzir as emissões. Fábio Miquelin, vice-presidente de Transportes da DHL Suply Chain, conta que a empresa usa um planejador e roteirizador para obter a melhor condição para entrega de cargas em cada rota.
“Os operadores buscam criar metodologias mais eficientes de formação de carga e otimização de rota. Isso demanda menos recursos, garantindo um resultado positivo e, consequentemente, reduzindo os impactos ambientais”, afirma Cunha.
Nos últimos cinco anos, a White Martins, fabricante de gases industriais e medicinais, também se valeu de tecnologias de IA para evitar a emissão de cerca de 4,5 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. A empresa investiu US$ 6 milhões na aquisição de um sistema logístico que utiliza recursos de inteligência artificial para planejar rotas mais eficientes, chamado de PraGas. Ele foi desenvolvido na Alemanha. A White Martins usa a tecnologia para atender clientes no tempo adequado e com o menor consumo de combustível. Com o uso do PraGas, a White Martins aumentou em 4,3% a eficiência operacional e reduziu em 5% a quantidade de emissões.
“Em números aproximados, a cada ano a gente deixa de rodar um milhão e meio de quilômetros. Quando traduzido em emissões de gases de efeito estufa, significa mais ou menos um milhão de toneladas de CO2 evitados por ano. Esse binômio de investimento e inovação ele se traduz em produtividade e sustentabilidade”, diz Gilney Bastos, presidente da White Martins.
A aquisição do PraGas faz parte de um conjunto de investimentos da White Martins no mercado de produtos líquidos, que é, segundo Bastos, o mais relevante da empresa no Brasil. Além da redução de emissões, os ganhos na eficiência logística foram cruciais para a confiabilidade da White Martins durante a pandemia, quando a empresa precisou otimizar entregas em todo o país. “Esse ganho no desempenho logístico nos dá economia de custo, redução de emissões e aumento de confiabilidade. Trabalhamos em todas as frentes, no abastecimento no tempo ótimo, na flexibilidade das rotas e no tamanho das carretas”, afirma Bastos.
Para aumentar a entrega de gases líquidos com mais eficiência logística, a White Martins incrementou também a tecnologia das carretas criogênicas, que transportam gases líquidos. A empresa expandiu a capacidade das carretas, como a TWM6, de porte médio e que pode trafegar em centros urbanos. O modelo TWM6 transporta 50% a mais de produtos, no caso de oxigênio esse incremento ultrapassa 60%. Na prática, isso significa que a carga anteriormente transportada em duas viagens, agora é entregue em uma única vez.
Na fabricação e aquisição dos veículos criogênicos mais eficientes, a empresa investiu US$ 20 milhões entre 2018 e 2021. Hoje, a frota total tem 700 carretas, sendo 10% com capacidade de carga expandida. Isso inclui os modelos para transporte de gases na forma líquida que trafegam nos centros urbanos, o TWM6, e as carretas criogênicas de maior porte. Nos veículos grandes, que transportam cerca de 28 toneladas de gases líquidos, o ganho fica entre 20% e 30% a mais no volume transportado.
Os equipamentos criogênicos da White Martins são produzidos no Brasil, na fábrica de Sorocaba (SP), inaugurada em 2022. A nova planta substituiu a fábrica instalada no Rio de Janeiro (RJ) na década de 1970, que foi desativada. Segundo Bastos, a fábrica de Sorocaba é a única produtora de equipamentos criogênicos da White Martins na América do Sul. A planta tem capacidade para produzir 120 tanques criogênicos e 40 carretas criogênicas por ano.
Fonte: Valor Econômico