17/03/2021

Dinheiro novo, erros velhos

 Dinheiro novo, erros velhos


Por Cláudio R. Frischtak, economista
No Brasil, temos um longo histórico de má alocação de recursos, particularmente em obras de infraestrutura física e social. E não é incomum que os custos sejam magnificados por execução mal planejada e falhas técnicas que levam a enormes desperdícios. Em 2019, conforme reportado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), havia nada menos do que 14.403 obras paralisadas, ou 37,5% de um total de 38.412 obras financiadas pelo governo federal.

Não só: grandes projetos têm apresentado gastos em excesso e atrasos consideráveis. Se tomarmos as três principais ferrovias greenfield executadas ou financiadas pelo setor público nas últimas três décadas - Norte Sul, Transnordestina e Fiol - houve um aumento real dos custos de 48,7% e (até 2019) de 218% nos prazos. No caso da Transnordestina - um projeto iniciado em 2006 - a expectativa é que somente seja entregue em 2027, um atraso superior a 15 anos.

O país está na antevéspera de insistir no erro com a Ferrogrão, uma ferrovia de 976 km de extensão, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), com prazo de concessão de 69 anos. No momento, o projeto - abraçado pelo governo - está em análise no TCU. Há dois problemas inescapáveis com a Ferrogrão: os números submetidos ao TCU não devem se verificar; e o projeto tem um impacto muito adverso no âmbito sócio-ambiental, particularmente em termos de potencial de desmatamento. Aqui nos detemos na sustentabilidade financeira do projeto e suas implicações para o usuário e o Tesouro.

O projeto enviado ao TCU em julho de 2020, tem por principais premissas um Capex de R$ 8,4 bilhões, execução em 9 anos (incluindo o período de obtenção da Licença de Instalação) e uma tarifa de R$ 107,55/tonelada transportada; e daí uma taxa interna de retorno (TIR) de 11,04%.Infelizmente esses números parecem estar distantes da realidade, partindo do fato de que não há nem mesmo um projeto básico bem alicerçado, e menos ainda um projeto executivo. E estamos discutindo uma ferrovia no bioma amazônico!

Num cenário realista, o Capex seria de R$ 27 bilhões, considerando R$ 23 milhões/km (ver quadro) e uma margem de risco de 20%, bastante módica dada a experiência em outros projetos no país e o registro internacional (Flyvgbjerg encontra sobre custos de 45%1). É possível que mesmo que esse Capex esteja subestimado e os resultados do projeto Ferrogrão sejam ainda piores.

Outra variável de maior relevância para o cálculo da TIR é o tempo de execução. Miramos um projeto cuidadosamente planejado pelo setor privado no Centro-Oeste do país (no caso a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, Fico), cuja execução se dará ao ritmo de 64 km/ano. Mas a norma de grandes projetos ferroviários- particularmente em terrenos pouco conhecidos e com múltiplos obstáculos físicos, sociais e ambientais - são atrasos consideráveis. Assim, imputamos um risco de atraso de 30%, chegando a 21,9 anos para licenciamento e implantação da ferrovia, e não 9 anos.

Finalmente, a premissa de tarifa parece ser também irrealista, a menos que a ANTT trave o valor de R$ 107,55 que foi submetido para o TCU. Levou-se, portanto, em consideração duas tarifas: o valor anunciado e a alternativa de uma tarifa limite de R$ 148, suficiente para capturar clientes da BR-163, que corre paralela ao traçado da Ferrogrão, e levando em consideração o custo de transbordo rodo-ferroviário. É claro, que uma vez a BR-163 venha a ser concedida para o setor privado e melhorada a qualidade de serviços, da mesma forma como a futura Fico, essa tarifa deverá ficar ainda mais pressionada.

O resultado desse exercício deveria - em nome do interesse público - ser debatido com toda a transparência, para evitar que mais uma vez o país cometa um erro de primeira grandeza em projetos de infraestrutura, e que venha a onerar as contas públicas e a sociedade. Se o governo garantir a taxa de retorno real de 11,04% - para assegurar a atratividade da concessão - o Tesouro teria de contribuir entre R$ 19,04 bilhões e R$ 18,06 bilhões a valor presente, dependendo da tarifa cobrada (ou R$ 24,51 bilhões e R$ 23,25 bilhões em valores nominais). Inversamente, se o governo definir - como tem sido apregoado - ser esse um projeto integralmente privado, a taxa de retorno varia de 1,88 % a 3,36 %, dependendo da premissa tarifária. O projeto não se sustenta.

O mau dimensionamento dos parâmetros submetidos ao TCU - e o risco de se levar adiante o projeto com informação falha - implica que a Ferrogrão repete os velhos erros: parece subestimar custos e prazos de execução, sobrestimar taxas de retorno e irá - com toda a probabilidade - depender de recursos públicos para sua viabilidade financeira. O custo para o Tesouro pode chegar a R$ 19 bilhões; já o custo de oportunidade para a sociedade é igualmente elevado. Afinal, esses recursos poderiam ser usados - caso fossem realocados na infraestrutura logística do país - em projetos com taxas sociais de retorno positivas e elevadas, diferentemente da Ferrogrão.

Há um grande número de projetos de infraestrutura logística viáveis e que melhoram materialmente as condições de transporte do agronegócio no Centro-Oeste. A Ferrogrão não parece ser um deles.

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