Chovia quando o gerente operacional de um dos terminais da Dínamo no Porto de Santos, Walmir Alonso Pedro, recebeu a equipe da Globo Rural. Naquela segunda-feira, no fim de outubro, a Baixada Santista recebeu mais de 100 milímetros de chuva, e o terminal, com capacidade para 500 contêineres de 20 pés (ou 250 de 40 pés), operava com uma ocupação de 76%. “Hoje, o pátio aqui está bem cheio e, por ser segunda-feira, não deveria estar assim. Normalmente estaria bem mais vazio, porque esses contêineres aqui já deveriam ter sido embarcados” explica Alonso.
O terminal da Dínamo é um dos 31 terminais retroportuários que operam no Porto de Santos, o maior da América Latina, e são chamados Redex. Mantidos por empresas privadas sob a chancela do serviço aduaneiro, eles recebem e preparam a carga que será inspecionada, conteinerizada e enviada ao “operador portuário final”, que são os terminais localizados dentro do complexo portuário e onde os navios efetivamente atracam.
Com isso, quando um embarque já agendado é cancelado ou adiado, as cargas já recebidas por esses terminais se acumulam, tornando o processo de movimentação cada vez mais lento e cada vez mais delicado. É o que vem acontecendo. “É uma engrenagem. O Redex é um processo rápido. É receber, estufar, o despachante liberar, e a gente já coloca no preparador portuário. Esses contêineres eram para o deadline de quinta-feira e sexta-feira da semana passada. Como o embarque foi transferido para a próxima semana, ou 15 dias para frente, eles ficaram aqui no pátio”, relata o gerente operacional do terminal da Dínamo. Desde o início da pandemia, eles têm sentido na prática os efeitos da crise logística mundial que se instalou devido à pandemia de Covid-19.
No Brasil, quando um tripulante de uma embarcação testa positivo para a doença, esse navio entra numa quarentena de 15 dias, período em que fica parado em alto-mar, aguardando a liberação para desembarcar a carga importada pelo país e realizar os embarques programados. “Na China, a gente sabe que, se o funcionário de um terminal portuário testar positivo, aquele terminal é fechado por 15 dias. Então, você imagina o que tem de navios para chegar e sair da China em diversos portos”, observa Luiz Alberto Azevedo Levy Jr., diretor do Grupo Dínamo e vice-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Empresas Transportadoras de Contêineres (ABTTC).
Com os embarques cancelados ou adiados constantemente, ele estima que sua empresa encerrará o ano com queda de 45% no volume de carga movimentada, apesar do expressivo volume de contêineres parados hoje nos dois terminais mantidos em Santos. “A gente começa a semana com uma programação de entrega de 400 a 600 contêineres no operador portuário e, no decorrer da semana, com as transferências que vão acontecendo de navio, isso vai reduzindo para 200, 250, e o restante fica retido”, conta Walmir Alonso. O problema da Dínamo se repete mundo afora.
“Acho que essa crise aqui no Brasil está apenas no começo, pois ela é reflexo de uma crise lá fora que está muito pior do que aqui. A solução é muito complicada”, avalia o diretor executivo da Associação Brasileira de Terminais de Contêineres (Abratec), Caio Morel.
Enquanto a ABTTC representa os terminais retroportuários, que atuam apenas na exportação, a Abratec representa os terminais de contêineres que atuam diretamente com o embarque e desembarque de carga nos navios, muitos deles operados pelas próprias empresas de frete marítimo (os embarcadores ou armadores, no jargão do setor). Nos pátios desses terminais, o volume de carga acumulada também impressiona. “Todos os portos estão cheios, o volume cresceu igualmente no Brasil inteiro. Então, posso lhe dizer que todos os terminais de contêineres brasileiros hoje têm uma utilização bem acentuada”, explica o diretor executivo da Abratec.
Segundo ele, essa lotação hoje está “um pouco” acima do normal, mas a previsão é de agravamento. “Essa crise vai crescer, vai piorar antes de melhorar, e isso que estamos vendo aqui é o início de um problema que vai envolver todo o mundo, porque é um problema logístico, um problema de suprimento”, prevê Morel.
Até o dia 21 de outubro, dos 106 navios fundeados na Baía de Santos, apenas três embarcações traziam contêineres, duas delas com previsão de atracar. Já em Los Angeles, um dos epicentros da crise logística mundial, o congestionamento de navios de carga conteinerizada ultrapassou a marca de 40 embarcações com contêineres aguardando liberação para atracar no porto da Baía de São Pedro, um recorde para um dos complexos portuários mais movimentados do mundo, com 9,2 milhões de TEUs (unidade equivalente de 20 pés, na sigla em inglês) movimentadas em 2020 – mais que o dobro em relação aos 4,2 milhões de TEUs movimentados no Porto de Santos. “O maior problema hoje nos EUA e na Europa é a falta de capacidade para escoar os contêineres para fora do porto. Se os contêineres não saem, chega um momento em que se esgota a capacidade dentro do porto e não cabe mais nada para entrar. E, até você escoar aquilo que está dentro do porto, também não pode mais atracar navio para descarregar.
Então o navio espera, o contêiner fica preso, e engarrafa tudo”, explica Julian Thomas, presidente da A.P. Moller-Maersk no Brasil e na Costa Leste da América do Sul. A companhia é líder mundial no segmento de frete marítimo internacional e explica que o Brasil está sendo afetado por um fenômeno global.
“A estimativa é que não vai ter uma solução rápida para a crise. É uma combinação de investimentos de médio e longo prazo globalmente e também no Brasil, onde a infraestrutura portuária, sobretudo no acesso aos portos, continua com dificuldades e necessidade de investimentos”, destaca Thomas. Segundo ele, as empresas do setor têm investido na aquisição de navios, cujos pedidos atingiram o recorde de 3,9 milhões de TEUs neste ano. Contudo, essas embarcações só serão entregues e colocadas em operação a partir de 2023.
Sem soluções de curto prazo, o agravamento da crise logística internacional preocupa o agronegócio, setor que respondeu por 48% das exportações brasileiras no ano passado. Na visão do diretor técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Eduardo Heron, “existe uma tempestade perfeita a favor dos armadores e agências marítimas e se nota que não há nenhum esforço para buscar mitigar esse problema”. “Estamos acompanhando as notícias com regularidade de que os armadores contrataram novos navios, embarcações maiores, mais contêineres, mas isso tudo é para 2023, e nosso problema é hoje. O que precisamos fazer hoje? Esse é o ponto”, diz Heron.
Com mais de 76% das exportações de café do Brasil realizadas via Porto de Santos, o Cecafé estima que os atrasos e os cancelamentos nos embarques provocados pela crise marítima tenham derrubado em até 4 milhões de sacas as exportações brasileiras no acumulado em nove meses deste ano. O volume ficou em 29,76 milhões de sacas, uma queda de 4,1% ante o registrado entre janeiro e setembro do ano passado. Só em setembro, caiu 26,5%.
Vendidos na modalidade FOB, quando o exportador é responsável por entregar a carga até o porto, os cafés parados em Santos tiveram o frete contratado pelos importadores – em sua maioria, Europa e EUA. “Tenho clientes com preocupações grandes de ter de parar fábricas de café mundo afora por falta da commodity, tentando fazer o possível e o impossível para chegar ao número de contêineres comprados”, revela Levy Jr., do Grupo Dínamo.
No Brasil, os produtores arcam com o custo de armazenagem enquanto aguardam para conseguir receber o valor do produto vendido. “As empresas já comercializaram esse café. São vendas futuras, já tiveram seus custos de processamento e beneficiamento, e estão aguardando o embarque. Mas, como o embarque não ocorre, as receitas vindas do exterior não entram na economia brasileira”, lembra Heron.
O mesmo ocorre com outras cargas brasileiras exportadas em contêiner: açúcar, algodão, frutas e carnes. “No mês de julho, só o que deixamos de embarcar de café e carnes foi quase US$ 1 bilhão. Então, imagina se juntar todo o agro que usa contêiner e depende de navio, quanto isso pesa para a balança comercial e para a economia brasileira”, questiona o diretor técnico do Cecafé.
Fonte Terra
27/11/2024
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