Com uma carreira de mais de 30 anos que combina tecnologia, consultoria e logística, Paulo Franceschini foi anunciado como novo diretor da Divisão de Logística Integrada (DLI) da Tegma Gestão Logística. À frente desse desafio, o executivo tem a missão de ampliar a representatividade da DLI — atualmente, responsável por 10% da receita da empresa.
A trajetória de Franceschini é marcada pela transição bem-sucedida entre diferentes áreas. Formado em Análise de Sistemas, ele iniciou a carreira na tecnologia, chegando a atuar como CIO. Mais tarde, ingressou na consultoria pela Price water house Coopers, liderando projetos de transformação organizacional, como a estruturação da holding Camargo Corrêa.
Em 2002, deu início à trajetória no setor logístico na TNT Logistics — que mais tarde se tornou CEVA Logistics —, onde assumiu posições estratégicas em tecnologia, finanças, operações e desenvolvimento de negócios. Após experiências em empresas nacionais e internacionais, como Metropolitan e Geodis, e com passagens por setores como automação logística e reestruturação financeira, ele chegou à Tegma com o objetivo de alinhar a DLI à estratégia de crescimento da companhia.
Com exclusividade para a MundoLogística, Franceschini enfatizou que o triunfo de uma gestão logística está na capacidade de integrar tecnologia ao negócio. “Sempre acreditei que a tecnologia é um habilitador. E o sucesso de qualquer iniciativa tecnológica depende diretamente do quanto você entende do negócio e dos processos envolvidos”, destacou.
Franceschini também refletiu sobre o papel estratégico da logística no cenário atual, especialmente após a pandemia, que reforçou a importância do setor nas empresas. Com essa visão de crescimento, ele diz acreditar que uma abordagem focada em inovação e crescimento sustentável podem fortalecer a posição da DLI como um dos pilares da Tegma.
Leia na íntegra!
MUNDOLOGÍSTICA: Como foi o processo de transição de carreira até chegar a essa posição de liderança na Tegma?
PAULO FRANCESCHINI: Minha formação original é em tecnologia. Me formei há muito tempo, provavelmente antes de você nascer. Meu RIA é 87, e me formei em 1990, ainda em Análise de Sistemas, algo que hoje seria equivalente à Engenharia da Informação. Tive uma trajetória bastante longa no mundo da tecnologia, chegando a ocupar a posição de CIO em algumas empresas. Em algum momento, senti o desejo de mudar e fui para o setor de serviços, começando pela Price Waterhouse, antiga Price Waterhouse que, posteriormente, se tornou a PricewaterhouseCoopers. Lá, iniciei na área de consultoria, e a primeira grande consultoria que realizei foi a estruturação de uma empresa chamada Camargo Corrêa, após o falecimento do senhor Sebastião. O objetivo era transformar a empresa em uma holding e realizar todo um processo de estruturação de sistemas de informação. Foi ali que passei a me interessar pelo mundo dos serviços. Mais tarde, tive a oportunidade de ingressar no setor logístico, em 2002, quando entrei na antiga TNT Logistics como CIO, responsável pela área de tecnologia. Durante minha trajetória, a TNT foi vendida para um fundo de investimento americano e se tornou CEVA Logistics. Foi nesse período que construí minha carreira, passando por diversas áreas como finanças, operações e a área de projetos, que chamávamos de Engenharia. Mais tarde, atuei como Chief Business Development Officer (CBDO), sendo responsável pela parte comercial da CEVA na América Latina. Depois disso, aceitei o desafio de trabalhar em uma empresa nacional, a Metropolitan, que passava por um grande processo de reestruturação financeira. Era a época da crise dos Lehman Brothers, e a empresa, bastante alavancada em moeda estrangeira, sofreu impactos severos. O foco era realizar uma reestruturação societária, fiscal e financeira para recuperar a empresa e viabilizar a venda de alguns ativos. Foram três anos intensos e desafiadores, que terminaram com a empresa entrando em recuperação judicial por decisão dos sócios majoritários. Com o tempo, me cansei desse ambiente financeiro tão agitado e decidi mudar de lado da mesa. Em 2012, quando o Brasil vivia um período de otimismo econômico, uma empresa alemã de tecnologia focada em automação logística decidiu iniciar operações no país e me contratou para liderar o projeto de greenfield. Essa empresa era especializada em automação de armazéns, como dark warehouses, utilizando robôs transelevadores e shuttles para movimentações. Foram sete anos de muito aprendizado, começando o projeto do zero e trabalhando na construção de mercado e reconhecimento da marca. Mais tarde, em 2018, recebi o convite para retornar ao mundo dos operadores logísticos, desta vez na Geodis, uma empresa francesa, para liderar um projeto de crescimento no Brasil. Essa fase foi desafiadora, especialmente porque, logo após minha entrada, veio a pandemia de Covid-19. Foi um momento complexo para a Geodis, já que grande parte dos clientes dependia de lojas físicas, que precisaram ser fechadas. Apesar disso, conseguimos alavancar o projeto, e tive a oportunidade de contribuir para a construção do que a Geodis é hoje no Brasil. Recentemente, a Tegma iniciou um processo de estruturação da Divisão de Logística Integrada (DLI), alinhada à estratégia de crescimento da empresa. A ideia era buscar um profissional para liderar o desafio de expandir essa divisão e equilibrar sua representatividade em relação à Divisão de Logística de Veículos (DLV), que hoje representa cerca de 90% da receita da empresa. Participei desse processo de seleção e tive a sorte de ser escolhido para liderar esse projeto. Resumindo, essa foi minha trajetória de mais de 30 anos até assumir este desafio na Tegma. Estou na empresa há quase três meses e empolgado com o trabalho que temos pela frente.
Nos últimos anos, especialmente com a aceleração trazida pela pandemia, a logística deixou de ser uma questão estritamente operacional para se integrar mais com áreas como economia, negócios, margem de lucro e competitividade. Você acha que, atualmente, um profissional em uma posição de gestão no mercado de logística precisa ter essa visão ampla, que vai além das operações?
Se você me perguntar qual é o meu diferencial como gestor de logística, diria que é a minha formação em tecnologia. Nunca fui um excelente analista técnico. Se me pedissem para programar algo, eu até faria, mas de forma bem básica. O que sempre me destacou foi enxergar a tecnologia como uma ferramenta para ampliar a visão, uma forma de entender o negócio de maneira mais abrangente. Sempre acreditei que a tecnologia é um “habilitador”, um meio para se atingir resultados. E o sucesso de qualquer iniciativa tecnológica depende diretamente do quanto você entende do negócio e dos processos envolvidos. Vou dar um exemplo prático disso: comecei minha carreira como analista na Cervejarias Kaiser, em 1992, e, naquele momento, não era um analista técnico brilhante, mas a Kaiser me deu a oportunidade, em 1994, de trazer para o Brasil o conceito de Balanced Scorecard, desenvolvido por Kaplan e Norton, como uma visão de gestão de negócios. A Kaiser, junto com o antigo banco Unibanco, foram as duas primeiras empresas no país a implementar esse conceito, que consiste em observar as quatro dimensões do negócio: clientes, mercado, pessoas e financeiro. Na época, todos os executivos da Kaiser, ao ligarem seus notebooks, tinham acesso diário aos indicadores de negócios. Isso exemplifica bem sua pergunta e minha resposta é: sim, hoje, um bom gestor de logística, seja atuando no operador logístico ou do lado do cliente, precisa ter uma visão ampla, de 360°. Desde o início dos anos 2000, a logística deixou de ser vista apenas como um custo e passou a ser uma parte essencial do negócio, gerando rentabilidade. A pandemia, acredito, foi o grande ponto de virada para reforçar essa mudança. Durante o lockdown, a logística ganhou uma importância estratégica em todas as empresas. Realizar uma logística eficiente, especialmente em indústrias que produzem bens, tornou-se um diferencial competitivo significativo. E isso vai muito além do e-commerce; impacta indústrias e setores diversos. Hoje, vemos um movimento interessante nas grandes empresas e indústrias: executivos de Supply Chain, COO e afins assumindo posições de alto nível nas organizações, até mesmo como CEOs, algo que no passado era pouco comum. Essa tendência reflete a necessidade de uma visão mais ampla. Se pudesse dar uma sugestão aos novos profissionais que estão entrando no mundo da logística, seria: procurem ampliar a visão, entendendo o processo logístico como um todo. Logística é uma cadeia com interdependências, que se conecta com áreas como tecnologia, fiscal, finanças e muitas outras. Entender essa interconexão faz uma grande diferença na forma como você gerencia e no impacto que gera. Não tenho dúvidas disso.
Você mencionou na resposta anterior o percentual que a divisão de veículos ocupa dentro da estratégia da Tegma. Mas, embora sejam divisões diferentes, elas precisam se complementar, uma dando suporte à outra. Como o seu trabalho, liderando a divisão de logística integrada, se conecta com a estratégia geral da Tegma como companhia?
Do ponto de vista estratégico, a Tegma, inclusive em seus relatórios integrados — e este ano será o terceiro relatório integrado da companhia —, deixa muito claro que precisamos crescer como empresa. A Divisão de Logística de Veículos (DLV) já possui uma posição bastante consolidada no mercado, ocupando cerca de 25% de market share. Crescer nesse segmento é mais desafiador, pois se trata de uma estrutura muito bem estabelecida, construída ao longo de 55 anos. Já a visão de crescimento da Tegma está fortemente voltada para a Divisão de Logística Integrada (DLI), que hoje representa apenas 10% da receita, mas possui um enorme potencial a ser explorado. Estamos desenvolvendo essa estratégia de crescimento em várias frentes. A primeira frente é o cross-selling. Nossa DLV trabalha com quase todos os OEMs automotivos do Brasil. Dos 21 fabricantes, cerca de 80% já foram nossos clientes em algum momento. Oportunidades de oferecer mais serviços para esses clientes antigos, muitos com mais de 10 ou 20 anos de relacionamento, são grandes. Por exemplo, na cadeia automotiva, há toda uma estrutura dependente de fornecedores Tier 1 e Tier 2. Por meio da DLI, podemos oferecer serviços voltados para esses fornecedores, como logística de peças e materiais utilizados na fabricação, algo que a Tegma ainda não explorou plenamente. Além disso, temos uma outra empresa no grupo, a GDL, com forte atuação no Espírito Santo. Ela oferece serviços como gestão de pátios e atividades logísticas, especialmente no segmento automotivo. Integrar e ampliar o cross-selling entre a DLV e a GDL é um passo fundamental na nossa estratégia. A segunda frente de crescimento está nos produtos da DLI, que hoje são dois grandes pilares. O primeiro é a gestão de granéis, sólidos ou líquidos, uma solução robusta que já aplicamos em clientes como a Unilever. Por exemplo, gerenciamos o transporte de granéis desde o recebimento no Porto de Santos até o abastecimento de silos nas fábricas. Esse serviço, conhecido como logística inbound de granéis, pode ser replicado para outros segmentos, como alimentos, cosméticos e químicos, ampliando nosso mercado de atuação. O segundo produto é a gestão de embalagens retornáveis, um tema recorrente em diversas indústrias. Embora muitas empresas tratem embalagens retornáveis como insumos e deem pouca prioridade a essa gestão, temos desenvolvido soluções que utilizam tecnologia de ponta, como RFID e IoT, para otimizar processos e reduzir desperdícios. Hoje, fazemos isso com sucesso para clientes como a Electrolux, na linha branca, e acreditamos que esse modelo pode ser expandido para outros setores, incluindo o automotivo. A terceira frente é a exploração de novos segmentos e serviços. Estamos em um momento de definição estratégica, identificando quais serviços podem trazer os resultados esperados pela Tegma, considerando tanto as premissas financeiras internas quanto as expectativas dos nossos acionistas. Por sermos uma empresa listada na B3, precisamos garantir longevidade e sustentabilidade nos serviços que oferecemos. Por fim, o crescimento da DLI também será apoiado por fusões e aquisições [M&A]. Estamos sempre atentos a oportunidades de mercado, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, onde temos forte presença. O foco dessas aquisições será agregar competências alinhadas aos nossos serviços atuais. Não faz parte da estratégia adquirir empresas que operem em áreas completamente diferentes do que já fazemos. A ideia é consolidar e expandir nossos serviços, atendendo novos clientes e segmentos de forma segura e sustentável. No fim das contas, nosso objetivo é equilibrar o peso da DLI dentro da receita total da Tegma, que hoje é de 10%, mas ainda estamos definindo qual será o percentual ideal. Garantir esse crescimento saudável e consistente é essencial para cumprir as expectativas da empresa e dos nossos acionistas.
Há uma discussão constante sobre o equilíbrio entre o tripé de pessoas, processos e tecnologia. Embora o ideal seja um equilíbrio entre esses elementos, sabemos que ele é difícil de alcançar. Na sua opinião, algum desses elementos deve ser priorizado?
Sua pergunta é muito interessante, mas minha resposta talvez não seja tão objetiva, porque acredito que a prioridade depende do momento. O que quero dizer com isso? Se estivermos falando sobre inovação em produtos como gestão de granéis ou gestão de embalagens retornáveis, a Tegma já tem uma grande competência interna, tanto em pessoas quanto em processos. Nesse caso, a prioridade seria a tecnologia, porque os demais elementos já estão bem estabelecidos. Um bom exemplo disso é nossa atuação por meio da TegUP, uma empresa do grupo Tegma que nasceu como uma aceleradora de startups e, hoje, opera como um corporate venture capital. Trabalhamos com startups para propor soluções tanto para o mercado quanto para a própria Tegma. Atualmente, temos cerca de 600 startups cadastradas e credenciadas, e já desenvolvemos diversos projetos de tecnologia. Dois exemplos amplamente conhecidos no mercado são os investimentos feitos pela Tegma em startups como a Rabot, que começou atendendo uma necessidade específica, e hoje fornece soluções tecnológicas para a empresa. Isso demonstra como a TegUP é um grande impulsionador de inovação tecnológica para nós. Estamos avançando em soluções que utilizam IoT e inteligência artificial, tornando nossos produtos cada vez mais diferenciados no mercado. Por outro lado, se estivermos falando de entrar em um segmento em que não temos competência interna, como o setor de cosméticos ou healthcare, a prioridade seria o desenvolvimento de pessoas. Precisaríamos buscar expertise nesse segmento, capacitar equipes e integrar esses conhecimentos à operação. Nesse caso, o elo mais forte do tripé seria, sem dúvida, as pessoas. Em resumo, não se faz logística sem o equilíbrio entre pessoas, processos e tecnologia. Eu tenho uma visão que me acompanha há anos: logística é feita por pessoas competentes e motivadas, que utilizam os melhores processos, apoiados pelas melhores soluções tecnológicas. Para alcançar um diferencial, é preciso investir em pessoas qualificadas e motivadas, garantir processos eficientes que proporcionem produtividade, e aplicar tecnologias que tragam inovação e resultados. Claro, é necessário ajustar o foco de acordo com a necessidade específica do momento, porque trabalhar os três elementos ao mesmo tempo, partindo de uma base padronizada, é extremamente desafiador. Mas, respondendo de forma geral, as três áreas são igualmente importantes. O segredo é fazer um fine-tuning para atender às demandas específicas de cada situação. Espero ter respondido sua pergunta. Geralmente, não gosto de responder “depende” porque não é a resposta mais direta, mas acho que sua pergunta é elaborada e exige essa análise contextualizada.
O que o mercado pode esperar de você e da Tegma, a partir da sua chegada?
Acho que o mercado pode esperar, em primeiro lugar, que continuemos a desenvolver aquilo que a Tegma vem fazendo há 55 anos. A Tegma é uma empresa sólida, com contratos duradouros e parcerias de longo prazo muito próximas de seus clientes. Esse é um valor essencial da empresa: construir relações éticas e oferecer serviços que entreguem satisfação aos nossos parceiros. Essa base não muda, porque é parte fundamental dos valores da Tegma. O que o mercado provavelmente perceberá é uma presença mais forte da Tegma, especialmente na área de logística integrada. Como mencionei, temos um plano de crescimento bastante ambicioso, que inclui atuação em novos segmentos e oferta de novos serviços. Esse plano prevê maior visibilidade no mercado e, claro, o impacto dos movimentos de aquisições, que sempre acabam movimentando o setor. Minha visão é atender às necessidades do mercado enquanto aproveitamos a estrutura robusta que a Tegma já possui, criando serviços inovadores. Queremos oferecer algo diferente, algo que o mercado logístico talvez ainda não esteja explorando suficientemente. Não buscamos competir diretamente em serviços tradicionais de gestão de armazéns ou expedição de caixas e itens menores, áreas em que outras empresas já estão bem consolidadas. Nossa estratégia é criar soluções diferenciadas que ofereçam benefícios claros para os clientes, muitas vezes em aspectos que eles ainda não mensuram completamente. A grande vantagem da Tegma é sua estrutura de capital e capacidade financeira, que nos permite investir em projetos inovadores. Isso nos dá a liberdade de fazer algo realmente diferente, algo que exija investimentos significativos, mas que, no fim das contas, traga a satisfação dos clientes e os resultados esperados pelos nossos acionistas. Acho que isso resume o que o mercado pode esperar dessa nova fase da DLI: um foco em inovação, serviços diferenciados e crescimento sustentável, sempre com o cliente no centro das nossas decisões.
Fonte: Mundo Logística