A Confederação Nacional da Indústria (CNI) está preocupada com a crescente concentração no transporte marítimo de cargas e se articula para ampliar o poder de pressão dos usuários sobre os grandes grupos do setor.
Um estudo recente da entidade, obtido pelo Valor, aponta que o número de empresas de navegação que transportam contêineres no Brasil caiu de 23, em 2015, para 14, em 2019 - destas, oito são grandes companhias, reunidas em três alianças globais nas quais compartilham operações.
Para a CNI, o resultado da concentração é a queda da concorrência, o que amplia a pressão sobre os fretes e gera arbitrariedades na prestação do serviço - como a criação de taxas, o cancelamento de escalas sem aviso prévio, entre outros, afirma Matheus Braga de Castro, analista da entidade.
As companhias de navegação rebatem as acusações. O Centronave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica), que representa o setor, disse, em nota, que a concentração não reduziu a concorrência, e que “são muitos os ‘players’ que competem em liberdade de atuação neste mercado”.
Além disso, a associação diz que o processo de consolidação atinge não apenas a navegação, mas também “incontáveis ramos da economia”, inclusive do lado dos tomadores de serviços de transportes marítimos, como indústrias automotiva, farmacêutica, de alimentação e grandes frigoríficos - ou seja, o poder de barganha dos usuários em vários segmentos também aumentou.
Uma das reclamações da indústria às empresas de navegação é que, nos últimos anos, caiu muito o número de serviços operados nos portos brasileiros. Com isso, os usuários têm menos opções de viagens e escalas para transportar suas cargas ao destino final. Em 2015, as transportadoras de contêineres operavam 94 serviços por semana no Brasil. Ao fim de 2019, o número havia caído para 66, aponta o estudo.
A consolidação do mercado global de transporte marítimo se intensificou a partir de 2015, com uma série de fusões e falências no setor. O processo é resultado de mais de uma década de prejuízos das empresas de navegação e de quedas nos valores dos fretes, segundo Leandro Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping.
“Os armadores passaram a usar navios maiores para conseguir ganhos de escala e eficiência, o que também fez com que o número de serviços caísse. As empresas buscaram se defender, muitas faliram no meio do caminho. Mas a consolidação é uma preocupação legítima”, afirma.
Para a CNI, outro grande temor é a crescente verticalização das cadeias logísticas globais, já que os grupos de navegação cada vez mais investem nos portos e em transportes terrestres, diz Castro.
No Brasil, há alguns exemplos de terminais portuários controlados por grupos de navegação. A APM Terminals (da Maersk) controla ativos em Pecém (CE), Itajaí (SC) e Itapoá (PR), e a Terminal Investment Limited (da MSC) opera em Navegantes (SC) e no Rio de Janeiro. As duas empresas também formam uma joint venture no Porto de Santos (SP), a Brasil Terminal Portuário (BTP).
A indústria começa a discutir a criação de uma entidade para evitar abusos, afirma Castro, da CNI. “Estamos em reuniões iniciais para formar um conselho nacional de usuários de transporte de contêineres. É uma estratégia para ampliar o poder de barganha.”
Em relação a esse ponto, o Centronave afirma que muitos desses ativos portuários são “investimentos ‘greenfield’ \[construídos do zero] que outros investidores não se interessaram em desenvolver”. Os terminais, diz a entidade, são um dos “elos operacionais mais importantes da cadeia”, e, por isso, “precisam ser extremamente eficientes para garantir fluidez”. A associação também destaca que a maior parte dos operadores de terminais no Brasil e no mundo são independentes.
Os questionamentos da CNI vêm à tona em meio à disparada de preços dos fretes e de problemas na prestação dos serviços, como atrasos e cancelamentos. Em janeiro, o frete na rota Santos-Xangai atingiu um patamar recorde de US$ 10 mil por TEU (medida equivalente a 20 pés).
Esse aumento tem ocorrido em todo o mundo, principalmente nas rotas que partem da China, o que vem gerando questionamentos às empresas de navegação por parte de autoridades regulatórias na Europa, nos Estados Unidos e na China.
A própria CNI, porém, não enxerga arbitrariedade na recente alta dos fretes. Castro avalia que a causa dessa disparada nos últimos meses são problemas logísticos decorrentes da pandemia. “É um momento anormal, os fatores conjunturais falam mais alto do que aspectos estruturais \[a concentração de mercado].” Ele diz que a preocupação precede os distúrbios recentes do mercado.
Em relação aos questionamentos que têm sido feitos em outros países ao setor, o Centronave diz que não acredita em qualquer tipo de intervenção no Brasil e “espera que a liberdade de mercado prevaleça”. A entidade destaca que o setor disponibiliza ao país “toda uma infraestrutura logística” sem receber qualquer incentivo fiscal ou recurso público.
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