brasileira Luiza Demôro é chefe global de transição energética da Bnef, o braço de pesquisas da Bloomberg. De Londres, ela coordena a produção de dados ligados à descarbonização em todo o mundo e conversar com investidores de vários países.
Ela recebeu a Folha na sede da Bloomberg em São Paulo, onde enfatizou a necessidade de o Brasil tomar de imediato a dianteira das discussões climáticas, aproveitando a presidência do G20 neste ano e da COP no ano que vem.
O Brasil está atrás dos países desenvolvidos na produção de hidrogênio verde?
Não, mas as políticas públicas precisam avançar. A nossa síndrome de vira lata é muito grande; a gente se vende muito mal porque achamos que somos piores do que todo mundo e isso não é verdade. A gente precisa olhar em volta e entender que comparado com a maior parte dos países, principalmente os emergentes, estamos muito à frente.
O que é necessário em termos de política pública para incentivar a produção de hidrogênio verde?
Precisamos de sinais que trazem mais confiança ao investidor, como direção de onde o país quer ir a longo prazo, com mais firmeza em termos de oferta e demanda. São planos claros que dão segurança ao investidor de qual o tamanho da demanda para uma solução específica. A nova NDC (compromisso de redução de emissões de carbono) do Brasil, por exemplo, pode ter indicações claras, não necessariamente de qual a solução vai ser aplicada, mas de onde o país de fato quer chegar.
Os leilões de renováveis, por exemplo, tinham sucesso porque o governo dava uma direção clara de longo prazo, e o investidor sabia exatamente onde ele estava pisando.
Estamos preparados para exportar produtos de valor agregado para países desenvolvidos?
A gente sabe que a demanda da Europa, por exemplo, vai existir, porque eles não vão conseguir suprir a própria demanda no longo prazo, mas o Brasil vai precisar lidar com barreiras relacionadas à infraestrutura e transporte e também precisaremos ter mais clareza do impacto dos subsídios dos países desenvolvidos sobre o produto brasileiro.
Por exemplo, o hidrogênio brasileiro tem capacidade de ser o mais competitivo do mundo, mas quando se considera os subsídios dos EUA e da Europa, essa competitividade cai. Mas como a Europa não vai conseguir suprir toda a sua demanda, eles vão precisar ir para o mercado externo. Então, se somos um dos mais baratos sem subsídios, somos competitivos.
O Brasil tem condições de subsidiar essa produção?
No momento que alguma tecnologia específica passa a ficar interessante para a economia, os incentivos mudam, mas hoje não está nas projeções.
Há quem diga que hidrogênio verde é solução importada e que, no caso do Brasil, o melhor seria utilizar o biometano. Também é a sua opinião?
Para que consigamos chegar ao net zero em 2050, precisaremos levar em consideração todas as tecnologias e soluções disponíveis, e elas vão variar de país a país. Um desafio é a escala; existem tecnologias que hoje são mais baratas, mas quando outras começam a escalar o preço começa a cair muito rápido e as que eram mais baratas não ficam tão competitivas. Mas, no Brasil, todas as soluções precisam ser consideradas e aplicadas.
O governo não precisaria escolher uma solução para dar incentivos fiscais?
O ideal são incentivos para um objetivo e não para uma tecnologia específica; caso contrário você acaba com a competitividade de outras soluções, principalmente na descarbonização da indústria. A gente se distrai muito nas conversas de quem ganha e quem perde, sendo que essa não é a direção para fazer com que a economia se descarbonize.
Uma das direções seria aprovar o mercado de carbono, hoje parado no Senado?
Não avançar com o mercado de carbono muito em breve vai ser perder a maior oportunidade para o Brasil. A gente tem potencial de ter o maior mercado e de mais alta qualidade do mundo, e isso tem potencial de transformar a economia brasileira. A gente está agora só com o mercado voluntário, suprindo o Brasil e o mundo, mas quando você passa a ter um mercado regulado, você coloca regras no jogo que vão aumentar a demanda e que vão aumentar o preço e isso impacta também o mercado voluntário de créditos de carbono.
Por que tem travado?
O problema do mercado de carbono é que muitas das regras foram feitas por países desenvolvidos e não por países em desenvolvimento ou por países tropicais, então precisamos tropicalizar essas regras para trazer credibilidade e qualidade para o mercado. Estamos presidindo o G20 e, no ano que vem, a COP, então essa é a oportunidade única para a gente direcionar os holofotes globais para o Brasil. A gente precisa usar esse momento para que o mundo entenda o Brasil de verdade, não o caricato. O mundo precisa entender nossas dificuldades com desmatamento, por exemplo.
O que é tropicalizar o mercado de carbono?
É entender a realidade das florestas e do agronegócio do Brasil. Você não consegue criar um mercado de alta qualidade de carbono se você não entende quais são as causas reais que estão afetando a qualidade de crédito.
Mas essa sua tese só faz sentido se os créditos de carbono forem aceitos como forma de compensar as emissões, o que tem sido contestado.
Esse talvez seja o tema mais complexo de clima da atualidade, porque ele envolve interesse de muitos lados e é um tópico sem fronteira. Então, de fato, a oportunidade do Brasil depende de todas essas partes movendo na direção que seja favorável. E, portanto, se é interesse do país, o momento de influenciar a comunidade global é agora. Se deixar passar, não teremos mais a possibilidade.
Explorar petróleo na foz do Amazonas prejudicará a imagem global do Brasil como líder da transição energética?
Esse sinal me preocupa, porque em uma época em que o clima ficou tão importante para o Brasil e se fala tanto em nova industrialização, isso não seria bem visto. Me preocupa também porque no momento que o país pega a presidência da COP, os holofotes se voltam e a imprensa global foca em apontar todos os fatos que não se alinham com o que o país está propondo, e esse com certeza vai ser um deles. Não vamos sair ilesos disso.
Fonte: Folha