Por Ricardo Pagliari Levy, sócio de Infraestrutura do Pinheiro Neto Advogados e Roberto Zilsch Lambauer, associado sênior de Infraestrutura do Pinheiro Neto Advogados
A União Federal tem adotado uma série de medidas estratégicas para ampliar o investimento privado no setor portuário, que exerce papel fundamental na cadeia logística nacional, e concentrado esforços no planejamento da área, marcada pela remoção de barreiras à entrada de novos operadores privados na última década. Os resultados têm sido notáveis, apesar do baixo nível de investimento estatal no setor.
O primeiro marco setorial foi alcançado com o amplo incentivo ao modelo de autorizações portuárias, preconizado pela Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. À época, a estratégia para viabilizar a entrada de novos players consistiu principalmente na remoção de gargalos regulatórios para a movimentação de cargas de terceiros, bem como na imposição de encargos operacionais mínimos para autorizatários. O modelo é considerado bem-sucedido e serviu de inspiração para o recente Marco Legal das Ferrovias.
O tempo demonstrou que o modelo de autorização não inviabiliza os portos públicos. Tanto que em novembro do ano passado foi realizado na B3 um importante leilão que resultou na outorga de contratos de arrendamento nos Portos de Santos e Imbituba totalizando R$ 700 milhões em investimentos privados. O Governo Federal contabiliza 33 contratos de arrendamento firmados nos últimos dois anos.
Em paralelo, a União planeja a privatização de diversas companhias docas. A ANTAQ acaba de aprovar o edital de leilão da CODESA (Companhia Docas do Espírito Santo), que servirá como benchmark para projetos de envergadura ainda maior, como no caso da Santos Port Authority.
Essas iniciativas visam ampliar a eficiência da administração dos portos – segundo dados da CNI, as companhias docas teriam capacidade de execução orçamentária de apenas 30%, em média, nas últimas duas décadas. Ainda que permaneçam dúvidas sobre o modelo de privatização das companhias docas (em especial quanto à segurança jurídica de contratos de arrendamento e mecanismos para pulverizar a influência de prestadores relevantes na administração dos portos), a iniciativa de delegar a administração dos portos para o setor privado é salutar. Assim, a União poderá concentrar esforços no planejamento, regulação e fiscalização do setor portuário.
Na esteira das privatizações de companhias docas, a União resolveu atacar um nicho praticamente abandonado nas últimas décadas. Nesse sentido, a recém-promulgada Lei nº 14.301/2022 introduz o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (BR do Mar). A referida norma – resultado de intensa articulação por parte do Ministério da Infraestrutura – foi precedida de estudos iniciados em 2019 sobre alternativas ao transporte rodoviário de cargas, no âmbito dos quais se identificou a necessidade de estímulo à cabotagem como alternativa ao modal rodoviário. No jargão setorial, cabotagem é a navegação doméstica entre portos ou pontos na mesma costa (ou seja, no mesmo país).
A principal inovação consiste na possibilidade de empresa habilitada no BR do Mar afretar embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, para navegação de cabotagem, independentemente de contrato de construção em eficácia ou de propriedade de embarcação brasileira. Ou seja, cada Empresa Brasileira de Navegação (EBN) autorizada pela ANTAQ (cujo capital pode ser nacional ou estrangeiro) poderá afretar embarcação estrangeira sem a obrigação de ter frota própria ou de contratar a construção de embarcação em estaleiro brasileiro. Essa exigência estava prevista na regulação anterior e representava óbice à expansão da cabotagem no País.
A Lei nº 14.301/2022 prevê regra de transição segundo a qual cada empresa poderá afretar uma única embarcação estrangeira no primeiro ano de vigência. O limite será gradualmente incrementado para até quatro embarcações após 36 meses de vigência da lei em questão. Por fim, após 48 meses de vigência da referida lei, passará a ser livre o afretamento de embarcação estrangeira desde que observadas as respectivas regras e as condições de segurança a serem previstas em regulamento.
A norma destaca, ainda, o papel da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBN-i), a qual deverá constituir frota para posterior afretamento a empresas brasileiras de navegação (autorizadas pela ANTAQ), dispensando a necessidade dessas últimas investirem em frota própria. Outra medida de fomento consiste na ampliação das hipóteses de financiamento pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM), que passou a cobrir, por exemplo, manutenções preventivas nas embarcações.
Por outro lado, foi vetada a recriação do Reporto, programa de benefício tributário extinto em dezembro último que desonerava investimentos realizados em portos e ferrovias. A Presidência da República argumentou que a reintrodução do Reporto seria contrária ao interesse público e padeceria de inconstitucionalidade, por importar em renúncia de receitas sem a apresentação de justificativa de impacto orçamentário. O veto foi fortemente criticado por operadores do setor.
Também foi vetado dispositivo prevendo que a tripulação de embarcação afretada deveria ser composta por, no mínimo, dois terços de brasileiros. Conforme constou do veto da Presidência da República, o referido dispositivo “geraria aumento dos custos para as embarcações, o que reduziria a atratividade para que um quantitativo maior de embarcações estrangeiras de baixo custo pudesse aderir ao programa e operar no país”. Pela norma sancionada, apenas alguns postos estão reservados a brasileiros, tais como comandante, mestre de cabotagem, chefe de máquinas e condutor de máquinas.
Com a introdução do BR do Mar, o Governo Federal deseja ampliar de 11% para 30% a participação da cabotagem na matriz logística nacional. Espera-se que até o final do ano o volume de contêineres transportados via cabotagem seja ampliado para dois milhões de TEUs. Além disso, há expectativa de ampliação em até 40% da capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos.
É bem-vinda a aprovação do BR do Mar como medida de fomento à cabotagem, haja vista a subutilização de tal modal de transporte na matriz logística brasileira. Assim como as demais medidas de modernização portuária implementadas na última década, o BR do Mar aposta na capacidade de investimento do setor privado para a captura de ganhos de eficiência proporcionados pela cabotagem, que representa uma alternativa segura e mais barata quando comparada ao modal rodoviário.
Fonte: Estadão
27/11/2024
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