O francês Florent Menegaux, CEO global da Michelin, avalia que os problemas nas cadeias globais de suprimento serão resolvidos, “na melhor hipótese”, em 2023. E cita o impacto incontornável da inflação de insumos nos preços. O executivo, que esteve na Escócia para a COP26, defende que os governos elaborem leis e metas ambientais claras, contínuas e compartilhadas entre os países, para permitir concorrência justa entre as empresas.
Em visita ao Rio — onde já viveu por dois anos —, ele contou ao GLOBO que a fabricante de pneus, que avança como fornecedora para veículos elétricos, está lançando um produto sem ar, que não fura, já utilizado em pequenos veículos. O modelo para carros ainda não está pronto.
Em paralelo, abre outras frentes. Em 2030, a companhia quer ter de 20% a 30% de seu faturamento vindos de produtos que não são pneus, como serviços e compostos flexíveis.
Como os problemas na cadeia global de suprimentos afetam a Michelin?
Estão faltando navios, contêineres, chips, além de vários insumos brutos. Tínhamos um ou dois preços (de frete marítimo) por trimestre. Agora muda várias vezes por dia. É uma confusão conseguir frete aéreo da Europa para a América do Sul, o que leva tempo.
E temos de fazer esforço para ter a ponte aérea entre o Sudeste da Ásia e nossas fábricas ao redor do mundo e para seguir operando, já que não conseguimos encontrar contêineres e disponibilidade para reserva de frete.
Agora, as empresas marítimas apresentam problemas de horário por haver um acúmulo enorme de carga. Isso tem feito com que as linhas não parem em alguns portos. Por exemplo, um navio que deveria parar no Peru não faz isso. E seu contêiner vai para o Chile ou o México.
Quando termina esse gargalo?
Acredito que a solução para o problema da logística global virá só em 2023, na melhor hipótese. É que as empresas marítimas não vão reativar toda a capacidade que costumavam ter porque precisam renovar suas frotas por questões ambientais. E o problema é que existe uma escassez de contêineres. Com isso, as empresas preferem carregar contêineres totalmente cheios.
Negócios: No embargo da carne, Pequim adota 'paciência estratégica'
Assim, os vazios não voltam para suas origens, e isso leva à falta de contêineres em países produtores, sobretudo China e os do Sudeste da Ásia.
Também faltam motoristas de caminhão em toda a América do Norte, o que já acontece na Europa, além do Japão. Não sabemos quanto tempo essa crise vai durar porque, durante os lockdowns decretados em diversos países, o comportamento das pessoas em relação ao trabalho mudou. Vai levar algum tempo até melhorar. O mercado está forte em todos os lugares. Mas está difícil recrutar.
Há profissionais que se aposentaram ou anteciparam sua aposentadoria em diversos países. É complexo para explicar, porque é um problema que atinge uma diversidade de áreas ao mesmo tempo.
E isso impacta os preços?
É claro que nossos custos de produção estão subindo muito rápido. Há inflação avançando em todos os lugares. O custo de um contêiner da Ásia para a América do Sul foi de US$ 2 mil para US$ 14 mil. Mas este é apenas um aspecto da inflação, porque há a alta de custo das frotas de caminhão, combustível, gás, energia. Inflação para todo lado. E, infelizmente para os clientes, nós não temos como parar essa onda de inflação através de medidas em nossa cadeia de produção.
Adotamos uma série de medidas que beneficiaram nossa clientela no passado. Agora, porém, não há como compensar essa inflação com produtividade, temos de repassá-la. Aumentamos nossos preços em vários lugares, e também na América do Sul. Ao mesmo tempo, temos de seguir com investimentos em capacidade e nos tornarmos mais locais, em linha com nossas iniciativas de impacto ambiental.
Precisamos ter uma forma mais verde de produzir nossos pneus, substituir materiais por outros sustentáveis ou reciclados. Então, temos investimento a fazer e não temos como bancar uma inflação alta a ponto de comer a nossa margem. Todas as corporações enfrentam o mesmo problema.
O senhor participou da COP26?
Estive na COP26, na Escócia, por três dias. Defendemos três propostas. Uma é focar em ações práticas, que os governos regulem e deixem as corporações organizarem como vão cumprir. Eles colocam as metas, dizendo o que tem de ser atingido em redução de emissões de CO, em diversidade, biodiversidade, e as corporações definem que tecnologias serão úteis.
A segunda é ter regulações previsíveis e compartilhadas pelos países. A concorrência é desigual, porque as regras do jogo não são regulares, claras ou corretas. As corporações estão atuando com inovação e tecnologia, para continuar a reduzir impactos de suas atividades. Mas temos de reduzir emissões de CO sem reduzir a mobilidade, que é um forte vetor de desenvolvimento.
Como fica a mobilidade pós-pandemia?
Mobilidade é função direta da densidade populacional. Quando é alta, você organiza o transporte público. Se não, isso não funciona. É acesso a trabalho, cultura, direito humano básico. Tem de ser reimaginada. No pós-pandemia, reforçamos a necessidade de ativar cadeias locais.
A América do Sul precisa buscar mais fornecedores de insumos e componentes na região, ao invés de importar da Ásia. É um momento para repensar a cadeia de insumos e fornecedores. Já seguíamos essa estratégia.
A crise no Brasil impacta os investimentos da Michelin?
A América do Sul tem muito potencial e crises econômicas. Passei por crises enormes e, depois, um boom. E investimos de forma maciça porque sabíamos que seria relevante, fizemos mais aquisições. E isso se mantém mesmo na pandemia, que é período curto. Investimos de olho no longo prazo. Meu dever é trabalhar para os próximos cem anos.
Neste momento, existe uma crise enorme (no Brasil). Politicamente, não posso julgar, mas sabemos que depois da crise haverá outro boom, porque o país tem muitos recursos, pessoas maravilhosas, um mercado em desenvolvimento.
E em que novas frentes de atuação a companhia aposta?
Continuaremos a crescer em pneus, em torno e além deles. Na nossa previsão para 2030, as atividades que não são produção de pneus vão representar de 20% a 30% do faturamento, ante só 5% hoje. Há serviços em que estamos investindo. E desenvolvemos soluções em compostos flexíveis, como transportadoras e correias, biopolímeros e para terapia celular.
Nova Tesla? Fabricante de caminhão elétrico Rivian estreia na Bolsa valendo US$ 100 bi, mais do que GM e Ford
Veículos elétricos são um novo grande mercado?
Atuamos na área há 40 anos. O pneu impacta diretamente o desempenho do carro elétrico. O motor é mais pesado, e isso pede outro tipo de produto, que ajude a reduzir o consumo de energia. Acreditamos que o hidrogênio é necessário para complementar as baterias, que têm uma série de desafios.
E o que é o pneu sem ar?
É uma tecnologia que já está sendo usada em equipamentos como cortadores de grama, nos Estados unidos, em motocicletas do tipo off-road e similares. Não podemos chamar de pneu. Não usa ar e não fura. Estamos desenvolvendo a versão para carros. Deve levar um par de anos até chegarmos lá.
Fonte: OGLOBO
27/11/2024
Costa Filho defende avanços na agenda de sustentabilidade no mercado de aviação e navegação
Durante o seminário “Brasil rumo à COP 30”, realizado pela Editora Globo em parceria com a CCR, o ministro afirmou que o governo tem estimulado a contratação de navios "cada vez maiores" (...)