09/04/2021

A indústria digital está em xeque

 A indústria digital está em xeque


Por Pedro Doria, jornalista\
Este ano é um ano de transformação para a indústria digital. A mudança não é uma – são muitas. Nenhuma é de novo aparelho, revolução em software, inovação de qualquer sorte. Mas enquanto as fábricas de automóveis estão empacando mundo afora por conta de falta de microchips, centenas de bilhões de dólares se acumulam em ilhotas no Canal da Mancha e gigantes ainda pairam na península logo abaixo de San Francisco – o Vale do Silício – tudo pode mudar.

Microprocessadores estão em falta. No mundo todo. Quem quer mas ainda não conseguiu comprar um PlayStation 5, o novo modelo de iMac, ou um carro bacana daqueles cheios de apetrechos digitais, o problema é este. Nas lojas, a explicação é que a pandemia atrapalhou a logística do mundo. É verdade, mas é só parcialmente.

Houve um tempo em que a Intel, empresa que inventou o Vale do Silício e a microcomputação, era líder mundial em microchips – o cérebro de qualquer coisa que se diga digital. Não mais. A força dominante é a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company. Todos a chamam de TSMC. Mesmo com este nome sem graça, sem uma marca que o valha, produz próximo de 60% dos microchips do planeta. Em segundo, com quase 20%, está a coreana Samsung. E simplesmente nenhuma empresa ocidental tem o nível de tecnologia e capacidade de miniaturização para fazer o que a TSMC faz. Dentro do seu celular, o cérebro veio de Taiwan (até a Intel desenha algum de seus chips e terceiriza lá).

A pandemia atrapalhou a linha de produção, a logística de chegada de matéria-prima e a de partida de chips prontos, mas se não fosse a briga comercial do ex-presidente Donald Trump com a China, parte desta logística não estaria tão abalada. Quando se sai proibindo uso de tecnologia aqui e ali, nas brigas entre advogados sobre origem de dezenas de milhares de patentes, na tentativa de determinar se o aparelho x ou o y usam isso ou aquilo, tudo atrasa. E o novo PlayStation não chega às lojas. Este processo da globalização, que funcionava há trinta anos, quebrou e tem de ser remontado.

Enquanto isso, a ex-presidente do Banco Central americano, hoje equivalente a ministra da Economia, Janet Yellen pôs perante os europeus uma proposta inusitada. Garantir que toda nação cobre uma taxa mínima de corporações – fala-se num piso de 21%. No Brasil, passa dos 35% – não faz lá muito sentido botar empresa de alcance global por aqui. Na Irlanda, por exemplo, é 12,5%. Lá faz muito sentido – e muitas gigantes do Vale têm lá suas sedes europeias. Algumas ilhas autônomas na Europa cobram ainda menos e, num mundo em que compras são feitas online em território não lá muito claro, faturar onde convém é fácil. Corporações que valem trilhão de dólar no mercado pagam bem pouco imposto.

Se o projeto de Biden der certo e o mundo comprar a ideia, haverá mais dinheiro para segurar o desemprego que a automação vai causar. Este, afinal, é o problema de todos.

Este, mas não só. Porque as duas crises – mais o antitruste que vem aí – se encaixam. No pano de fundo está a guerra fria entre EUA e China, que Trump considerou resolver numa guerra tarifária ou proibindo uso de patentes. Emperrou a logística mundial sem ter visto a crise real. Quando eram EUA contra União Soviética, o problema era quem podia explodir mais vezes o planeta. Com a China é mais complexo. É uma ditadura que se mostrou capaz de ser mais avançada tecnologicamente e de gerar e distribuir riqueza, sugerindo que talvez tenha um modelo melhor do que o da democracia liberal. Cabe às democracias provarem o contrário.

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