A transformação no setor de logística não é apenas uma questão de tecnologia, mas também de liderança. Quando se fala em inovação, mulheres como Francieli Tartari Pietsch, têm mostrado que é possível romper barreiras e redefinir o futuro do setor. Com quase 20 anos de experiência, a executiva ocupa a diretoria de Tecnologia e Inovação da BBM Logística desde dezembro de 2023.
Em entrevista à MundoLogística para a série “Elas na Logística”, que comemora o mês da mulher, Francieli compartilhou sua trajetória no setor, destacando como o início de sua carreira foi marcado pela paixão pela tecnologia — que começou ainda na infância, quando fez seu primeiro curso de programação, aos 12 anos. A executiva também falou sobre a importância de uma formação contínua e de sempre buscar novos conhecimentos para se destacar em um mercado competitivo.
Além disso, ela enfatizou sobre a importância de se ter referências femininas e de incentivar as meninas desde cedo a se sentirem capazes de ocupar qualquer espaço que desejarem — seja na logística, na tecnologia ou em qualquer outro setor.
Leia na íntegra!
MUNDOLOGÍSTICA: Você tem quase duas décadas de experiência com tecnologia aplicada à logística. Se olharmos lá para o começo da sua carreira, o que te levou a seguir esse caminho? Sempre foi um plano ou aconteceu de forma natural?
FRANCIELI TARTARI: Minha história com a tecnologia começou cedo. Com aproximadamente 12 anos, fiz meu primeiro curso de programação em delphi e desde então já sabia que era isso que eu queria. Me apaixonei por tecnologia. Com 13 para 14 anos, já estava dando aula nessa mesma escola para crianças e adolescentes. Foi muito cedo que descobri para onde eu gostaria de ir, estava muito claro. Depois disso, fiz um curso técnico, onde entrei oficialmente na área de tecnologia. Iniciei como estagiária e fui crescendo dentro da empresa, onde permaneci por 14 anos, chegando a ser gerente de toda a fábrica e da parte de negócios. O foco da empresa era o desenvolvimento de tecnologia para logística e transporte, então, desde os 18 anos, minha atuação sempre esteve ligada a esse setor. Meu envolvimento com a logística aconteceu de forma natural, pois é um mercado dinâmico, cheio de desafios complexos, e vi o impacto real da tecnologia na eficiência operacional. Paralelamente, fui me especializando, incentivada pelos meus pais, que sempre valorizaram o estudo. Apesar de não terem tido tantas oportunidades, sempre me incentivaram a buscar o melhor. Fiz diversos cursos, desde robótica e inglês na infância, até graduação, duas pós-graduações, MBA e cursos complementares. Há cinco anos estou na BBM, onde comecei como gerente e hoje sou diretora de tecnologia e inovação, sempre estudando e buscando evoluir.
Como você chegou à posição de liderança?
Assim como a logística, a liderança também foi um caminho natural para mim. As pessoas ao meu redor me enxergavam como líder antes mesmo de eu perceber. Desde muito jovem, via que inspirava outros profissionais. Com 17 anos, já tinha uma posição de destaque, e aos 19 me tornei supervisora de desenvolvimento, liderando pessoas com o dobro da minha idade. Isso me fez entender que precisava estudar muito. Como meus pais já incentivavam essa busca pelo conhecimento, fiz cursos de coaching — que não era moda na época —, liderança, oratória, gestão de conflitos, PMBOK, entre outros. Sabia que precisava me especializar para ser uma líder melhor. Minha posição da liderança chegou das próprias pessoas fazendo a minha indicação, mas percebi que gostava, estudei e me especializei para estar onde estou. Me considero uma pessoa muito dedicada, comprometida e que tem um carinho pelo que faz. Gosto muito de aprender, e esse aprendizado contínuo me permite crescer dentro da empresa, aprendendo com as pessoas ao meu redor, independentemente da idade. Alguns têm mais experiência, outros são mais rápidos, e cada um contribui de alguma forma. Além disso, sempre tive um foco muito grande na entrega de resultados. Meus mentores e líderes confiaram no meu potencial e me deram espaço. Tive o privilégio de estar em empresas que valorizam isso. Hoje, quando olho para trás, vejo que cada etapa que passei foi essencial para me preparar para os desafios que tenho agora.
Você tem mais de 19 anos de experiência no setor. Como era a presença feminina na logística quando você começou e como vê essa evolução ao longo dos anos?
Sim, e com tecnologia junto. Então são três pontos: logística, tecnologia e também a questão da idade. O que eu percebo é o seguinte: quando comecei, a presença feminina na logística, especialmente na tecnologia, era mínima, muito menor do que é hoje. Era comum eu ser a única mulher em reuniões, eventos e até mesmo em equipes inteiras. Com o tempo, isso foi mudando. Hoje, vemos mais mulheres em cargos de liderança, mais iniciativas voltadas à inclusão e mais espaço sendo conquistado. Mas sabemos que a logística ainda é um ambiente predominantemente masculino, e a tecnologia não é diferente. Minha escolha de carreira me levou a atuar em dois setores especificamente masculinos, mas, na BBM, isso sempre foi algo natural para mim. Particularmente, nunca sofri ou senti qualquer tipo de preconceito por ser mulher. Pelo contrário, sempre fui muito encorajada pelos meus superiores a me posicionar. E acredito que o mais importante é justamente isso: posicionar-se como profissional, independentemente do gênero. O que realmente conta são as atitudes, as entregas e os resultados. Por exemplo, quando entro em uma reunião, não penso que sou a única mulher ou que estou passando uma informação para homens. Minha visão é que sou uma profissional capacitada ou em constante capacitação, como qualquer outra pessoa, e que meu objetivo é entregar o melhor resultado possível nessa agenda.
O que ainda precisa ser feito para que mais mulheres cheguem a cargos de decisão na logística?
Na liderança, não podemos nos estagnar, independentemente de sermos homens ou mulheres. Com a rápida evolução das oportunidades, tecnologias e processos, o mundo exige cada vez mais de nós. Para acompanhar esse ritmo, é essencial ter mais oportunidades, claro, mas, acima de tudo, buscar constantemente o conhecimento. Quando olhamos para faculdades, tanto na área de tecnologia quanto de logística, é comum vermos muito mais homens do que mulheres. O desafio é explicar que há oportunidades. Quando eu era criança, pensei que a logística era só dirigir um caminhão, mas é muito mais do que isso. Aliás, dirigir um caminhão é uma parte importante do trabalho que os motoristas, sejam homens ou mulheres, executam. Porém, existem muitos outros espaços para que a logística aconteça. Se não quero estar à frente, dirigindo o caminhão, há muitas outras áreas em que posso atuar: expedição, tecnologia, controladoria, entre outras atividades essenciais para que a logística funcione. Portanto, para que mais mulheres cheguem a cargos de decisão, acredito que seja necessário estudar bastante, focar e ser dedicada. A presença feminina nas empresas traz muitos benefícios, tanto para as organizações quanto para a sociedade. As mulheres possuem características como o olhar detalhado, a praticidade, a rapidez e a análise cuidadosa. A união de diferentes perfis nas decisões traz resultados muito positivos. Por isso, é fundamental destacar casos de sucesso e incentivar as meninas, desde cedo, a entenderem que podem escolher o que quiserem, podem explorar, construir, criar e sonhar grande.
Geralmente, quando um homem se torna pai, não se questiona se isso afetará sua carreira. No caso das mulheres, porém, a maternidade é frequentemente vista como um obstáculo profissional. Você acredita que essa visão ainda persiste?
Acredito que a maternidade ainda é vista como um obstáculo em alguns casos, e isso depende muito da empresa. No meu caso — vou falar de como foi a minha experiência, e, de novo, que pode ser que o meu caso tenha sido diferente —, alguns dizem que por sorte, dedicação ou pode ser o que for, mas, no geral, foi diferente. Algumas empresas valorizam isso, e vou contar o que aconteceu nas minhas duas licenças de maternidade. Eu ainda vejo que, em muitas situações, a maternidade pode ser um freio na carreira das mulheres. Muitas vezes, as mulheres acabam adiando a decisão de ter filhos porque acham que o momento nunca é certo porque a empresa exige muito. No meu caso, por exemplo, eu trabalhei até o último momento da minha gravidez. Na primeira gestação, trabalhei até a sexta-feira e meu filho nasceu na segunda. Na última, trabalhei até às 20h30, e ela nasceu às 23h. Não era para ter nascido naquele dia, mas foi tudo bem e maravilhoso. Não vejo isso como um problema. Claro que existe o período de licença, mas quando você entrega o resultado, o time se complementa, as coisas acabam funcionando bem e a conciliação se torna possível. Na minha primeira licença, eu era mais nova e não queria sair, estava animada, crescendo e queria continuar trabalhando. A empresa, no entanto, solicitou para eu ficar com meu bebê, o que é muito importante, claro. E o que fiz durante minha licença? Eu criei um plano para a empresa, algo que não existia antes: um projeto de PLR. Durante a licença, visitei empresas, fiz benchmarking, e quando voltei, apresentei o projeto. Foi um projeto premiado, e recebeu uma bonificação. Inclusive, fui para São Francisco [EUA] fazer um intercâmbio, tudo por conta do projeto que criei. Mas eles não me pediram, fui eu que quis fazer. Isso não foi uma obrigação minha, foi algo que eu quis fazer porque queria estar envolvida. Esse é o meu perfil, sempre me busco engajar e contribuir. Já na licença da Maria Alice [segunda gestação], fui promovida a diretora enquanto estava em licença maternidade. Isso, para mim, foi muito especial. Eu estava em uma cargo de gerente-geral e, durante minha licença, fui promovida ao cargo de diretora, algo que não é fácil de alcançar. Nem todo mundo almeja essa posição, mas eu queria muito e fiquei muito feliz com o reconhecimento. Claro, não foi uma surpresa, pois já havíamos conversado sobre isso antes, mas aconteceu enquanto eu estava de licença maternidade. Novamente, sei que isso não é uma realidade para todos, mas, no meu caso, a troca valeu muito a pena. Eu me dediquei, estudei muito, e não parei. Acreditei que poderia crescer profissionalmente enquanto também vivia a maternidade. Eu não sofri preconceito, tive oportunidades e tive empresas que me apoiaram e me deram a chance de mostrar meu potencial, mas também fiz a minha parte para que isso se tornasse realidade. Portanto, eu acho que tudo se complementou.
Existe alguma referência feminina que te inspira, seja na vida pessoal ou profissional?
Tenho várias referências femininas, especialmente aqui na empresa, onde há mulheres incríveis. Mas a principal referência que me inspira é a minha mãe. Desde muito cedo, ela sempre foi uma fonte de inspiração para mim, tanto como mãe quanto como profissional, mulher, amiga, esposa, enfim, em todos os aspectos da vida. Ela me ensinou sobre resiliência, a importância de nunca desistir dos sonhos e de cuidar de cada entrega com atenção. Minha mãe era cabeleireira, e imagina só: ela ajudava a realizar os sonhos das pessoas quando arrumava uma noiva. Desde cedo ela falou sobre a importância de manter o sigilo das informações, porque, no salão, as pessoas sempre conversam bastante. Ela sabia que deveria guardar as informações para si e sempre tratar os outros com empatia e respeito. Muitas pessoas que estão no salão precisam de um momento para conversar, e minha mãe sabia ouvir, se dedicar a elas. Ela trabalhou das sete da manhã às onze da noite, de segunda a sábado. Mesmo com uma rotina puxada, ela também cuidava de nós, dos filhos, e queria que tivéssemos uma boa educação. Acredito que ela fez a coisa certa, porque os três filhos estão bem hoje, felizes, e isso, para mim, é o que realmente importa. Então, para mim, ela é a mulher que mais me inspira na vida.
Que legado você gostaria de deixar para as próximas gerações de mulheres que aspiram a posições de liderança no setor de logística?
Acredito que o principal legado que gostaria de deixar é mostrar que é possível. Quero que as mulheres que venham depois de mim saibam que podem escolher sua carreira sem precisar abrir mão da família. Eles podem ser líderes inovadoras e agentes de transformação no setor de logística. E, mais importante: que elas saibam que não estão sozinhas, pois já existem muitos de nós aqui, abrindo caminho. O legado que eu mais gostaria de deixar é o entendimento de que, para alcançar seus objetivos, é necessário estudar muito, se dedicar, ser competente e traçar um objetivo claro. Eu realmente acredito que, com muito foco e dedicação, é possível chegar onde qualquer mulher desejar.
Na sua avaliação, o que mudou de forma mais significativa desde que você começou na área e se existe alguma tecnologia ou solução que você acredita que será um diferencial para os próximos anos?
A tecnologia na logística realmente evoluiu muito nos últimos anos. Quando comecei, ainda utilizávamos sistemas básicos de gestão, planilhas e muitos manuais de operação. Hoje, contamos com tecnologias como IoT, Inteligência Artificial, Big Data e Blockchain, que estão se transformando completamente na forma como operamos. Acredito que uma grande revolução nos próximos anos será impulsionada pela automação inteligente e pela análise preditiva de dados. Para mim, esse será o ponto de inflexão. A capacidade de antecipar problemas e otimizar processos com base em inteligência artificial será um divisor de águas. Além disso, vemos como fundamental a conectividade entre os diferentes players da cadeia logística. Hoje, não é mais apenas sobre um fornecedor ou parceiro, mas sim uma integração entre todos os envolvidos. Acredito que essa conectividade trará enormes ganhos em eficiência, sustentabilidade e mudará a forma como ganharemos na logística.
Fonte: Mundo Logística