A cadeia logística na Europa enfrenta uma dupla onda de problemas. Para além dos “lockdowns” na China, que afetarão o transporte marítimo global nos próximos meses, os portos da região têm sofrido impactos diretos da guerra na Ucrânia e das sanções impostas à Rússia.
Por enquanto, os efeitos da crise estão concentrados no transporte de cargas via contêineres. No entanto, a recente decisão da União Europeia de estender o embargo ao petróleo russo poderá agravar a situação.
Pelas regras vigentes, ainda é permitido o transporte de diversas cargas, como alimentos e produtos farmacêuticos. Porém, a maior parte das companhias de navegação cortaram as linhas com o país, o que já derrubou os volumes de contêineres.
Agora, o sexto pacote de sanções contra a Rússia, ainda em discussão pelo bloco, prevê também o fim das importações de petróleo e seus derivados, de forma gradual, até o fim deste ano. Na prática, algumas companhias do setor também já restringiram suas compras e estão buscando outras fontes. Porém, não se trata de uma tarefa simples, considerando a forte dependência de alguns países ao petróleo russo.
“Sendo realista, o conflito com a Rússia não vai se solucionar tão cedo. Talvez essa situação dure mais do que a pandemia de covid-19. Porque, mesmo que [o presidente russo Vladimir] Putin retire suas tropas da Ucrânia hoje, as sanções não serão derrubadas imediatamente. A confiança foi quebrada e será necessário um grande esforço para reconstruí-la", avalia Wim Dillen, gerente de Desenvolvimento Internacional do Porto de Autuérpia-Bruges, na Bélgica.
A Rússia tem um peso relevante para a maior parte dos portos europeus. Para o porto de Antuérpia, que é o segundo maior do continente, o país foi o quinto principal parceiro comercial em 2021. Foram transportados 5,3 milhões de toneladas de contêineres e 4,8 milhões de toneladas de granéis líquidos, destinados principalmente ao enorme polo petroquímico do porto, o maior da região. Já no porto de Zeebrugge (recentemente incorporado ao da Antuérpia), há um importante comércio de automóveis, que tem sido bastante afetado pelas sanções, além de importações de gás natural.
No principal porto europeu, de Roterdã, na Holanda, a Rússia responde por 30% de todo o petróleo bruto importado pelo porto, além de 25% do gás natural, e 20% dos derivados de petróleo e carvão. Em contêineres, no ano passado, o país respondeu por 8% de todo o volume movimentado - ao todo, foram 1,275 milhão de TEUs (contêineres de 20 pés),incluindo importações, exportações e carga de transbordo.
No porto alemão de Hamburgo, outra importante porta de entrada da Europa, a Rússia foi o segundo maior parceiro comercial em 2021, com um total de 10,8 milhões de toneladas de carga movimentada. Os principais produtos importados são carvão (3,2 milhões de toneladas) e petróleo e derivados (3,6 milhões de toneladas).
Para o porto de Gent, na Bélgica - um dos maiores importadores de carvão da Rússia -, o país tem sido o principal parceiro há alguns anos. A autoridade portuária North Sea Port montou uma força-tarefa para lidar com a crise. Embora os resultados do primeiro trimestre ainda não reflitam a situação, a previsão é que o impacto apareça no próximo resultado, segundo a gerente comercial Sandra De Mey. Em 2021, o porto movimentou 6,3 milhões de toneladas da Rússia.
O comércio com a Ucrânia também deverá ter um impacto relevante, embora menor - no ano passado, o volume transportado do país foi de 1,5 milhão de toneladas em produtos, como milho e colza. “Somos abastecidos de cereais pela Ucrânia para a produção de biodiesel, mas hoje os portos estão fechados. Ouvimos que os produtores estão iniciando o plantio, mas não sabem se poderão exportar, porque os portos estao destruídos. Então temos que buscar outros países, como França, Canadá, Austrália. Claro que, se a matéria-prima vem de mais longe, há mais custos”, afirma De Mey.
Já no caso de produtos vindos da Rússia, essa substituição é mais complexa. Para Dillen, do Porto de Antuérpia, porém, não se trata de uma tarefa inviável. “É um processo difícil e custoso, mas é possível encontrar outras fontes para abastecer nosso polo petroquímico. O fluxo de cargas não vai desaparecer, mas terá que mudar para outras regiões do mundo", diz ele.
Nos dois primeiros meses da guerra (de 24 de fevereiro a 24 de abril), as importações de petróleo russo na União Europeia já caíram 20%, e as de carvão, 40%. Já as compras de gás natural subiram 20% no período, segundo relatório da Centre for Research on Energy and Clean Air (Crea).
Fonte: Valor Econômico