As notícias sobre furtos e roubos de cargas pelas estradas do Brasil continuam bem corriqueiras em 2022, mas o que pouco se destaca é que muitas delas, até por conta de seus altos valores agregados, têm como origem ou destino os portos do país. Um desses episódios ocorreu em no início de setembro, quando a polícia civil do Ceará desarticulou uma quadrilha e recuperou uma carga de placas solares avaliada em R$ 600 mil, que havia saído do Porto de Pecém rumo a Belém (PA), mas foi desviada no trajeto pela região metropolitana de Fortaleza (CE).
Em agosto, um carregamento de R$ 200 mil, com 34 toneladas de fertilizantes importados da Noruega, foi recuperado por policiais civis do Espírito Santo. Na época, as informações oficiais destacaram que a mercadoria havia chegado ao Porto de Capuaba, devendo seguir para uma empresa da região serrana, mas foi furtada no meio do caminho.
Outro caso registrado no final do mês passado envolveu a operação 'Safra 2', deflagrada pela Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO) em Cuiabá (MT), quando foi desarticulada uma quadrilha especializada em roubo de cargas de grãos, principalmente de soja e milho. Em entrevista à Portos e Navios, o delegado Gustavo Belão, que coordenou a operação policial, contou que os motoristas de caminhões eram aliciados pelo grupo de criminosos, recebendo até R$ 25 mil para desviarem esses carregamentos.
Grande parte das cargas tinha como destino o Porto de Miritituba (PA) e o porto seco localizado em Rondonópolis (MT), que pertence a uma importante companhia do setor ferroviário, mantenedora de um grande terminal de grãos na região. “A organização criminosa falsificava os tíquetes de descarga, entregava aos caminhoneiros que, por sua vez, repassavam às transportadoras. Havia certa aparência de licitude no descarregamento. Mas passados um, dois e até três meses é que as transportadoras tomavam conhecimento de que essa carga nunca havia chegado, por exemplo, ao Porto de Miritituba”, relatou o delegado, salientando que a maioria das mercadorias era destinada à exportação.
Segundo Belão, entre as fases um e dois da operação Safra, 152 cargas foram desviadas de seus destinos, somando seis mil toneladas de soja e milho furtados: “Foram em torno de R$ 16 milhões de prejuízos causados às transportadoras e também à seguradora – a empresa que, no final das contas, acabou pagando por esse valor”.
Seguros de cargas
Seguradora especializada em serviços para transportadores e embarcadores, a Akad Seguros viu seus números saltarem, em 2022, principalmente diante do 'boom' do agronegócio. De janeiro a julho, a empresa somou 18,6 milhões em prêmios de seguros, pagos por empresas que transportaram cargas agrícolas. O valor é 72% maior em relação ao registrado em igual período do ano passado.
Conforme a companhia, a atividade ficou mais suscetível aos 'imprevistos' decorrentes da disparada dos valores das cargas e da incidência de roubos nas estradas brasileiras, o que aumentou a procura pelo seguro. Para a empresa, o fenômeno começou em 2020 com a pandemia, no entanto, ganhou ainda mais força a partir de fevereiro deste ano, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, dois dos principais fornecedores de fertilizantes no mercado global, que fez com que disparassem os preços desses insumos por aqui. “Com a carga mais valiosa, as quadrilhas passaram a se organizar mais para monitorar as rotas de escoamento da produção”, alertou Danilo Gamboa, presidente da seguradora.
O chefe da área de transportes da Akad, Ivor Moreno, explicou que o seguro contra acidentes é de contratação obrigatória, por lei, pelos transportadores. “Já o seguro contra roubos é facultativo, mas com a elevação do número de crimes desse tipo, os empresários passaram a buscar mais segurança em suas operações, principalmente no transporte de cargas mais valiosas, como as de fertilizantes e defensivos agrícolas que, devido à elevação de preços nos últimos meses, facilmente passaram de R$ 2 milhões em um mesmo caminhão”, informou à Portos e Navios.
Na visão de Moreno, o aumento de roubos e furtos de mercadorias no país, especialmente nas rodovias, realmente se deve ao valor das mercadorias. “Obviamente que isso passa pela elevação dos preços que as commodities, em geral, tiveram nos últimos tempos. Ainda notamos que não somente produtos destinados ao consumo final tiveram seus roubos ou furtos aumentados, produtos exclusivamente destinados às indústrias, para processamento como matéria-prima, também tiveram”.
Conforme o chefe da área de transportes da Akad, as mercadorias destinadas aos portos e terminais portuários tendem a sofrer outro tipo de crime (no caso, o furto), que não é qualificado como roubo por não haver uma ação efetiva. O que vem ocorrendo, segundo as notificações da empresa, é o desvio de cargas praticado pelo próprio motorista que está conduzindo o caminhão.
“Geralmente, os trajetos para as zonas portuárias são mais extensos, além do fato de os veículos chegarem ao porto e precisarem entrar em uma fila, aguardando a agenda do navio. Diante disso, há um espaço de tempo suficiente para que uma carga seja desviada e os donos da mercadoria só tomem conhecimento 20-30 dias depois. Isso faz, não em poucas situações, que o mesmo motorista que desviou uma carga, retorne à fazenda e carregue mais uma vez, possivelmente desviando mais um lote de mercadorias”, disse Moreno.
Ainda levando em conta o período de janeiro a julho deste ano, a Akad Seguros também registrou um aumento de 50% no número de pedidos de indenização, que passaram de 80 para 120. E o que leva o valor das indenizações a crescer, de forma mais acelerada em relação ao número de pedidos, é justamente a disparada dos preços das cargas transportadas incluindo, especialmente, fertilizantes e outras commodities agrícolas, como a soja. “Esse pagamento do segurado à seguradora faz com que ele tenha direito a uma indenização, caso tenha um sinistro, ou seja, se refere ao custo do seguro. Trazendo para o dia-a-dia do cidadão comum, ele pode ser comparado ao custo pago, anualmente, pelo seguro de um carro, que a pessoa contrata junto à sua seguradora”, salientou Moreno.
Tecnologias
Para minimizar a situação, a Akad está fazendo um novo mapeamento das rotas com o objetivo de alertar seus clientes sobre os trechos mais perigosos. O head de transportes informou que a empresa busca identificar os pontos mais expostos às ações criminosas, de modo que possa nortear a tomada de decisão sobre algumas medidas alternativas, como disponibilizar um agente representante da gerenciadora de risco em pontos de pernoite, próximos desses locais, para que possa reduzir o tempo de informação da falta/ausência da carga.
“Quando um caminhão, que estava sendo aguardado para pernoitar no ‘posto x’ não chega, as equipes de pronta resposta são acionadas, na tentativa de descobrir o que houve com esse veículo: se ele sofreu algum acidente no meio do trajeto ou se, de fato, ele se desviou da rota. Tem sido um trabalho incessante”, afirmou Moreno.
“Temos tecnologia para rastrear os caminhões, mas muitas vezes, a carga é roubada e o veículo abandonado”, disse o presidente da Akad, Danilo Gamboa, revelando que a companhia já iniciou testes de rastreamento para produtos agrícolas, com uma espécie de isca colocada dentro dos insumos. No entanto, isso envolve um procedimento bem complexo, do ponto de vista econômico e operacional, mas pode ser um pontapé para a investigação de crimes de roubos e furtos de cargas, por parte dos órgãos competentes.
Fonte: Portos e Navios