A crise econômica global – ainda como sequela, principalmente, dos gargalos logísticos causados pela pandemia de Covid-19 – persiste em diversos países e continua impactando toda a cadeia de suprimentos, que tem visto os preços dos fretes caírem à medida que a demanda, cada vez menor dos expedidores portuários, faz com que as linhas de navegação disputem “migalhas” no mercado spot, levando ao aumento das reclamações desse mercado, que é vinculado a caros contratos de frete de longo prazo.
A elevação dos preços dos combustíveis e dos alimentos ainda tem levado sindicatos a ameaçarem incomodar as recentes reduções nos principais indicadores de congestionamento em vários portos, especialmente dos Estados Unidos, fora os preocupantes eventos climáticos – como furacões, monções e secas –, que também se tornaram uma parte crucial para a mitigação de riscos do setor.
“O que sobe uma hora, acaba caindo e uma alta temporada decepcionante, definitivamente, interrompeu os preços de frete descontrolados e acelerou o retorno ao ‘antigo normal’. Nesse ritmo, podemos esperar que a normalidade pré-pandemia retorne, já no final do ano. Com estoques quase 50% maiores do que na época da crise financeira de 2007, qualquer queda na demanda será particularmente dolorosa para os transportadores”, analisou Josh Brazil, vice-presidente de Supply Chain Insights da Project44, provedora da Movement (plataforma de visibilidade em tempo real da cadeia de suprimentos), em seu mais recente relatório “Situação do mercado global de transporte de contêineres”.
Nos EUA, o Porto de Los Angeles perdeu o protagonismo para os complexos portuários de Nova York e Nova Jersey, que se tornaram as portas de entrada mais importantes para o território norte-americano, pela primeira vez em agosto. “A mudança simbólica, no direito de se gabar do título de porto de caixas número um dos EUA, faz parte de uma mudança sistemática nos volumes de contêineres da costa oeste para a costa leste e os portos da costa do Golfo dos EUA, nos últimos 12 meses. Também destaca os medos persistentes dos transportadores de greves de estivadores e ferroviários, que ligam a costa oeste aos centros populacionais no leste”, destacou o levantamento.
Desencadeado pelo “doloroso” congestionamento portuário, com até 109 navios esperando para escalar em Los Angeles, entre dezembro de 2021 e janeiro deste ano, as transportadoras e seus clientes trocaram cargas em massa em 2022, mudando suas tonelagens, para escalar diretamente nos portos da costa leste, na costa do Golfo dos EUA.
“A mudança para substituir conexões intermodais caras e congestionadas (ferroviária e caminhões) de Los Angeles/Long Beach, por taxas para transitar pelo Canal do Panamá, permitiu que os embarcadores fizessem escala diretamente nos portos mais próximos dos principais centros populacionais dos EUA, no leste. Portos como Nova York e Savannah tiveram uma tendência de aumento nos volumes ao longo do ano, mas o catalisador que finalmente levou Nova York ao limite, em sua carga de 2022, para passar Los Angeles em agosto e setembro, foi o medo de uma greve do International Longshore e Warehouse Union (ILWU) na costa do Pacífico”, apontou o documento.
Ainda apontou que as transportadoras e seus clientes, com receio de verem os estivadores da ILWU e sindicatos ferroviários cruzando os braços, antes das entregas da alta temporada, empurraram 843.191 TEUs por Nova York em agosto, em comparação com 805.314 TEUs em Los Angeles. “O aumento de 8% nos volumes, em relação ao ano anterior em Nova York, se compara a uma queda de 15,6% nos volumes em Los Angeles, um ganho mensal líquido para Nova York de 23,6% sobre seu maior rival. Espera-se que a tendência continue em setembro e enquanto persistirem os temores de uma greve na costa oeste.”
Tempo de espera
O relatório indicou que a mudança de volumes para os portos norte-americanos da costa leste não aportou sem problemas: com mais navios, vieram os congestionamentos como os que persistiram na costa oeste, no ano passado. “O número de navios esperando para atracar na costa leste e nos portos do Golfo aumentou notavelmente desde julho, principalmente nos portos de Savannah e Houston, que experimentaram um aumento de 208% no número de navios esperando para escalar nos portos em setembro, em comparação com o mesmo período de 2021.”
Savannah teve a maior média com 37 navios, esperando para atracar em setembro, seguido por Nova York com 25 e Houston com 24 embarcações nessa mesma situação. “A pressão sobre os atracadouros em Savannah foi agravada por uma paralisação de três dias, para evitar a devastação causada pelo furacão Ian no final de setembro”.
Ainda conforme a análise, embora o congestionamento continue em Savannah, um aumento mensal de 5% aponta ser improvável que isso atinja as alturas sentidas em Los Angeles, no final do ano passado, quando mais de 100 embarcações ficaram esperando para atracar. “No entanto, o congestionamento na costa leste dos EUA contrasta fortemente com a situação que se desenrola no resto do mundo. As esperas em Los Angeles e Long Beach apresentaram o declínio mais acentuado, com uma redução de 95% no número de navios esperando para atracar nesses portos, em relação ao ano anterior. O declínio de navios esperando para atracar em LA/Long Beach foi de 46%, em relação a agosto de 2022”.
Na China, segundo observou a Project44, a redução do tempo de espera dos navios para atracar foi de 60%, na comparação entre setembro de 2021 e setembro deste ano. Os portos chineses também registraram uma queda de 20% em relação a agosto: “Os atrasos de navios na Europa caíram 84%, em relação ao ano anterior, e 14% em relação a agosto. No Reino Unido, a queda anual foi de 68%, com um aumento marginal de 2% no congestionamento em relação a agosto de 2022”.
“Expedidores e varejistas com cargas a caminho das lojas na costa leste dos EUA optaram por evitar qualquer risco de essas cargas serem apanhadas em uma disputa trabalhista na costa do Pacífico. Embora eles venham investindo pesado para se preparar para essa possibilidade, após a expansão do Canal do Panamá, a situação tem sido pesada demais para os portos. Os níveis de congestionamento devem voltar ao ‘normal’ em Savannah, após a alta temporada, mas é improvável que esses volumes retornem à costa oeste em breve, dado o nível de tonelagem, agora, usando o All Water Route da Ásia para a Usec (US East Coast – costa leste dos EUA)”, analisou Josh Brazil.
A redução na capacidade global de TEUs e navios implantados, em decorrência da queda da demanda, resultou em um declínio constante nos tempos de espera em todas as regiões, exceto nos portos norte-americanos. Os complexos portuários do Canadá, do Golfo e da costa leste dos EUA continuaram abaixo dos níveis do ano passado, com a permanência portuária aumentando entre 9% e 16%.
Já o desempenho portuário no Reino Unido foi o que mais surpreendeu, para o lado positivo, levando em conta que era esperada uma queda no mês passado, após a greve do Porto de Felixstowe. “Os navios que fazem escala no Reino Unido tiveram uma redução de 41,6% na quantidade de tempo, que passaram atracados em setembro em comparação com agosto, em função da greve. Os portos da costa oeste dos EUA, China, costa leste dos EUA, União Europeia e sudeste da Ásia também registraram um declínio nos tempos de navios atracados no mês passado.”
Atrasos de envio
No geral, o relatório destacou que as transportadoras registraram reduções nos atrasos de embarque, de mais de 40% em setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado, e diminuições também expressivas na comparação entre setembro e agosto. A Ásia-Europa experimentou uma queda de 19% nos atrasos de embarque em setembro, em comparação com o mês anterior.
Os prazos de entrega de cargas, por sua vez, ainda permaneceram altos para contêineres que circulam nas rotas comerciais mais importantes do mundo. No entanto, os “lead times” da Ásia para a Europa caíram de 48 dias para 46 dias em setembro, ainda bem acima dos prazos de entrega pré-pandemia, que era de 29 dias.
A situação foi bem pior na rota transpacífica da Ásia para os EUA, como decorrência dos prazos de entrega das cargas, que continuaram em torno de 42 dias, ou seja, o dobro do tempo que costumava levar da Ásia para a costa oeste norte-americana, antes da pandemia. Em setembro, os prazos de entrega das cargas foram ligeiramente maiores do que no mês anterior, crescendo para 42,7 dias, em média.
Apenas na rota transatlântica as companhias de navegação conseguiram chegar, relativamente, perto dos níveis de 2019, com prazos de entrega de 25 dias, e um pouco acima da média de 21 dias, antes da pandemia. Os prazos de entrega de cargas na Costa Transpacífico-Oeste (WC) caíram 37%, desde o início deste ano, mas aumentaram 11% na Costa Transpacífico-Leste (CE).
Perspectivas
Conforme análise da Project44, o cenário macroeconômico preocupante levou analistas a reduzirem suas previsões para as empresas marítimas, em resposta ao cronograma acelerado para o retorno dos preços de frete pré-pandemia. Ao contrário de meados de 2023, agora está previsto que as linhas de navegação voltem ao “antigo normal”, com os carregadores apertando os armadores para as taxas de 2019, já no final deste ano.
“Chega de ofertas vertiginosas para cargas da China a Los Angeles. A bonança da pandemia definitivamente ficou para trás. Enquanto isso, recorrências da Covid, o congestionamento, os fatores socioeconômicos e ambientais continuarão a impactar a cadeia de suprimentos, aumentando a probabilidade de interrupções do lado da oferta em curto e médio prazos. Ações industriais, em resposta ao aumento do custo de vida, bem como secas e furacões, contribuíram para o fechamento de portos e opções intermodais nos últimos dois meses. Sem mencionar a ameaça de novos surtos de pandemia, conflitos e guerra”.
De acordo com o levantamento, as perspectivas de uma greve nas ferrovias e ancoradouros na costa oeste dos EUA continuam assombrando os transportadores marítimos e as linhas de navegação. No entanto, a mudança monumental nos volumes do oeste para as costas leste e do Golfo do país já mostrou como a indústria pode manter sua resiliência diante dessas ameaças.
“Da mesma forma, a ligeira mudança de centros de produção da China para outros países do Sudeste Asiático e até mesmo a construção nos EUA de instalações de produção de alta tecnologia, totalmente automatizadas, sugerem o que pode acontecer em um ambiente geopolítico cada vez mais incerto.”
Fonte: Portos e Navios