Por mais que seja complicado calcular com exatidão as emissões do agro, principalmente nas fazendas, existem alguns parâmetros que indicam qual o impacto do setor para o meio ambiente. O agronegócio, considerando o desmatamento promovido por parte dos fazendeiros – muitas vezes até ilegal –, é responsável por 74% das emissões de gases de efeito estufa do País. Por volta de 80% desse total, estima o Observatório do Clima, vem da produção de carne bovina –do arroto do boi, em grande escala. Por ser também responsável por 25% do PIB nacional, o envolvimento do setor na redução das emissões é prioritário para um ambiente que busque ser carbono zero.
Há dois desafios principais na pauta dos debates. Um deles, e nesse a indústria vem investindo tanto no exterior quanto no Brasil, aponta para o desenvolvimento de produtos e sistemas alimentares que façam com que o boi emita menos metano durante o processo da ruminação. Com produtos cientificamente desenvolvidos, como rações, aditivos e tipos específicos de pastagens, os rebanhos terão melhor digestão e vão gerar menos metano no rúmen. Vários desses processos são monitorados e medidos por técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em diferentes partes do Brasil.
A gestão da eficiência da produção é outro pilar importante. Aumentar a produção de carne, ou de leite, e em paralelo diminuir o ciclo produtivo é um passo importante para reduzir a intensidade das emissões. O que pode ser feito, por exemplo, com tecnologias de melhoramento genético e práticas que aumentem a sanidade e o bem-estar animal. Em tese, um pasto mal manejado e antigo vai emitir mais metano. Um animal que demora muito para engordar contribui mais para as emissões de gases de efeito estufa.
As pesquisas feitas tanto no Brasil quanto no exterior também mostram que os solos podem ser considerados os maiores sumidouros terrestres de carbono. O que leva a um raciocínio lógico. O manejo inteligente das áreas, por meio dos sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta (ILPF), vai ajudar o Brasil não apenas a reduzir suas emissões, mas também compensar. Análises feitas pela própria Embrapa mostram que áreas degradadas bem manejadas podem, inclusive, sequestrar mais carbono no solo do que a própria floresta.
Para isso, entretanto, existem muitos desafios pela frente. O principal deles é aumentar as áreas destinadas para o tipo de produção integrada que, hoje, ainda são pequenas. Além disso, integrar de fato animais, as lavouras e a parte florestal, desde o início das produções, é outro processo fundamental. Tanto que esse tem sido o debate nas chamadas Caravanas Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, organizadas pela Rede ILPF, uma entidade sem fins lucrativos que visa estimular a prática da integração rural no Brasil.
Dados recentes da própria Rede ILPF apontam que existem hoje 17,4 milhões de hectares sob o protocolo da integração. Nos anos 2000, eram apenas 2 milhões de hectares. A meta da Rede ILPF é atingir 35 milhões de hectares em 2030. Na esteira desse crescimento, entre práticas sustentáveis na agropecuária e adoção do sistema ILPF, o Brasil pode evitar a emissão de 1 bilhão de toneladas de CO2 na próxima década, segundo cálculos da Embrapa, que criou a técnica por volta de 2010.
Em evento sobre o tema no final de 2023, Silvia Massruhá, primeira mulher a assumir a presidência na história da Embrapa, disse ao Estadão Blue Studio que o Brasil tem todas as condições para aproveitar o potencial que a ILPF representa. “Temos tecnologia e toda a experiência para conseguir ampliar a área voltada para os sistemas integrados”, afirmou. Segundo ela, também entusiasta da parceria público-privada representada pela Rede ILPF, a relevância dos processos de integração foi reconhecida por meio da Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, criada em 2013.
Do ponto de vista prático, o maior desafio dos sistemas de integração é a inclusão do F, ou seja, do componente florestal, explica a zootecnista Mariana de Aragão Pereira, coordenadora do Programa de Boas Práticas Agropecuárias (BPA) da Embrapa Gado de Corte em Campo Grande (MS). Segundo ela, os produtores de grãos ou de pecuária não estão habituados nem com o mercado florestal nem com a condução de uma floresta plantada. “Como é uma atividade que tem retorno a longo prazo, conhecer bem os mercados compradores (ex.: empresas de celulose, de energia), analisar as alternativas de investimento (custos de oportunidade) e planejar adequadamente o empreendimento são questões fundamentais para a tomada de decisão do produtor”, afirma a especialista. A questão de mão de obra também é outro gargalo relevante à adoção. “É importante saber se há consultores qualificados na região para ajudar no plantio e na condução das florestas plantadas para evitar erros que podem comprometer a rentabilidade do empreendimento”, diz Pereira.
Apesar dos obstáculos, e a questão do custo também costuma pesar, a especialista da Embrapa corrobora, a partir de sua vivência, o aumento do uso dos sistemas de integração lavoura-pecuária, ainda sem o componente florestal. Entre outros motivos, porque os resultados estão sendo observados in loco pelos produtores. “As áreas de fertilidade média a boa, com acesso a insumos e infraestrutura logística e de armazenagem, vêm avançando no uso da sucessão do pasto, com ou sem boi, e lavoura. Os efeitos sinérgicos que uma cultura gera na subsequente são muito determinantes na produtividade tanto da pecuária quanto das lavouras, que vêm experimentando aumentos de 15% a 20% na produção.”
Em termos regionais, Mato Grosso do Sul é um dos Estados expoentes dos sistemas de integração, afirma Pereira. “Áreas que tradicionalmente eram ocupadas apenas pela pecuária, como a microrregião de Campo Grande e Bandeirantes, vêm usando o método da integração, inicialmente, como opção de recuperação de pastagens em degradação, pois a venda dos grãos amortiza o custo do plantio da pastagem. Porém, como os resultados são positivos, muitos produtores acabam aderindo ao sistema de forma mais permanente”, ratifica a zootecnista.
Fonte: Valor Econômico