Pouca gente imagina que um frasco de remédio possa virar alvo de roubo em rodovias. Mas é exatamente isso que acontece no mercado brasileiro, especialmente com medicamentos de alto valor, como as famosas canetas de emagrecimento Ozempic e Mounjaro — hoje entre os produtos mais disputados da indústria farmacêutica.
Para transportar essas cargas sensíveis e caras, a DHL Supply Chain, braço de logística doméstica da gigante alemã no Brasil, decidiu investir pesado em infraestrutura. A empresa acaba de anunciar um aporte de R$ 100 milhões para renovar e expandir sua frota de veículos refrigerados e blindados, usados no transporte de medicamentos, vacinas e insumos médicos.
Além disso, a companhia rebatiza a Polar, transportadora especializada em cadeia fria.
“Esses produtos têm um custo altíssimo e, infelizmente, ficam na mira de quadrilhas especializadas em roubo de carga. Nosso trabalho é trazer tecnologia para inibir a ação dessas quadrilhas”, afirma Plínio Pereira, presidente da DHL Supply Chain no Brasil.
O novo investimento marca a primeira etapa de um plano maior. A meta é reforçar a presença da DHL no setor de logística da saúde, que cresce dois dígitos ao ano e exige controle rigoroso de temperatura e rastreabilidade total.
“Estamos falando de produtos que precisam ser mantidos entre 2°C e 8°C durante todo o trajeto, por quatro dias se necessário, sem nunca sair dessa faixa. Isso exige um nível de controle absurdo”, diz Leonardo Alfaro, head de transportes da DHL.
Nova frota: blindagem, inteligência artificial e controle de temperatura
O plano da DHL é incorporar 60 caminhões refrigerados com tecnologia de ponta até o fim de 2025 e mais 50 em 2026.
Os veículos já saem de fábrica com motores Euro 6, telemetria embarcada, rastreamento com redundância, câmeras com inteligência artificial e sistemas de refrigeração monitorados em tempo real.
O destaque, porém, fica por conta da blindagem: proteção física com placas de aço e blindagem elétrica, que torna o caminhão inviolável.
“Não estamos falando de blindagem em carro de passeio. É blindagem em VUCs, caminhões e até carretas. A combinação de alto valor agregado e temperatura controlada torna esse transporte extremamente visado”, explica Pereira.
“Tem que ter câmera, rastreio, backup de refrigeração e motorista treinado. É quase um laboratório sobre rodas”, complementa Alfaro.
De canetinhas a vacinas: o que está por trás da aposta
O movimento da DHL acompanha o crescimento acelerado do setor de saúde, impulsionado por vacinas, medicamentos biológicos, tratamentos oncológicos e as canetas para emagrecimento, como as usadas para controle de diabetes e GLP-1.
Hoje, a DHL Health Logistics opera com mais de 300 veículos no Brasil, 500 profissionais e bases em Guarulhos, Campinas, Anápolis e Rio de Janeiro.
“A DHL já atuava com armazenagem e transporte, mas agora temos uma solução completa e integrada. Desde a importação até a última milha, tudo com controle de temperatura e rastreabilidade”, afirma Pereira.
Parte do diferencial da operação está na diversidade de modais, que incluem frota rodoviária refrigerada, transporte aéreo e caixas térmicas reutilizáveis.
Apesar de a maior parte da demanda se concentrar em São Paulo, Espírito Santo, Goiás e Minas Gerais — por motivos fiscais e proximidade com portos e aeroportos —, os medicamentos chegam a todos os estados.
“Imagine um tratamento oncológico numa cidade pequena do interior. Esse produto precisa manter a temperatura ideal da origem até o destino, e a gente precisa garantir isso. Não importa se é via rodoviária, aérea ou com caixas térmicas”, diz Alfaro.
Investimento global: DHL aposta € 2 bi na saúde
O investimento no Brasil é apenas uma fração de um movimento global. Em abril de 2025, a DHL anunciou um plano de € 2 bilhões (mais de R$ 12 bilhões) para ampliar suas operações em logística da saúde no mundo.
A operação já conta com 600 centros e armazéns em 130 países, com mais de 2,5 milhões de metros quadrados.
“A gente chama isso de um compromisso com a indústria da saúde. E esse compromisso é global. A DHL Health Logistics nasceu para consolidar tudo isso sob um único guarda-chuva, oferecendo uma solução de ponta a ponta”, destaca Pereira.
Apesar do crescimento do setor, a logística farmacêutica enfrenta um dilema: altíssimo custo fixo e pressão por eficiência.
O transporte refrigerado exige investimentos contínuos em tecnologia, rastreamento e segurança — mas a margem por entrega é apertada, especialmente com a pulverização da demanda em regiões remotas.
“Não existe uma solução única. Cada trajeto exige uma engenharia logística diferente, e qualquer falha compromete a integridade do produto”, ressalta Alfaro.
Além disso, o setor ainda lida com burocracia tributária, variação cambial — que afeta insumos importados — e um consumidor cada vez mais exigente quanto à velocidade de entrega.
Outros setores em foco: e-commerce e automotivo
Apesar da forte aposta na saúde, a DHL não pretende parar por aí. O e-commerce continua sendo o segmento mais aquecido da operação no Brasil, enquanto o setor automotivo, especialmente com a entrada de montadoras chinesas, também gera novas demandas.
“O e-commerce não só cresceu na pandemia — ele manteve o ritmo. Hoje os marketplaces operam com volumes gigantescos e continuam expandindo. A gente cresce junto”, diz Pereira.
A empresa também tem avançado no mercado de aftermarket, com peças de reposição automotiva, e avalia novos investimentos estruturais no país.
“Temos apetite para investir. Seja em saúde ou em outros setores, o Brasil está no radar da DHL global como um mercado relevante”, conclui o executivo.
Fonte: Exame