A escalada da inflação no País, com índices acima de dois dígitos (no acumulado em 12 meses) desde setembro do ano passado, tem dificultado bastante o planejamento das empresas até mesmo no curto prazo. Sem previsão de quanto vai custar a matéria-prima ou o frete no mês seguinte, muitas delas estão tendo de engavetar investimentos importantes para a melhoria do processo produtivo, mudar modelos de vendas e reajustar os preços mais vezes durante o ano, para não comprometer as margens financeiras.
Algumas, no entanto, têm feito várias manobras para retardar cada vez mais o repasse de preços e não perder vendas. O fato é que a inflação alta provoca um ciclo vicioso difícil para uma retomada consistente da economia.
Os preços altos comprometem a renda da população. Consequentemente, o consumo cai e as vendas das empresas diminuem. Com faturamento menor, as companhias não têm opção a não ser deixar de investir e reduzir mão de obra, o que eleva o desemprego.
“Tem sido complicado acertar as previsões”, afirma o copresidente da indústria de papel cartão Papirus, Amando Varella. O executivo conta que, por causa dessa dificuldade, a empresa tem feito mais reajustes de preços aos clientes se comparado aos anos anteriores, quando essa mudança ocorria a cada 12 meses.
Em 2021, a companhia realizou três reajustes. Neste ano, uma nova revisão já foi informada aos clientes e deve ser implementada em junho.
A Finder, fabricante de relés – componente eletrônico usado, por exemplo, em equipamentos de energia, tornos, fresas, alarmes e automação predial –, também foi obrigada a rever seus preços antes da data prevista.
Normalmente, a Finder altera sua tabela uma vez, sempre no fim do ano. Mas, agora, terá de mudar a estratégia. A partir de junho, a companhia vai aplicar reajustes de até 10%, de acordo com a linha de produtos. Alguns componentes, porém, não terão aumento.
O diretor comercial da empresa, Juarez Guerra, afirma que acompanha diariamente os custos da empresa e busca mecanismos para manter um ponto de equilíbrio nas contas. “Tenho de ficar com um olho no peixe e outro no gato”, brinca ele.
A variação cambial também foi um fator que impactou as margens da empresa, com fábrica localizada em São Caetano do Sul, no ABC paulista. A empresa recebe da matriz italiana a maior parte dos componentes para a produção, diz Guerra. “Ainda bem que agora a questão cambial está melhorando.”
Na Fluid Feeder, fabricante de sistemas para tratamento de água e efluentes de São Paulo, a inflação alta vai atrasar o plano de investimento em novos produtos, na melhora do processo produtivo e em mais equipamentos
O orçamento para o aporte deste ano foi feito em 2021 com base na projeção de inflação na época, na casa de 5% – bem diferente do índice atual. Em abril, o IPCA-15 chegou a 12,03% no acumulado de 12 meses, a maior taxa nesse comparativo desde novembro de 2003, quando foi de 12,69%.
“Todas as matérias-primas subiram muito nos últimos meses, como aços carbono e inox, latão e cobre, o que impactou nos nossos custos”, diz Francisco Carlos Oliver, diretor comercial da Fluid Feeder. “Com a redução de margens e resultados financeiros abaixo do esperado, vimos que o investimento que gostaríamos de fazer vai ter de esperar.”
Outro reflexo do aumento da inflação está no planejamento de entrega dos produtos. Com a alta do preço do frete, algumas empresas têm optado por não arcar com esse custo, já que o preço combinado na compra pode não ser o mesmo na data da entrega.
O copresidente da Papirus, Amando Varella, afirma que antes adotava a modalidade CIF, em que a responsabilidade do frete fica com o fornecedor. Mas, com as constantes altas, tem escolhido o FOB, em que essa responsabilidade é do cliente. “Hoje não temos condições de manter e bancar esse aumento.”
Mas, segundo ele, essa mudança tem um lado negativo, que é a perda de controle do fluxo da fábrica. Na modalidade FOB, o cliente busca a mercadoria quando quiser. “Isso eleva a insegurança na retirada do produto e pode travar o fluxo da fábrica. A logística interna é prejudicada.”
Segundo Varella, o cenário de incerteza de preços é um dos piores para o dia a dia das empresas. Quase todos os itens da produção subiram. Além da celulose e do frete, os reagentes químicos importados estão sob pressão por causa de problemas no abastecimento, a energia elétrica disparou e a mão de obra também subiu. “Nossa matriz de custos está pressionada e isso gera aumento de preços.”
Na BottomUp Telemetry, indústria eletrônica de sistemas de IoT de Recife (PE), contratos para a compra de itens para telemetria, rastreamento e sensores são fechados com dois anos de antecedência. Alterar os preços agora é difícil. Os clientes são integradores que prestam serviços para o setor público.
Frederico Braga, sócio da empresa, diz que, por enquanto, a empresa opera com equilíbrio financeiro, mas se prepara para uma eventual negociação com o sindicato dos trabalhadores, que estão numa “situação crítica” porque os salários reajustados no início do ano estão perdendo rapidamente o poder de compra.
“Vamos ter de conversar e encontrar um caminho, pois, como não consigo repassar os preços, vai ser complicado aumentar salários.” A empresa tem grande parte de sua matéria-prima importada e, apesar da melhora cambial, ainda sofre com o que Braga chama de “inflação da pandemia”, que resultou em preços de chips quatro vezes maiores do que em 2020, e os de logística até oito vezes superiores.
Mesma situação vive a indústria de calçados infantis e infantojuvenis Kidy. Apesar da alta no preço da matéria-prima, a empresa ainda não repassou o custo. “O mercado está sensível a alterações de preços. Montamos uma estratégia ousada de segurar os preços para ganhar mais mercado”, diz Sérgio Gracia, sócio da empresa.
Segundo ele, a preocupação com a alta dos preços é provocar a queda do poder de compra dos consumidores e isso repercutir no recuo das vendas. “Que sejamos os últimos a aumentar os preços.”
No setor imobiliário, alta da matéria-prima pressiona construtoras
A indústria da construção também tem sofrido com a alta da inflação. O sócio da Next Realty, Felipe Antunes, afirma que o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) estava em 11,47% até março, mas o preço do aço, por exemplo, já havia subido mais de 20%. Segundo ele, a situação cria um dilema para as empresas. Se não repassar os custos, compromete a margem da companhia. E, se repassar, não consegue vender o imóvel. Com preços maiores, os consumidores acabam indo para o aluguel em vez de comprar.
Antunes afirma que, para tentar contornar o aumento de preço da matéria-prima, tem tentado antecipar a compra de materiais. “Adquirimos os produtos, estocamos na obra mesmo ou alugamos uma área com essa finalidade. Mas tem de ter planejamento financeiro para fazer os desembolsos.” Outra medida é agilizar o processo para não ter atrasos na obra e elevar ainda mais o custo.
Fonte: Estadão