Houve um melhor planejamento da indústria e do varejo para a seca em Manaus deste ano, frente ao que se viu no ano passado, o que pode reduzir, inicialmente, o risco de falta de insumos para fabricação e de produtos ao consumidor.
Mas se a estiagem se agravar, e com a pressão nos custos de frete elevada, a conta a ser paga será um repasse disso aos preços nas lojas, e ainda cresce a possibilidade de desabastecimento no fim de ano.
Na seca de 2023, as quatro maiores operadoras de transporte de cargas marítimo e fluvial na Amazônia cobravam entre US$ 900 e US$ 2 mil por contêiner movimentado, a depender da companhia e do volume. É a chamada “taxa da seca”, prática antiga, negociada há anos no setor quando a estiagem chega. Desde 1º de agosto, a tabela passou para a faixa de US$ 3 mil a US$ 5,9 mil, apurou o Valor, ou seja, chegou a triplicar em um ano.
Associações, empresários e sindicatos ouvidos afirmam que o alerta da seca mais intensa neste ano levou, principalmente, os fabricantes de motocicletas, TVs e ar-condicionado a fecharem contratos de venda antecipada às lojas. Isso, já com custos de distribuição mais altos no terceiro trimestre.
Só que essa estratégia de antecipação tem as suas limitações - tanto de caixa quanto estruturais - e aí que pode estar o nó do gargalo na ponta ao consumidor. O Valor apurou que Magazine Luiza e Casas Bahia anteciparam recebimento de televisores da Zona Franca, para garantir o atendimento.
“Não vemos maiores complicadores para a venda de Black Friday, porque adiantaram parte das entregas, e hoje temos melhores alternativas de escoamento de produtos do que um ano atrás. Mas para o Natal, não dá para ter certeza de como será isso e pode haver impacto [de preço e no abastecimento]”, afirma José Jorge do Nascimento Júnior, presidente da Eletros, associação dos fabricantes de bens duráveis. A Black Friday acontece no dia 29 de novembro.
“Tudo depende da intensidade e do período da seca, que começou antes neste ano do que em 2023, e isso pode afetar a distribuição, mesmo com mais opções de portos na região”, afirma ele.
A principal alternativa são dois portos flutuantes temporários, em Itacoatiara, no rio Amazonas, a 170 quilômetros de Manaus, que tiveram aval da Receita Federal para operar a partir de agosto. Ambos os pieres são da iniciativa privada, do grupo Chibatão e da Super Terminais, e cabem, com folga, navios de grande porte.
No início desta semana, estava previsto o primeiro teste no pier do Chibatão. Produtos são descarregados de navios para as balsas, que conseguem circular nas áreas mais secas dos rios na região. Empresas podem contratar áreas do pier para recebimento de insumos e envio de pedidos da Zona Franca.
Para o diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores e Cabotagem (Abac), Luis Fernando Resano, outra alternativa é percorrer a região entre Pará e Manaus. Mas para completar trajeto em balsas, de Vila do Conde, no Pará, até a capital amazonense, o tempo de trânsito pode ser acrescido em até 10 dias por causa da seca.
A questão é que os custos do frete em Manaus dispararam. Segundo Augusto César Rocha, coordenador da comissão de logística do Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam), toda a produção de fim de ano está praticamente vendida, mas não 100% entregue.
“Pelas tabelas das empresas que acessei, o frete por contêiner passou de US$ 900 em média, para US$ 3,1 mil”, diz ele. Entre as maiores operadoras de transporte no setor estão MSC e Maersk.
“Tivemos um planejamento melhor, especialmente do setor privado, porque os governos mesmo se movimentaram pouco desde a seca de 2023. Ano passado, vivemos no improviso. Neste ano, a indústria antecipou estoque e repassou parte já ao varejo. Mas a taxa da seca subiu demais”, diz Rocha.
Para o coordenador, a expectativa é que isso vá sendo diluído ao longo do ano, nos custos das indústrias e do varejo, mas deve ter um efeito no curto prazo em rentabilidade se não for repassado.
Apesar do atual aumento de demanda por TVs e ar-condicionado da Zona Franca, a Eletros não crê que isso possa ser absorvido integralmente porque as companhias carregam margens comprimidas desde a pandemia, e ainda sentem o efeito da alta na taxa de juros, após 2021.
“Estamos com um verão muito forte, com a ‘linha branca’ crescendo 18% no semestre, e a venda de bebedouros subindo 120%, além da alta forte em filtros e cervejeiras. Só que tivemos pressões em câmbio e os juros devem voltar a subir”, diz Nascimento.
Os acordos de antecipação de entregas entre indústrias da Zona Franca e comércio no Sudeste e Sul envolveram prazo de algumas semanas, dizem fontes. As empresas de eletroeletrônicos adiantaram as importações de insumos e os cronogramas de produção em três a quatro semanas no ano, segundo sondagem, no início da semana passada, da Abinee, a associação da indústria elétrica.
“Este ano vimos a antecipação das compras de distribuidores [de componentes] em algumas semanas, puxadas para agosto e setembro”, diz o diretor da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), Rogério Nunes.
O uso do transporte aéreo, embora mais caro do que o fluvial, é outra alternativa adotada pelo setor e que já faz parte da logística de fabricantes de componentes eletrônicos. “Como são produtos que ocupam pouco espaço e são extremamente sensíveis, o modal aéreo é via de regra neste setor”, diz Nunes.
Para que a antecipação no varejo ocorra sem desequilibrar o ciclo financeiro das redes, já que levaria a uma saída de caixa também antecipada, houve um acerto prévio entre as partes. Isso porque, se uma empresa adianta a compra e paga muito antes do período da venda, ela eleva estoque e aumenta a sua necessidade de capital de giro, num momento de dinheiro caro no mercado.
“Houve uma forte antecipação de entrega de TVs pelas marcas asiáticas, porque é um produto com uma demanda boa hoje. Então, fornecedores têm feito estoques avançados conosco, mas sem faturar antecipadamente, para não ter saída de caixa agora”, afirma o diretor geral de uma grande varejista de eletrônicos.
O Valor apurou que uma das maiores redes brasileiras de eletrônicos decidiu importar lotes de ar-condicionado da China, para não perder a venda do verão.
No fim de agosto, o vice-presidente da Panasonic no Brasil, Sergei Epof, disse que o grupo antecipou o escoamento de produtos antes de a água dos rios baixar no Norte. “Assim, pretendemos evitar o problema do ano passado, quando fomos pegos de surpresa”, disse.
Mesmo em um cenário de impactos da seca anunciados, nem todos os efeitos da estiagem deste ano poderão ser evitados, e há riscos para o abastecimento, diz o presidente do grupo Multi, Alexandre Ostrowiecki.
Segundo ele, embora a Multi tenha implementado medidas preventivas, essa situação inevitavelmente resultará em um aumento nos custos logísticos “e poderá causar a falta de diversos produtos no mercado ao longo do segundo semestre de 2024", disse o executivo, ao Valor.
“Estamos trabalhando arduamente para minimizar os impactos, mas a realidade é que este é um desafio sem precedentes para toda a cadeia de produção”, prevê Ostrowiecki.
Fonte: Valor Econômico